xviii. por trás da família.

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Sinto uma pontada no peito sempre que lembro que agora só faltam mais dois dias para eu voltar pra casa e, consequentemente, começar uma nova vida a partir do momento que eu pisar naquela faculdade. Senti um arrepio estranho, que ódio...

Não vejo Keigo desde o dia que assistimos Enrolados junto com as crianças. Eu confesso que estava com saudades; nesse curto período de tempo acabei descobrindo que eu não sei se consigo passar muito tempo longe dele, mesmo eu sabendo que ele é ocupado e precisa trabalhar. Meus nervos ficam à flor da pele e eu tenho medo que algo aconteça com ele ─ conhecendo um pouco do seu trabalho eu imagino que seja um pouco arriscado.

Eu consigo imaginar o impacto que um evento desse nível pode causar em mim se ele se ferir. Eu prefiro não pensar muito nisso, mas é inevitável de certa forma.

Então meu porto seguro em relação à isso é ver ele pra ter certeza de que ele está bem.

Não me vejo mais num mundo sem ele, não mesmo. Espero algum dia estarmos juntos, sentados em algum canto da nossa futura casa já velhinhos.

Acho que fui longe no pensamento, no entanto achei válido e fofo.

Meu mundo particular era algo cinza e triste, parecia sempre estar acobertado por uma nuvem ranzinza que sempre está carregada. Mas quando ele deixou de ser só meu e passouba ser dele também, foi como um raio de sol depois de uma tempestade fria e grotesca rasgando aquele céu escuro.

"A beleza está presente em tudo o que se enxerga pela ótica do amor."

É um mundo ideal, onde a beleza se encontra nos detalhes que você só enxerga se pensar fora da caixinha.

Ok, acho que estou pensando demais.

Mas ficar sentada na varanda da casa assistindo as crianças brincando é algo que me deixa bastante reflexiva e com a cabeça nas nuvens. Os gêmeos brincavam sem nojo na terra, Kaori regava as flores nos vasos e Kim fazia castelinhos no barro. Eles iriam fazer uma bagunça se resolvessem entrar desse jeito em casa, sorte que Olly e Yoshi estavam trabalhando... Assim daria tempo de limpar caso eles sujem.

─ Aquele rapaz que estava aqui há alguns dias atrás era seu namorado? ─ Olhei para a senhora ao meu lado em sua cadeira de balanço.

─ Não, quer dizer... Não sei, acho que sim..? ─ Respondi surpresa comigo mesma, notando menos nervosismo em minha própria fala.

Vovó Shizuka também estava me acompanhando nesse entretenimento que é ver as crianças cheias de terra do lado de fora da casa. A convidei pois sentia que ela precisava tomar um pouco de sol e ar fresco.

─ E o quê está faltando pra vocês oficializarem? ─ Ela estava mais lúcida que o normal. Não entendia como ela passou de uma senhora quieta e reservada para uma que está com dúvidas. ─ Ele é bonito, eu também julgo que seja uma boa pessoa.

─ Ele é... ─ As duas coisas, sem dúvidas. ─ Mas... Ele é um herói. E a senhora sabe como as coisas são.

Só passou algum tempo, mas eu já fui bombardeada de perguntas sobre quando ele poderá vir novamente, entre outras nesse mesmo estilo. Ele praticamente virou o assunto da casa, foi como um reencontro de amizades antigas, entende? Ele impactou a todos em um piscar de olhos.

─ A mamãe não deixaria, nem o papai... Eu queria ter a coragem do tio Yoshi de rir na cara do perigo. ─ Soltei um riso.

─ Não seja tão dura como ela. Ela passou por algo parecido na adolescência também.

A sua fala me deixou anestesiada de uma maneira que eu nunca havia experimentado antes.

─ Como...? ─ Perguntei arrastando o banquinho para mais perto dela.

─ Seu avô também era um herói, mas ele foi morto numa batalha... ─ Vovô Katsuo... Pensei que ele havia morrido de alguma doença. Tempo depois, a vovó havia se casado com outro homem. ─ Ele e sua mãe eram muito apegados.

─ Isso é triste mas... Onde se encaixa comigo? ─ Me senti insensível demais por ter dito isso.

─ Após a morte dele, ela ficou obcecada pelos heróis e estava à procura de alguém que pudesse preencher o vazio que o seu pai havia deixado...

Vovó continuou falando que, depois que ela se casou com Ren ─ padrasto dos meus outros tios e da mamãe ─ ele declarou que todos deveriam seguir o seu caminho e se tornar alguém "importante". Nesse meio tempo, a mamãe acabou se apaixonando por um herói; mas a história se repete. Eles não podiam ficar juntos e blá blá.

Ok, eu não imaginava algo assim, é tudo tão confuso até mesmo pra mim.

─ O tal herói acabou abandonado ela depois de esperar por algo que nunca veio, você sabe do que eu estou falando, ela sofreu muito, e eu não fazia ideia do porquê. Eu era totalmente contra a ideia maluca de Ren, mas depois que Yuri, o caçula, nasceu, ela foi rompida. Mas Youko resolveu prosseguir com ela. ─ Vovó parecia calma nas suas palavras.

─ Todos me contam uma história diferente, não fazia ideia de que o vovô Katsuo era um herói... Muito menos que a mamãe também gostava de um. ─ Falei com os olhos arregalados. É incrível como eu sei pouca coisa sobre a minha própria família.

─ Mas a verdade é essa. Youko amou dois heróis, um fora lhe tirado à força e o outro a abandonou de um jeito doloroso. Eu me sinto culpada sempre, pois se eu tivesse me mostrado ao seu favor tudo poderia ter sido diferente ─ Aquilo me pareceu mais como um desabafo. ─ ... Sinto que talvez não estivéssemos tendo essa conversa de um jeito melancólico.

─ Eu... Sinto muito, vovó. Eu não fazia ideia de que a senhora se sente culpada por isso..

─ Yoshi era muito novo pra entender algumas coisas e Youko estava no colegial... ─ Ela disse. ─ Pra ela, nunca foi uma questão de aparências. Ela só estava muito machucada...

Percebi mamãe nunca contou desse tal herói para os seus pais pelo mesmo motivo que eu: Ela temia que eles não a compreendessem, e sabendo que isso era algo imoral na família, resolveu ficar quieta. Contudo, reprimir a sua dor acabou tornando-a o que ela é hoje.

Ela tinha com quem contar ─ a vovó ─ mas o medo acabou calando sua voz.

E a maldita história se repete.

─ Poucos sabem dessa história, e eu peço que você não conte pra mais ninguém.

─ Ok, vovó. Não irei.

─ Quebrar essa maldição está nas suas mãos, mesmo que não seja com o rapaz.

─ Vai ser com ele sim ─ Respondi de um jeito determinado. ─ Vai ser com ele sim...

Eu só não fazia ideia de como eu faria isso sem pensar no pior.

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