CAPÍTULO 50

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“Querido Diário,
Levou um tempo, mas percebi que tudo passa. Tudo. Absolutamente nada é permanente. Nem mesmo as nossas memórias: os anos se vão e elas se tornam cada vez mais enevoadas e detalhes que antes pensamos serem tão importantes são aos poucos deixados para trás, juntando poeira com antigos álbuns de fotos. Risos se vão, amizades se distanciam, paixões acabam e a dor… ela desaparece.”

Diário de Amélia, 12/08/2019

Amélia




Vovô tinha morrido.

A cor era inexistente. Eu estava sozinha, sufocando em minhas próprias lágrimas enquanto todo mundo ao meu redor exibia expressões de luto e tristeza. Parecia que o meu coração havia sido arrancado do peito, tamanha era a dor que eu sentia me consumir aos poucos. Vovó chorava abraçada à Eloise e, pela primeira vez desde que minha mãe voltara, agradeci pela presença dela; eu não tinha forças nem para levantar do meu lugar ao lado do caixão.

Como uma coisa dessas podia ter acontecido? Como? Por quê? Por que com o meu avô? Por que com a gente? Qual era o motivo para tamanha crueldade do mundo em arrancar o ar da vida de uma pessoa sem dar àqueles que a amavam nem mesmo alguns minutos para se despedir?

Fechei os olhos, um soluço escapando da minha garganta. Era aquilo que me matava. Eu não tinha chegado a tempo. Simplesmente não tinha. Vovô havia dado seu último suspiro em uma mesa de cirurgia, cercado por estranhos que nem mesmo o conheciam. “Sinto muito. Ele não resistiu", disseram. Para eles, só mais um dia ruim. Para mim, uma perda tão profunda que fora capaz de penetrar em minha pele e ecoar em pequenas rachaduras pelos meus ossos.

Nunca a morte havia me parecido tão real, sussurrando palavras de adeus em meu ouvido e zombando do meu lamento com dolorosa doçura. Eu o alcancei antes de você, garota. Eu estava lá quando ele deu o último suspiro.

Eu chegara atrasada. Não pude segurar a mão dele uma última vez ou dizer o quanto eu era grata. Agradecê-lo por ter sido o melhor pai que qualquer criança poderia ter tido. Por ter sido o maior exemplo de amor que eu tive na vida. Por ter cuidado de mim e me acolhido mesmo quando eu não sabia que merecia aquelas coisas. Por ter lido para mim até que eu caísse no sono quando acordava durante a noite em mais uma das minhas crises de pânico. Obrigada, vovô, eu queria ter tido a chance de dizer. Obrigada pelos sorrisos, pelos apelidos carinhosos, pelas canecas cheias de biscoito e por me ensinar a tocar piano. Mais do que tudo isso, obrigada por ter sido lar em meio a solidão, abrigo durante a tormenta e luz nos dias escuros.

Sempre achei que o tempo fosse capaz de curar tudo. Agora, porém, cada segundo, minuto e hora pareciam carcereiros implacáveis de uma cela de dor eterna.

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