Meu pai, sempre foi um homem carinhoso e compreensivo. Diferente da minha mãe, que sempre foi uma mulher difícil de lidar com o casamento e as vezes, também com os filhos. Desde que meus pais decidiram se separar, pensei que eu era a grande culpada do fim de um casamento que durou mais de vinte anos, mas com o tempo percebi que o fim era necessário para ambas as partes, já que não tinham mais forças para seguir em frente, só restava falta de respeito e aparência para agradar os dois lados da família.
Falando em aparência, não sei se meu pai a vida toda foi gay e só se casou com a minha mãe, apenas para agradar o vovô Herculano.
O vovô Herculano, é ex-capitão do exército brasileiro aposentado. Meu pai sempre contou para mim e meus irmãos, o quanto a nossa avó Betânia sofreu com os maus tratos e as agressões que o vovô Herculano fazia com ela. Meu pai diz se recordar, de um dia em que ele e seus irmãos, José e Otaviano estavam jantando com a mãe, ou seja, a vovó Betânia, e o pai deles chegou em casa enfurecido, puxou-a pelo cabelo e bateu nela na frente dos filhos, deixando-a com um olho roxo e o nariz sangrando. Papai também diz se recordar, que mesmo machucada, a mãe dele levantou do chão e tentou acalmar ele e seus irmãos que estavam assustados.
Hoje a vovó Betânia não está mais entre nós, ela morreu há sete anos atrás em decorrência de um AVC e também, depois de sofrer por quase dez anos com mal de alzheimer. Meus tios José e Otávio, entraram para o exército para deixar meu avô orgulhoso, já meu pai decidiu concluir os estudos e ser corretor de imóveis, posteriormente, casando com a minha mãe depois de dois anos de namoro.
Agora, estamos no meio de uma revelação do meu pai, revelação essa, que ele nunca mencionou a mim e nem aos meus irmãos.
— Pai! Eu não quero mais agradar você. — Diz meu pai ao vovô Herculano. — Eu nunca me senti feliz de verdade como eu me sinto com o Igor.
— Então a minha filha foi uma piada para você. — Interrompe Vovó Tieta.
Papai se vira, olha para vovó Tieta e responde:
— Ela nunca foi uma piada para mim. — Ele olha para mamãe — Eu amei você no início Laura, mas chegou um momento que sabíamos que não existia mais nada, apenas um carinho.
— Você poderia ter se esforçado mais. — Minha mãe fala soluçando de tanto chorar. — Quem sabe esqueceria que gosta de homem e passaria a gostar de mim, sua esposa, sua mulher...
— Você sabia disso Laura? — Indaga Tia Cassandra no intuito de promover a discórdia. — Sabia que ele gostava de homem e mesmo assim ficou com ele?
— Eu soube quando estava gravida de Layanne, quando ele se envolveu com um cliente que negociava um imóvel com ele.
Vovô inspira fundo chamando atenção de todos, calmamente ele diz;
— Você sempre foi uma vergonha Afonso.
— Eu sempre fui uma vergonha para você. — Papai fala indignada. — Porque eu nunca te agradei como os meus irmãos, você queria me mandar para o exército contra a minha vontade quando descobriu que eu era gay.
— Eu não quero um filho bicha. Eu tenho nojo de viado. — Vovô Herculano cospe na cara do meu pai, depois limpa a boca. — A partir de hoje, você não é meu filho.
Devagar, meu avô caminha até a porta apoiado na bengala e vai embora deixando a porta aberta. Derick vai até a porta e fecha, pego um lenço e limpo o rosto do meu pai.
— Porque nunca nos falou sobre isso? — Questiona Layanne.
— Acho que não encontrava a hora certa.
— Pai! O senhor nunca deixaria de ser nosso pai. — Digo. — Você sempre nos apoiou.
— Sempre esteve do nosso lado. — Concluí Layanne.
