CAPÍTULO 1

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"Querido diário,

Hoje é um daqueles dias em que tudo o que se sente vontade de fazer é ver a vida passar lentamente diante de seus olhos e absolutamente mais nada. As pessoas correm e conversam entre si pelos corredores do colégio e dão risada como se tivessem ouvido algo realmente engraçado. Só consigo achar estranha a sensação.

De ver os outros felizes e não conseguir imaginar o por quê."

Diário de Amélia, 15/09/2019.


Amélia





Há três coisas na vida que eu penso serem indispensáveis: livros, canetas e diários. A pequena parte de mim que se permite sentir prazer ou ousar sorrir sempre foi alimentada por um desses três itens. Leio, desenho e escrevo. Aprendo, expresso e registro.

É meu meio favorito de comunicação.

A maioria das pessoas prefere simplesmente usar a boca e falar o tempo inteiro e sem parar, na mais frívola esperança de encontrar alguém que os olhe com admiração e diga: "você acabou de tirar as palavras da minha boca."

Fico me perguntando como elas podem ter tanta certeza de que o alguém em questão realmente concorda com o que foi dito e não está só tentando desesperadamente se encaixar de alguma forma para não acabar completamente solitário como aquele tipo triste que não possui nenhum amigo.

Aquele tipo Amélia Ruschel. Aquele tipo eu.

O sinal soa um alerta que indica o início do primeiro horário e eu suspiro, fechando o diário de capa azul-cerúleo em minhas mãos e passando o pequeno cadeado prateado de metal por entre o encaixe na lateral que une as duas partes da capa. Ao ouvir seu clique suave, me sinto pronta para iniciar o dia.

Há um fato de que todos que tem a mais vaga noção de quem eu sou (que, acredite, são pouquíssimos) sabem sobre mim: sou uma escritora compulsiva de diários. Aprendi a ler e a escrever com sete anos de idade e foi aí que ganhei o meu primeiro. Hoje, tenho dezesseis anos. E nove diários guardados em uma pequena gaveta no meu quarto.

Não há muito segredo no porquê eu gosto de escrever; está na verdade ligado unicamente ao fato de que não gosto de falar. Não abro a boca a não ser que seja estritamente necessário. Estudo na mesma escola desde sempre e tenho certeza de que tem gente por aí que acha que sou muda.

O por um lado é até bom, porque isso significa que tenho menos chances de ser incomodada. As pessoas aqui não são muito adeptas a fazer amizades com deficientes de nenhum tipo.

O que é mais um motivo para eu não morrer de vontade de tentar manter uma conversa agradável com qualquer ser humano que passe pelas mesmas paredes e corredores dessa escola.

Paro de caminhar em direção à sala de aula por um momento, sentindo aquela sensação esquisita de estar sendo observada. Olho por cima do ombro, mas não há ninguém atrás de mim, exceto um garoto alto de cabelo escuro há uns dez metros de distância caminhando na direção oposta.

Sacudo a cabeça. Talvez o meu silêncio esteja me deixando louca de vez.

Relatos de uma garota que não liga pra você Onde histórias criam vida. Descubra agora