eu posso ver

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Pov Morrigan

Não posso dizer que dormi, a noite foi turbulenta. Com minha audição Feérica eu podia ouvir o suficiente da tenda de Az para saber que ele também não dormiu.
Antes mesmo do sol nascer eu já estava de pé e vestida, e já corria para a tenda de meu amigo.
Quando cheguei e ajustei minha visão para a iluminação do local pude ver Az, deitado na cama, suando frio e com a cabeça virada para fora vomitando todo o conteúdo de seu estômago em uma latrina. Selene o amparava, uma mão em sua nuca para levanta - lo e a outra em seu peito para impedi - lo de cair.
Uma onda de fúria percorreu meu corpo, eu sabia, sabia que aquele não era o meu lugar, em 500 anos sempre fugi para as montanhas quando algum de meus amigos estava doente ou ferido, nunca soube lidar com a dor, nunca soube ofertar os cuidados de que eles precisavam. Mas eu também não queria vê - lá ali. Ver a facilidade com que ela conduzia tudo, como se estivesse acostumada a esse papel.
Somente quando Az parou, e Selene o deitou delicadamente novamente foi que notaram a minha presença.

Selene: Bom dia Morrigan, ou devo dizer boa madrugada?

Mor: dormir pelo visto é um luxo pra poucos. Como se sente, Az?

Azriel: como se estivesse me desfazendo de dentro pra fora.

Não sabia o que dizer diante de tais palavras.  Seria idiota dizer a ele para aguentar firme, isso foi tudo o que Az fez em sua existência. Seria ainda mais tosco dizer que acabaria rápido, sabíamos que não era verdade.

Selene: eu posso colocar você para dormir, como já fiz antes.

Azriel: não, obrigada. Não vou fugir disso.

Selene: Morrigan, preciso trocar os curativos, já que esta aqui, quer ajudar?

E lá estava, a necessidade básica de fugir. Não, eu não quero ajudar. Eu era uma pessoa terrível...não queria ajudar aquele que me salvou, mas isso era um instinto muito mais primitivo em mim. "Fuja, fuja da dor e sofrimento" ele parecia cantar em meu cérebro. Mas eu fiquei.
Caminhei até o lado oposto da cama em que Selene estava, Az me seguia com os olhos.
Ela me entregou, sem me olhar, um kit com ataduras e tudo o que eu imaginava ser necessário para fazer os curativos.
Selene embebeu um pano com um líquido que cheirava forte, que me fez querer espirrar. E começou a passa - lo pelas feridas no corpo de Az. Este fechou os olhos e estremeceu, era nítido que ele lutava para não gritar.
Eu estava tremendo.
Era ridículo, mas parecia mais difícil pra mim do que pra ele.
Isso fazia de mim um monstro?
Chamavam Amren e Selene de monstros, mas ela estava ali e não estava tremendo.
Az olhou para minhas mãos e percebeu, que algo se passava comigo.

Azriel: Mor, vá tomar café da manhã.

Eu lutei, lutei contra mim mesma e meus medos bobos, lutei para ser firme e ficar ali ao seu lado como ele certamente faria por mim. Mas não vencia a batalha, na verdade havia perdido todas as guerras.
Saí da tenda tremendo ainda mais do que tinha entrado.
Chorei feito criança do lado de fora.
Não ajudou a me sentir melhor.

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Pov Selene

Selene: você também notou é?

Azriel olhou em meus olhos, como se esperasse uma continuação.

Selene: parecia que quem estava testando os próprios limites de dor era ela.

Azriel: Mor nunca foi boa com esse tipo de situação. Eu não a culpo. Nunca culpei.

Selene: é claro que não. Mas você sabe, você sentiu. Eu posso ver. Posso ver dentro do seu coração enquanto te curo. Sua alma. 

Azriel não disse nada, apenas me olhava, no fundo de meus olhos. Era raro alguém sustentar tal tipo de olhar, normalmente só a minha família me encarava, e mesmo entre eles havia aqueles que evitavam. Mas esse macho a minha frente, já tinha visto e vivido infernos piores.

Healing (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora