Capitulo 15 - Família complicada.

288 27 16
                                    

Meu pai, sempre foi um homem carinhoso e compreensivo. Diferente da minha mãe, que sempre foi uma mulher difícil de lidar com o casamento e as vezes, também com os filhos. Desde que meus pais decidiram se separar, pensei que eu era a grande culpada do fim de um casamento que durou mais de vinte anos, mas com o tempo percebi que o fim era necessário para ambas as partes, já que não tinham mais forças para seguir em frente, só restava falta de respeito e aparência para agradar os dois lados da família.

Falando em aparência, não sei se meu pai a vida toda foi gay e só se casou com a minha mãe, apenas para agradar o vovô Herculano.

O vovô Herculano, é ex-capitão do exército brasileiro aposentado. Meu pai sempre contou para mim e meus irmãos, o quanto a nossa avó Betânia sofreu com os maus tratos e as agressões que o vovô Herculano fazia com ela. Meu pai diz se recordar, de um dia em que ele e seus irmãos, José e Otaviano estavam jantando com a mãe, ou seja, a vovó Betânia, e o pai deles chegou em casa enfurecido, puxou-a pelo cabelo e bateu nela na frente dos filhos, deixando-a com um olho roxo e o nariz sangrando. Papai também diz se recordar, que mesmo machucada, a mãe dele levantou do chão e tentou acalmar ele e seus irmãos que estavam assustados.

Hoje a vovó Betânia não está mais entre nós, ela morreu há sete anos atrás em decorrência de um AVC e também, depois de sofrer por quase dez anos com mal de alzheimer. Meus tios José e Otávio, entraram para o exército para deixar meu avô orgulhoso, já meu pai decidiu concluir os estudos e ser corretor de imóveis, posteriormente, casando com a minha mãe depois de dois anos de namoro.

Agora, estamos no meio de uma revelação do meu pai, revelação essa, que ele nunca mencionou a mim e nem aos meus irmãos.

— Pai! Eu não quero mais agradar você. — Diz meu pai ao vovô Herculano. — Eu nunca me senti feliz de verdade como eu me sinto com o Igor.

— Então a minha filha foi uma piada para você. — Interrompe Vovó Tieta.

Papai se vira, olha para vovó Tieta e responde:

— Ela nunca foi uma piada para mim. — Ele olha para mamãe — Eu amei você no início Laura, mas chegou um momento que sabíamos que não existia mais nada, apenas um carinho.

— Você poderia ter se esforçado mais. — Minha mãe fala soluçando de tanto chorar. — Quem sabe esqueceria que gosta de homem e passaria a gostar de mim, sua esposa, sua mulher...

— Você sabia disso Laura? — Indaga Tia Cassandra no intuito de promover a discórdia. — Sabia que ele gostava de homem e mesmo assim ficou com ele?

— Eu soube quando estava gravida de Layanne, quando ele se envolveu com um cliente que negociava um imóvel com ele.

Vovô inspira fundo chamando atenção de todos, calmamente ele diz;

— Você sempre foi uma vergonha Afonso.

— Eu sempre fui uma vergonha para você. — Papai fala indignada. — Porque eu nunca te agradei como os meus irmãos, você queria me mandar para o exército contra a minha vontade quando descobriu que eu era gay.

— Eu não quero um filho bicha. Eu tenho nojo de viado. — Vovô Herculano cospe na cara do meu pai, depois limpa a boca. — A partir de hoje, você não é meu filho.

Devagar, meu avô caminha até a porta apoiado na bengala e vai embora deixando a porta aberta. Derick vai até a porta e fecha, pego um lenço e limpo o rosto do meu pai.

— Porque nunca nos falou sobre isso? — Questiona Layanne.

— Acho que não encontrava a hora certa.

— Pai! O senhor nunca deixaria de ser nosso pai. — Digo. — Você sempre nos apoiou.

— Sempre esteve do nosso lado. — Concluí Layanne.

— Se o senhor se sente feliz com o Igor, tudo bem. Mas ele só não pode comer o sorvete de ameixa inteiro.

Todos começamos a rir, exceto vovó Tieta, Cassandra e mamãe que sube as escadas em direção aos quartos.

Olhando para as escadas, papai diz:

— Eu sinto muito por tudo que fiz a ela.

— Eu não gostei de você ter traído a mamãe no passado. — Layanne se aproxima mais do papai. — Mas eu acho que a separação foi de fato, a melhor coisa para vocês dois. — Layanne abre os braços para um abraço e vira na direção de Igor. — Seja bem-vindo a família Igor. Nós já te amamos.

Igor e Layanne se abraçam fortemente.

— Isso é uma pouca vergonha! — Exclama vovó.

— É essa a educação que Laura dá aos filhos, mamãe. — Diz Cassandra. — Um marido gay, uma filha adolescente gravida e sem namorado. Um filho que mora com a mulher do outro lado do mundo, pensei que era a mulher que devia morar com a família do marido. Você não acha mamãe?

— Também pensei! Mas eu vou organizar tudo essa semana. — Vovó me olha seria. — E pode ter certeza que você é a primeira a entrar nos trilhos, Geovana.

— Você não vai fazer nada com ela. — Papai interrompe. — Eu não estou mais morando nessa casa, mas acho que o único lugar onde você deve cuidar, é da sua casa dona Tieta.

Minha avó não responde, apenas da meia volta e sobe as escadas e minha tia sobe junto com ela.

Puxa saco! 

...


Papai e Igor foram embora, Derick e eu estamos sentados nas escadas da minha casa, só nós dois.

— Eu não imaginei que a noite seria assim. — Digo. — Me desculpa.

— A culpa não é sua. A Sua família é muito arcaica, é muito brega e cheia de costumes idiotas.

— Eu não sabia que a minha tia e a minha avó estariam no jantar de hoje, elas apareceram de surpresa, parece que sentem cheiro de alguma coisa para fofocar.

— Acho que o pior nem foi elas, foi o seu avô. Que homem preconceituoso e asqueroso. — Derick inspira fundo e pega na minha mão. — Mas vamos esquecer o que aconteceu hoje. Até porque amanhã, a gente vai saber se vamos ter um menino ou uma menina.

Derick levanta e tira o celular do bolso, em seguida, coloca a música Blinding lights do The Weeknd, estende a mão em minha direção e pergunta;

— Vamos esquecer tudo?

Pego na mão dele e me levanto. Derick abraça minha cintura levemente, coloco os braços por cima dos ombros dele o abraçando e deitando a minha cabeça em seu ombro. Dançamos apenas em dois passos para trás e dois passos para frente, totalmente fora do tempo da música, mas aproveitando como se ela fosse lenta.

— "You don't even have to do too much
You can turn me on with just a touch, baby
" — Ao longo da música esse é o único trecho que Derick canta, ele canta baixinho no meu ouvido. Como se quisesse dizer alguma coisa, uma coisa que já desconfio.

Derick, Derick... Ao contrário de você, não tem mais o que possa fazer, não precisa mais me tocar para que eu te ame, mesmo que seja em silencio.

Quando começa o refrão da música, ele me solta, levanta as mãos para os lados estalando os dedos, eu levanto as mãos para cima e mecho a cabeça de um lado para o outro, fazendo o cabelo balançar. Agora estamos no ritmo da música, estamos conectados e "não há ninguém por perto para nos julgar".

"I said, ooh, I'm blinded by the lights
No, I can't sleep until I feel your touch
I said, ooh, I'm drowning in the night
Oh, when I'm like this, you're the one I trust" 

Tudo Começou Em Uma ViagemOnde histórias criam vida. Descubra agora