CAPÍTULO 24

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“Querido Diário,
Li doze livros essa semana e vovó está reclamando pelos cotovelos, dizendo que se eu continuar no meu mundo de faz de conta particular por mais algum tempo, vou acabar perdida para sempre. Ela diz que viver com o nariz enfiado em livros não vai me ajudar a melhorar minha comunicação com as pessoas, mas não me importo. Vovô e eu temos nosso próprio clube da leitura e, ao menos com ele, eu não poderia estar mais tagarela. É bom me sentir feliz e segura. E com meus avós e os livros, eu tenho isso.”

Diário de Amélia, 17/04/2016

Amélia



Enquanto arrumo a gravata em volta do pescoço pela terceira vez, tento não encarar as olheiras discretas que já se alojaram debaixo dos meus olhos depois de apenas uma noite mal dormida. Suspiro, desistindo de buscar a perfeição quando o nó da gravata sai torto novamente. Nos dias comuns, essa parte do meu uniforme estaria pronta em um piscar de olhos, mas hoje, no entanto, estou com a concentração mental de uma uva passa.

Ontem, embalada pela voz de Sebastian e ouvindo as detalhadas narrações que ele fez a respeito de momentos da minha vida sobre os quais eu não fazia a menor ideia de que alguém estava prestando atenção, foi quase fácil demais me deixar levar pelo sono. De alguma maneira, apesar de eu reconhecer aqueles momentos como sendo coisas que eu vivi, no fundo não consegui deixar de pensar que a história não era sobre mim, o que com certeza se devia ao modo como Sebastian falava: com tanta certeza de tudo e de um jeito tão… apaixonado, fizera com que eu até mesmo criasse os personagens em minha cabeça.

Porque não havia – e nem poderia haver, – a menor e mais ínfima possibilidade de tudo aquilo ser para mim.

Só que era. E ao que parecia, assim que o meu cérebro descansou o suficiente para processar a notícia (o suficiente acabou sendo determinado em uma hora e meia de sono), não consegui pregar o olho. Eram sete e cinco da manhã e eu estava de pé em um corpo que havia dormido menos de duas horas de sono.

Amarrando meu cabelo com um elástico em um rabo de cavalo frouxo e ajeitando a franja com a ponta dos dedos, tento não pensar que mais cedo ou mais tarde Sebastian vai aparecer na minha porta e então iremos ter a conversa que ele disse que teríamos. A tentativa é só isso; uma tentativa. Por que, afinal, quem eu estou querendo enganar? Passei a noite toda em claro pensando nisso. O que será que ele vai me dizer? Que foi tudo uma piada? Que eu entendi errado? Que tudo não passou de uma alucinação e nada do que eu pensei ter acontecido realmente aconteceu?

Expirei o ar profundamente, na intenção de me acalmar. Funcionou. Ou ao menos teria funcionado, caso vovó não tivesse escolhido esse exato momento para entrar de surpresa cantando no meu quarto:

Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida! — cantarolou ela, segurando um prato com um cupcake minúsculo de chocolate e cobertura de chantilly posicionado bem no centro, uma pequena vela acesa no topo.

Sorri, esquecendo por um segundo de toda a confusão interna que parecia aumentar a cada segundo na minha mente.

— Uau, vovó. Não precisava ter feito isso — digo, indo até ela, avistando vovô com um sorriso satisfeito logo atrás.

— Ah, querida, por favor! Assopre a vela e faça logo um pedido! — ralhou, inclinando o cupcake na minha direção.

Deus, por favor me ajude a não surtar, pedi, assoprando a vela silenciosamente e logo em seguida tirando o bolinho do prato que vovó segurava.

— Feliz aniversário, minha princesa linda! — ela deu um gritinho, me abraçando com força. — Não acredito que você cresceu tão rápido! Parece que foi ontem que você era… que você era só um…

Relatos de uma garota que não liga pra você Onde histórias criam vida. Descubra agora