Alfonso

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Depois da conversa que tivemos, eu e a Anahí tentamos estabelecer um bom convívio. Nem tanto por nós dois mas sim por todos que estavam a nossa volta.

E assim se passaram três meses.

Quando eu ia buscar a Cecília ela sempre vinha me atender. Eu ficava um pouco com os pais dela conversando sobre o cotidiano e as vezes nós dois falávamos um pouco sobre nossas vidas profissionais. Nada muito além disso, apesar da convivência crescente ainda existia um leve desconforto entre nós, uma linha que não podia ser ultrapassada.

Toquei a campainha. A Sra. Puente veio me atender.
- Oi Alfonso! Entra.
- Obrigada! Hoje eu não vou demorar tenho algumas coisas do trabalho para terminar em casa.
- Toma pelo menos um café?

Acabei aceitando mesmo estando de fato muito atarefado.

- Onde está a Cecília? - Perguntei.
- Está no jardim com a Anahí. Ela chegou mais cedo do hospital e decidiram aproveitar um pouco do sol lá fora.
- Posso ir até lá?
- Claro Alfonso, fique a vontade!

Me aproximei devagar do jardim e de longe avistei as duas brincado de boneca no gramado. Estavam entertidas com alguma história que nem perceberam minha aproximação.

- Será que esse pobre rapaz poderia se juntar a essas lindas moças nessa brincadeira?

Elas se assustaram com a minha voz e em frações de segundos se viraram para me encarar. A Cecília veio correndo me abraçar enquanto a Anahí me deu um leve sorriso.

- Ahhh papai, nós já estamos terminando a brincadeira - Disse ela desanimada.
- Tudo bem querida, podemos brincar em outra oportunidade - Respondi.
- Ele vai poder brincar com a gente tia Any?

Ela olhou para a Cecília depois olhou para mim e respondeu:
- Sim! Ele pode. Estava mesmo pensando em ter um mordomo para me servir da próxima vez, na brincadeira!

A Cecília inocente disse um Eba animado, mas eu havia entendido a sua ironia. Ela podia ter dito um simples não, mas preferiu me dar uma resposta cortante.

- Tudo bem! - Respondi - Não ligo de ser o mordomo, contanto que a minha chefe seja boazinha.

Ela me encarou mas dessa vez preferiu não responder. Juntamos os brinquedos e entramos. Era mais ou menos assim que a nossa cordialidade funcionava. Preciso admitir que não era de todo mal.

- Quer tomar café antes de ir Cecília? - Ela perguntou docilmente.
- Quero sim tia Any! A vovó fez aquele bolo de chocolate maravilhoso.
- A vovó e os seus bolos maravilhosos - Disse ela sorrindo - Então vai lá lavar as mãos e pegar suas coisas primeiro.

A Cecília assentiu e subiu correndo escada acima.
Ficamos apenas nós dois na cozinha.

- Obrigado! - Disse.
- Obrigada pelo quê? - Ela me encarou confusa.
- Por estar tratando a Cecília com tanta gentileza.

Ela desviou o olhar se dirigindo a pia.

- Já disse a você que não precisa me agradecer. A Cecília é um doce de menina. Muito gentil, educada e obediente. Preciso dizer que criou muito bem sua filha.
- Obrigada! - Agradeci um pouco sem jeito.
- E outra coisa, passar esse tempo com ela tem me ajudado a melhorar minha comunicação com as crianças no hospital. Então estar com a Cecília também tem sido benéfico para mim, logo não precisa ficar me agradecendo o tempo todo.
- Tudo bem! Não agradecerei mais - Disse em tom de brincadeira.

Ela levantou as mãos para os céus e sussurrou:

- Obrigada Deus!

Nesse momento nos entre olhamos e espontâneamente começamos a rir. Uma sensação de nostalgia me tomou e comecei a lembrar do passado. Acho que o mesmo aconteceu com ela, pois derrepente parou de sorrir e se virou novamente para a pia. Na tentativa de cortar o clima tenso que havia surgido, decidi pergunta-la sobre o trabalho.

