CAPÍTULO 52

2.1K 302 608
                                    

"Sempre me senti perdida. Deslocada em meio a multidão e fora do lugar em cada cenário onde me encontrava. As pessoas ao meu redor pareciam estar tão certas; certas sobre tudo: sobre o que fariam, quem eram e o lugar que ocupavam no mundo. Escrever sobre o que vejo faz com que de alguma forma eu me sinta menos sozinha. Como se estivesse compartilhando meus medos e anseios com alguém que os entendia de verdade. Alguém que não julgava. E a verdade era que, mesmo que eu nunca admitisse em voz alta, secretamente tinha esperanças de que um dia eu talvez pudesse ter um amigo, uma pessoa de carne e osso, que também fosse assim."

Diário de Amélia, 28/05/2018


Amélia

Era sexta-feira à tarde, o dia em que os meninos voltariam para casa. Alison e eu estávamos no aeroporto, próximas da sala de desembarque, atentas ao movimento de todas as pessoas que deixavam o avião, à procura dos rostos familiares que esperávamos encontrar.

Enquanto escrutinava a multidão, pensei no quão engraçado era o fato de que eu viera mais vezes ao aeroporto em um único mês do que em todos os meus dezessete anos de vida. Pelas fotografias que haviam nos álbuns antigos de vovô e vovó, ficava óbvio e claro para qualquer um que tivesse olhos que os dois já tinham viajado muito ao longo dos anos. Naquelas fotos, era possível encontrar cenários que eram dignos de filme, paisagens de cidades grandes e do interior, países árticos e tropicais e uma infinidade de lugares lindos que qualquer espírito aventureiro daria tudo para visitar. Lembrar disso fazia com que eu me sentisse um tanto melancólica; meus avós haviam aberto mão de levar uma vida divertida e agitada como aquela por causa de mim e dos meus traumas.

Mas desde a conversa que eu tivera com Alina sobre Cambridge e o convite que me havia sido feito para fazer parte de um dos melhores cursos de escrita criativa do mundo, nada me tirava da cabeça que talvez aquela fosse a minha chance: a oportunidade real de um recomeço. Em um país novo, cercada de pessoas que não me conheciam e que nem apontariam o dedo na minha direção com suposições sobre o porquê de uma pária que mal abrira a boca em todos os anos que passara na escola de repente ter se tornado a namorada do rei do colégio. Pessoas que tinham vidas muito diferentes da minha, mas que assim como eu também estavam em busca de novos começos e da realização de seus sonhos. Pessoas que tinham um propósito em comum: escrever.

E olhar tudo através daquela perspectiva era animador, empolgante e fazia meu coração acelerar. Mas ao mesmo tempo, ainda existiam tantas coisas que faziam com que eu hesitasse: a situação frágil de vovô, a realidade assustadora de que eu estaria me mudando para um lugar tão longe de todas as pessoas que eu amava e o fato de que eu teria que me despedir de Sebastian. Porque o lugar dele agora era em Nova York, com toda a agitação, contatos importantes e gravadoras famosas. Havíamos conversado semanas antes sobre a possibilidade de morarmos juntos no próximo ano, mas nenhum de nós estava preparado para o que o futuro traria; nossos planos foram desfeitos antes mesmo de se concretizarem.

— Veja, Amélia — Alison tocou meu braço, indicando um ponto mais a frente com o queixo. — Eles estão bem ali.

Seguindo seu olhar, é muito fácil identificar os meninos entre as outras pessoas na área de desembarque: o que vem na frente é Loren, usando óculos escuros e um apoiador de pescoço (agora estava explicado o que Alison quisera dizer sobre ele sempre pegar no sono em viagens); bem do seu lado direito, posso avistar Zaden carregando um estojo de guitarra que está tinindo de tão novo (ele não levou um desses na ida, o que significa que essa é a sua mais nova aquisição de Nova York); Charles vem logo depois, completamente composto em seu casaco de caxemira, nem um pouco parecido com alguém que acabou de passar horas em um avião; e por fim, mais atrás de todos eles, eu vejo Sebastian.

Relatos de uma garota que não liga pra você Onde histórias criam vida. Descubra agora