— Se o senhor se sente feliz com o Igor, tudo bem. Mas ele só não pode comer o sorvete de ameixa inteiro.
Todos começamos a rir, exceto vovó Tieta, Cassandra e mamãe que sube as escadas em direção aos quartos.
Olhando para as escadas, papai diz:
— Eu sinto muito por tudo que fiz a ela.
— Eu não gostei de você ter traído a mamãe no passado. — Layanne se aproxima mais do papai. — Mas eu acho que a separação foi de fato, a melhor coisa para vocês dois. — Layanne abre os braços para um abraço e vira na direção de Igor. — Seja bem-vindo a família Igor. Nós já te amamos.
Igor e Layanne se abraçam fortemente.
— Isso é uma pouca vergonha! — Exclama vovó.
— É essa a educação que Laura dá aos filhos, mamãe. — Diz Cassandra. — Um marido gay, uma filha adolescente gravida e sem namorado. Um filho que mora com a mulher do outro lado do mundo, pensei que era a mulher que devia morar com a família do marido. Você não acha mamãe?
— Também pensei! Mas eu vou organizar tudo essa semana. — Vovó me olha seria. — E pode ter certeza que você é a primeira a entrar nos trilhos, Geovana.
— Você não vai fazer nada com ela. — Papai interrompe. — Eu não estou mais morando nessa casa, mas acho que o único lugar onde você deve cuidar, é da sua casa dona Tieta.
Minha avó não responde, apenas da meia volta e sobe as escadas e minha tia sobe junto com ela.
Puxa saco!
...
Papai e Igor foram embora, Derick e eu estamos sentados nas escadas da minha casa, só nós dois.
— Eu não imaginei que a noite seria assim. — Digo. — Me desculpa.
— A culpa não é sua. A Sua família é muito arcaica, é muito brega e cheia de costumes idiotas.
— Eu não sabia que a minha tia e a minha avó estariam no jantar de hoje, elas apareceram de surpresa, parece que sentem cheiro de alguma coisa para fofocar.
— Acho que o pior nem foi elas, foi o seu avô. Que homem preconceituoso e asqueroso. — Derick inspira fundo e pega na minha mão. — Mas vamos esquecer o que aconteceu hoje. Até porque amanhã, a gente vai saber se vamos ter um menino ou uma menina.
Derick levanta e tira o celular do bolso, em seguida, coloca a música Blinding lights do The Weeknd, estende a mão em minha direção e pergunta;
— Vamos esquecer tudo?
Pego na mão dele e me levanto. Derick abraça minha cintura levemente, coloco os braços por cima dos ombros dele o abraçando e deitando a minha cabeça em seu ombro. Dançamos apenas em dois passos para trás e dois passos para frente, totalmente fora do tempo da música, mas aproveitando como se ela fosse lenta.
— "You don't even have to do too much
You can turn me on with just a touch, baby" — Ao longo da música esse é o único trecho que Derick canta, ele canta baixinho no meu ouvido. Como se quisesse dizer alguma coisa, uma coisa que já desconfio.Derick, Derick... Ao contrário de você, não tem mais o que possa fazer, não precisa mais me tocar para que eu te ame, mesmo que seja em silencio.
Quando começa o refrão da música, ele me solta, levanta as mãos para os lados estalando os dedos, eu levanto as mãos para cima e mecho a cabeça de um lado para o outro, fazendo o cabelo balançar. Agora estamos no ritmo da música, estamos conectados e "não há ninguém por perto para nos julgar".
"I said, ooh, I'm blinded by the lights
No, I can't sleep until I feel your touch
I said, ooh, I'm drowning in the night
Oh, when I'm like this, you're the one I trust"
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Tudo Começou Em Uma Viagem
Fiksi RemajaGeovana é uma garota que engravida precocemente em uma viagem organizada pela escola e tem que enfrentar a conturbada família tradicional, os julgamentos e olhares dos colegas no colégio, sendo submetida a momentos constrangedores e estando sujeita...