Prefácio

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As criações literárias ultrapassam a fronteira do sonho com a realidade, abrem portas do natural para o sobrenatural, envolvem os humanos num espaço fronteiriço entre a vida e a morte. O final – o livro pronto – torna-se o ponto de intersecção entre os sonhos de um autor e o início da vida de personagens que percorrem caminhos antes nunca vistos pelo leitor, mas que o deixam em estado de hesitação, euforia e espera para encontrar um mundo fantástico, um mundo quimérico.

Quando compreendemos as minúcias de um texto literário, passamos a entender melhor o mundo e o homem. Os grandes escritores da antiguidade clássica já introduziram questões acerca da criação do mundo e dos seres, recorrendo às figuras mitológicas em suas obras. Na Idade Média permanece uma visão teocêntrica do mundo. Porém, nos séculos XVI e XVII surgiram representações individuais que questionaram esse universo teocêntrico e propuseram personagens centrais para a modernidade. Essas figuras se transformaram em autênticos mitos literários graças ao trabalho de vários autores que construíram variações a partir dessas matrizes passadas.

Os mitos literários só são possíveis devido a sua relação com o real. Umberto Eco, em Seis Passeios pelos Bosques da Ficção, afirma que não existe nenhum texto que não tenha o real como elemento primeiro, ou seja, mesmo que um texto seja considerado fantástico ou maravilhoso, ele sempre vai buscar elementos da realidade como base. Logo, a representação desse real pode se dar de diferentes formas. Para Leyla Perrone: "A literatura parte de um real que pretende dizer, falha ao dizê-lo, mas ao falhar diz outra coisa, desvenda um mundo mais real do que aquele que pretendia dizer" (1990, p. 102).

Assim, quando li pela primeira vez o primeiro livro da série Os Quatro Guardiões, encontrei-me verdadeiramente surpreendida por esse real revelado de forma expressiva pela força imaginativa do autor. Depois de ter lido, durante tanto tempo, obras clássicas da Literatura Brasileira e Estrangeira, consegui visualizar, nesse primeiro livro, características peculiares de grandes escritores, como Dan Brown, Tolkien, Kafka, Guimarães Rosa e Machado de Assis. A obra de Thiago apresenta elementos que vão desde aspectos regionais, presentes em narrativas como as de Monteiro Lobato, quanto elementos do Romance-fantasia, como em Tolkien e George R. R. Martin. Esses elementos, permeados por uma história que seduz e encanta o leitor a cada página, define o perfil criativo e, ao mesmo tempo, sensato do autor, que consegue resgatar particularidades da literatura clássica e contemporânea, criando algo extremamente original.

Quando iniciamos o percurso nessa fabulosa história, deparamos com Scylla, nome importante da mitologia grega; "Cila", a ninfa de esplêndida beleza que foi transformada em um monstro marinho por conta dos ciúmes da feiticeira Circe, em sua busca incessante pelo amor do deus Glauco. Mas ninguém sai vitorioso dessa história, Cila foge, quando é desprezada por Glauco, e Circe não consegue o amor que buscava, apenas desprezo. Uma história fascinante, que mostra as perplexidades de um amor não correspondido e remediado pelo ódio e vingança.

Todavia, em Os Quatro Guardiões, encontramos outra construção dessa personagem, muito mais impactante, porque Scylla é a representação da luta e não da desistência como na história mitológica. Heroína do primeiro livro, a suposta personagem principal, Scylla, é uma professora de um pequeno vilarejo que foi destinada uma missão muito mais grandiosa do que apenas ministrar aulas.

Scylla é a representação do herói moderno do século XXI, aquele que sem deixar a humildade e a sabedoria das coisas simples, consegue ultrapassar barreiras impostas por inimigos reais e muitas vezes aqueles criados por nosso próprio inconsciente.

Assim, no primeiro livro da saga, O Oráculo, os primeiros personagens são apresentados sempre por meio de uma atmosfera simples e agradável ao leitor. Wade, fazendeiro do interior e avô de Scylla, não revela imediatamente à neta quais são suas verdadeiras missões, deixando Scylla inquieta diante de seu próprio futuro. E, desse modo, por meio de sonhos, a humilde moça descobre aos poucos os mistérios que cercam seu avô e a sua história.

Como um oráculo, os sonhos de Scylla revelam acontecimentos do Templo da Lua e de um passado distante, e por meio de analepses, o narrador introduz o leitor nesses mistérios que serão revelados nas próximas páginas com a chegada de Woody, amigo e companheiro de Wade. Wade e Woody, dois personagens chave nessa história; ambos possuem habilidades extraordinárias, e serão os responsáveis pelo treinamento de Scylla e por toda a sua preparação diante dos desafios que ela encontrará.

Nesta história, o leitor surpreender-se-á com as aventuras de Scylla e sua luta contra criaturas peculiares; o desenvolvimento de suas habilidades em cada desafio; o encontro com a menina onça, a índia Thaynara e o fortalecimento de uma amizade; o aparecimento do velho Baltazar e seus enigmas; a casa amaldiçoada e as dificuldades dos dois Guardiões Woody e Wade na luta contra demônios. Enfim, uma história que envolve o leitor, que o emociona, que o faz refletir do início ao fim e que surpreende a cada capítulo. Doze capítulos – pontapé inicial de uma saga que apresentará uma outra face da literatura brasileira contemporânea.

Marli Cardoso dos Santos

Doutora em Estudos Literários pela UNESP.

Abril de 2017

Os Quatro Guardiões - Livro 1 - O OráculoOnde histórias criam vida. Descubra agora