- E como estão indo as coisas no hospital?
- Ah, estão indo muito bem. Eu já estou trabalhando diretamente com as crianças, é tão legal - Sorriu - Tenho um médico experiente me supervisionando mas com o tempo tenho ganhado mais liberdade e segurança para fazer as consultas e os procedimentos. Tem um menininho o nome dele é Caleb, ele está na ala de ortopedia e é um amor, você acredita que esses dias quando fui consultá...

Ela parou de falar.

- O que houve? Perguntei sem entender.
- Desculpa, eu me empolguei e acabei falando demais - Disse sem graça.
- Não precisa se desculpar! Eu gosto de te ouvir falar do trabalho. Você fica tão entusiasmada, seus olhos até brilham. Coisas de quem verdadeiramente ama a profissão.

Ela sorriu, um sorriso largo e disse:

- Sim, eu sou apaixonada pela medicina!

Ambos sabíamos disso. A ida dela para Boston a 7 anos atrás, foi consequência de muitos fatores, mas principalmente do seu amor pela medicina.

- Mas e você? - Disse interrompendo meu pensamento - Como vai o trabalho? É muito cansativo manter uma empresa milionária?

Fiz uma careta de cansado. Ela sorriu.

- Essa sua careta disse muita coisa!
- Sim, ela disse muitas coisas inclusive de que eu preciso ir para casa porque tenho muito trabalho para colocar em dia.

Cecília! Chamei. Ela desceu as escadas correndo.

- Já não disse para parar de andar correndo!
- Desculpa papai!
- E porque demorou tanto filha? Foi engolida pelo ralo?

Ela sorriu. Pegou um pedaço de bolo e se dirigiu rumo a porta sem dizer nada! Essas crianças.

- Tchau tia Any! Vou te ver amanhã?
- Tchau Cecília! Não, amanhã terei plantão para cobrir. Mas na sexta com certeza nos veremos.

Ela passou o dedo de leve no nariz da Cecília que sorriu. Ficava comovido toda vez que as via interagir. Apesar da presença da minha mãe ou da mãe da Anahí, o contato que ela estava estabelecendo com a Any nesses meses era o mais próximo do que ela poderia ter estabelecido com a mãe, se ainda estivesse viva.

- Agora vamos! - Disse - O papai tem muito trabalho para resolver ainda. E Anahí, na sexta ela não virá. Pode avisar para os seus pais, por favor?
- Porquê?
- Eu terei que ir para a empresa no fim de semana. Então ela ficará na casa dos meus pais, apesar deles estarem fora, a Maria vai estar lá cuidando da casa então  vou aproveitar e deixar a Cecília com ela.

A Cecília fez uma carinha de desânimo com a ideia.

Derrepente a Anahí disse:

- Quer deixar ela comigo?
- Quê? - Perguntei confuso.
- Eu perguntei se ela pode ficar comigo no fim de semana? A casa dos Herrera é enorme, ficar lá sozinha durante um final de semana, apenas com um adulto, ainda por cima ocupado, deve ser tedioso.
- Mas e você? E o seu fim de semana?
- Meus pais irão para o interior e eu já tinha planejado ficar para colocar umas coisinhas em ordem. Estarei sozinha, a Cecília será uma companhia para mim.
- Mas Anahí...
- Alfonso - Disse ela me interrompendo - Eu vou ajudar a Cecília cuidando dela e ela vai me ajudar a melhorar minha comunicação infantil. Será um fim de semana de trocas. Então não se preocupe achando que será um peso para mim. Ok?
- Tudo bem, tudo bem! Cecília você quer ficar com a Anahí no fim de semana?

Antes que eu terminasse ela foi pulando toda feliz abraçar a Any. Elas sorriram para mim. Não consegui resistir, então respondi.

- Esse final de semana será oficialmente o fim de semana das garotas!

Segui com a Cecília para casa.

Acho que eu estava mais ansioso que ela por esse final de semana que estava por vir!

As linhas da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora