“[...] Algumas coisas simplesmente são assim: elas doem quando escondidas e são capazes de destruir tudo ao redor quando descobertas.”
Diário de Amélia, 14/09/2019
Amélia
A sorveteria onde estávamos ficava na esquina de uma avenida principal e, com o tráfego de carros ligeiramente agitado daquela hora da tarde, Alison e eu levamos mais de dois minutos para conseguirmos atravessar a rua, o que acabou atrasando nossa busca atrás de Eloise. No entanto, felizmente isso não fez muita diferença: quando finalmente chegamos ao outro lado, minha mãe ainda estava bem ao alcance de nossos olhos, apesar de a vários metros de distância.
Ok, estamos seguindo a sua mãe desnaturada que sumiu da sua vida durante anos — Alison começou, enquanto andávamos. — Essa parte é simples, eu entendi. Mas, tipo, você não deveria estar chocada?
— Certo. Eu acho que esqueci de mencionar a parte em que ela reapareceu meses atrás, no dia do meu aniversário, com uma conversa nada convincente de quem estava arrependida por ter passado tanto tempo longe e de que queria se reaproximar de mim. — respirei fundo, também sem parar de caminhar nem por um segundo. — Resumindo: eu não acreditei em nada, ela insistiu, eu surtei e ela voltou a se afastar. Acho que ela mantém algum contato com os meus avós, mas não sei nada sobre o que ela realmente está fazendo aqui. E é isso que eu quero descobrir.
Alison assentiu, em silenciosa compreensão, e não pela primeira vez agradeci por tê-la ao meu lado. Qualquer outra pessoa no lugar dela estaria surtando e fazendo um monte de perguntas, mas não Alison; ela era controlada, perspicaz, objetiva e estava sempre pronta para ajudar no que fosse preciso.
— Obrigada por estar vindo comigo — eu disse. — De verdade, Alison. Eu ainda viria se estivesse sozinha, mas não estaria nem de longe tão confiante se não fosse por você.
— E você acha mesmo que eu te deixaria sozinha nessa? — ela indagou, com um meio sorriso. — Se vai sair em uma perseguição pela sua mãe que, perdão pela piada, parece ser uma fanática por pique-esconde e jogos de policial, eu tenho que estar por perto para apurar toda a situação. E, acredite em mim, isso nem é por causa da fofoca. É só porque você é a minha melhor amiga.
Eu sorri de volta, ficando emocional por um momento.
— Você também é a minha melhor amiga.
Ela riu, me cutucando com o cotovelo.
— Pfft, como se eu não soubesse — disse, seu sorriso desaparecendo logo em seguida. — Hmm… Amélia, a sua mãe está doente ou algo do tipo?
Franzi a testa.
— Não que eu saiba. Ela parecia muito bem da última vez que eu a vi. Por quê?
Alison indicou com o queixo um enorme edifício mais adiante, no exato segundo que Eloise passava pelas enormes portas de vidro de entrada.
Mas não era um edifício qualquer.
— Porque ela acabou de entrar em um centro de tratamento em câncer.
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Relatos de uma garota que não liga pra você
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