Anahí

419 27 1
                                    

7 anos depois...

Hoje me permiti acordar mais tarde. A rotina de trabalho no hospital central de Boston tem sido extremamente cansativa, amo a minha profissão mas não posso esconder que é pesado.

Aproveitei o dia de folga para dar uma limpeza geral no meu apartamento. Apesar de estar ganhando bem melhor agora preferi manter as coisas como eram no começo, mesmo pequeno aquele apartamento já tinha minha identidade. Limpei cozinha, sala e banheiro. Ainda com um pouco de ânimo resolvi organizar meu guarda-roupa, no fundo da gaveta encontrei algo do qual não consegui me desfazer.

Uma foto minha com o Alfonso. Nós a tiramos no baile do colegial a anos atrás. Uma sensação de nostalgia tomou meu coração.

Quanto tempo se passou!
Comecei a relembrar o passado.

" Quando retornei da Califórnia após o enterro da Angelique, decidi seguir adiante a todo custo. Me joguei de cabeça nos estudos e ocupei meu tempo livre com inúmeras atividades. Quando chegava em casa não tinha disposição para nada além de dormir, e assim foi durante anos.

Não retornei a Califórnia em nenhuma ocasião, nem no noivado da Maitê com  o Christian no ano passado. Prometi a mim mesma que voltaria apenas quando o passado não me causasse mais dor, contudo parte da mim ainda tem feridas abertas. Sabendo disso, meus pais vinham me visitar nas datas comemorativas e férias. Algumas vezes tocavam no assunto Alfonso, mas eu sempre dava um jeito de me esquivar. Tentava faze-los acreditar que o Poncho já fazia parte do passado.

Dizem que mentir para si mesmo é sempre a pior mentira. Isso é uma grande verdade, eu podia até covencer os outros mas não conseguia mentir para mim. Pensei nele todos os dias durante esses 7 anos. Senti saudades, vontade de estar em seus braços, raiva, enfim um misto de sentimentos.
Eu ainda o amava e isso era inegável!
Tentei sair com outros caras mas nunca funcionava, acabava procurando encontrar o Alfonso neles e sempre me frustrava. Preferi ficar sozinha e parar de forçar a barra.

Uma vez quando a Maitê veio me visitar acabei vendo uma foto dele com a filhinha, ela era uma graça e ele perecia feliz. Isso me deixou feliz também. Soube que ele assumiu os negócios da família e passou a cuidar da filha sozinho, fiquei orgulhosa do seu crescimento. Não o odiava mais como no começo, ainda tinha minhas mágoas, mas amadureci muito durante esses anos, e entendi que existem coisas mais valiosas na vida do que guardar rancor.

Ainda não retornei por medo de reencontra-lo, por medo de encara-lo novamente e talvez não resistir.

Nesse momento balancei minha cabeça para afastar o pensamento. Poderia até perdoa-lo mas voltar para ele, nunca!

Guardei a fotografia e desisti de arumar o meu guarda-roupa. Preparei um café e decidi ir ler algumas pesquisas na área de pediatria. Estava fazendo minha residência nessa área, então me dedicava ao máximo para absorver conhecimento dentro e fora do hospital.

Durante os três primeiros anos cursei as disciplinas básicas de biológicas e química. Do quarto ano em diante é que comecei a medicina propriamente dita. Estava entre as melhores alunas do curso e isso me ajudava a ganhar confiança no hospital. Vi e vivi tantas coisas coisas lá. Isso me ajudou a melhorar e amadurecer. Existia tanto sofrimento naquele ambiente e apesar disso as pessoas, principalmente os pacientes ainda encontravam motivos para continuar sorrindo. Foi a partir deste ponto que comecei a rever minha vida. Estava disperdiçando grande parte dela guardando rancor.

Foi ai que comecei a me abrir mais, fiz alguns amigos, passei a interagir um pouco, coisas não muito surpreendentes, contudo me ajudavam a me sentir viva e não mais fria, como antes.

Dessa maneira segui minha vida durante esses anos. Com muitas coisas ainda a melhorar, mas tentando.

Separei alguns artigos que havia achado interessante e decidi imprimir para arquivar a minha pequenina biblioteca. Quando ia saindo, escuto meu celular tocar, era do hospital.

- Alô, Anahí? - Perguntou a pessoa do outro lado linha.
- Sim, é ela - Respondi imaginando se tratar de um plantão as pressas.
- Você pode vir ao hospital às 14h?
- Posso! Mas, aconteceu alguma coisa? - Perguntei preocupada.
- Não sei lhe dizer Anahí, a única mensagem que me pediram para lhe reportar é que o Senhor Ricardo e a Doutora Clara querem conversar com você.
- Tudo bem! As 14h estarei aí!

Desliguei com o coração apertado. Será que existia algum problema com a minha residência?

As 13h50 eu já estava na recepção.

- Anahí Puente você já pode se dirigir a sala! - Disse a recepcionista.

Suava de nervosismo. Respirei fundo e entrei.
- Com licença! Boa tarde - Disse um pouco sem jeito.
- Entre Anahí! Pode ser sentar - Disse a doutora Clara.

Ela era minha orientadora na residência e ele o diretor do hospital. Pessoas como eu só eram chamadas em sua sala por dois motivos. Promoção, o que era raro para pessoas com pouca experiência, meu caso. Ou demissão. Estava com medo.

- Olá Anahí! Nós dois queremos conversar com você sobre um assunto muito importante - Disse o Ricardo.
- Sim! - Continuou a Clara - Você é de Sacramento, Califórnia. Não é?
- Sim - Respondi sem entender o rumo da conversa.
- Então, o Hospital Infantil Shriners de Sacramento, nos pediu recomendação de candidatos para residência. Pensamos em você. Seu desempenho tem sido impecável ao longo de todos esses anos. Acreditamos que é a candidata ideal. O que acha da ideia?

Fiquei sem saber bem o que dizer.

- O Shriners é um sonho para qualquer residente na área de pediatria - Respondi.
- Sim, e tem um excelente plano de carreira - Completou o Ricardo.
- Não quero te pressionar Anahí, mas eles querem uma resposta urgente. Como sua orientadora posso te garantir que a oportunidade é incrível. Qual a sua decisão?

Respondi SIM a proposta. Essa era a oportunidade da vida e não poderia recusa-la.

Sai da reunião e fui direto para casa. Os papéis de transferência já estavam correndo e no máximo em 15 dias daria início a residência no novo hospital. Precisaria partir logo, tinha que me reestebelecer ao meu antigo lar, com calma.

Estava ansiosa...
Com o novo desafio, com o novo ambiente de trabalho, mas principalmente com a possibidade de reencontra-lo depois de tantos anos.

Fugi, tentei arrumar pretextos e então  quando menos esperava a vida veio e mudou bruscamente a rota do meu caminho.

"Lá fora as folhas das árvores balançavam, era o vento mudando de direção mais uma vez"

As linhas da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora