Capítulo 7

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A noite estava quente e enquanto Harry contava suas experiências com jogos de azar, seguimos andando pela Las Vegas Boulevard. Sem pressa ou destino, apenas andando. Alguns minutos depois chegamos a um largo cruzamento, em uma das calçadas havia um homem tocando um violoncelo.

Algumas pessoas passavam e deixavam dinheiro no chapéu do músico. Eu e Harry paramos para ouvi-lo tocar. A melodia era lenta e doce, nada que eu conseguisse reconhecer, não era Beethoven, Vivaldi, Chopin, nem mesmo Debussy ou Mozart, parecia ser algo que ele mesmo criou, e era lindo.

Senti a mão de Harry tocar a minha e me arrepiei com o gesto, seus dedos seguiram até se entrelaçarem aos meus, olhei e ele tinha um olhar sério. Segui em sua direção, e logo senti sua outra mão em minha cintura, me puxando para que nossos corpos se encontrassem.

Em alguns instantes estávamos dançando bem próximos um do outro. Harry me conduzia e me olhava com uma expressão séria. Nunca havia passado tanto tempo olhando diretamente nos olhos de alguém como naquele momento, e por incrível que pareça não me senti desconfortável com isso. Harry tinha o poder de me envolver, enquanto dançavamos o mundo pareceu sumir, eu estava flutuando com ele ao som da melodia do violoncelo.

Harry me girou e uma risada me escapou, ver ele tão sério e concentrado era algo novo e não parecia nada natural. Ele riu também e me abraçou, nos balançamos mais algumas vezes até que me afastei para olhá-lo. Harry pegou uma nota de 100 dólares e deixou no chapéu do músico.

Seguimos por uma das ruas do cruzamento e nesse momento percebi que Harry conhecia Vegas muito bem, eu não estava sendo a guia. Ele seguiu por cerca de duas quadras até um estabelecimento na lateral de um hotel. A placa dizia "Vince Neil's Tatuado Eat Drink Party", reconheci o lugar, era um restaurante e bar. O grande diferencial dali era seu karaokê e sua decoração em tributo ao rock'n roll.

Pedimos uma mesa e a essa altura as pessoas já estavam embriagadas, portanto o ambiente parecia animado. Harry pediu dois drinks e nós observamos as pessoas dançando e cantando no pequeno palco com cortinas vermelhas.

Depois dos drinks Harry pegou minha mão e me levou até o palco, eu já imaginava que ele faria aquilo por isso não resisti. As pessoas estavam falando alto e ninguém realmente prestaria atenção na nossa pequena apresentação, e se prestassem também não haveria problema, Harry estava comigo e era a única coisa que importava.

Fazendo jus a decoração, a maioria das músicas do repertório eram de bandas de rock, tendo apenas um ou outro sucesso pop. Ficamos um tempo olhando a lista de músicas até que encontrei uma que julguei ser perfeita.

— The Killers? - Harry perguntou em tom de surpresa.

— É a minha banda preferida. - eu rebati.

Subimos no palco e a melodia de shot at the night começou a tocar. Comecei a cantar e alguns instantes depois Harry me acompanhou. Havia uma tela onde a letra aparecia em várias cores indicando o tempo correto. Dávamos risada e dançavamos ao som da música sem a preocupação de estarmos sendo observados, aquele foi um dos momentos mais descontraídos da minha existência.

Quando a música acabou, nos surpreendemos com o barulho de alguns aplausos. Fizemos uma reverência e descemos do palco rindo. Harry se encaminhou até o balcão para pagar nossa conta, mas o barman disse que os drinks eram por conta da casa.

Estávamos na calçada de mãos dadas, ainda extasiados com nosso mini show, quando uma mulher nos abordou.

— Com licença, vocês poderiam nos ajudar? - ela perguntou.

— Claro! - respondemos nos olhando a fim de obter a confirmação um do outro.

— Me chamo Judy, esse é meu noivo Roger. - ela fez um gesto indicando o homem que estava segurando sua mão. — Nós vamos nos casar daqui a pouco em uma capela próxima daqui e precisamos de duas testemunhas, não conhecemos ninguém na cidade, será que vocês podem nos fazer esse favor?

Harry me olhou e eu confirmei com um aceno. Aceitamos o convite e seguimos a uma das tradicionais capelas de casamento de Vegas. Judy e Roger nos contaram que se conheceram há anos quando ela trabalhava em uma cafeteria em uma cidade próxima. Ele passou uma semana indo lá e esperando o expediente dela acabar para acompanhá-la para casa. Na semana seguinte ele disse que precisava voltar, mas prometeu que buscaria Judy assim que possível. 30 anos se passaram e Roger só conseguiu voltar essa semana, eles combinaram de se encontrar em Vegas. Nenhum dos dois se casou, sempre na esperança do regresso um do outro, por isso se casariam agora para não perder mais tempo.

É possível conseguir uma licença de juiz de paz perante o governo de Nevada em apenas alguns dias. Hoje os covers do rei do rock, Elvis Presley, ganham a vida casando casais como Judy e Roger. A documentação tem validade como em qualquer outro estado dos EUA e é a maneira preferida dos turistas de oficializar uma relação.

Eu e Harry sentamos na primeira fila da capela. Um cover do Elvis realizou a cerimônia recitando trechos de músicas do astro. Judy e Roger pareciam mais felizes do que nunca. Assinamos alguns papéis que comprovavam a veracidade da união e ao final jogamos um punhado de arroz no casal na saída da capela.

Shot At The NightOnde histórias criam vida. Descubra agora