"Todo mundo fica sobrecarregado de vez em quando. Apesar disso, a maioria de nós finge que está tudo bem; continua empurrando toda a situação difícil pela qual está passando com a barriga e torcendo para não desmoronar no meio do caminho. Na maior parte das vezes, não conseguimos manter o ritmo, mas qualquer coisa parece melhor do que desistir."
Diário de Amélia, 14/06/2020
Amélia
— Você deveria ir para casa, Amélia. Já perdeu um dia de aula ficando aqui no hospital, o que foi absolutamente desnecessário — vovó disse, enquanto erguia uma colher de sopa de cenoura até a boca de vovô, que fez uma leve careta de descontentamento.
— Elody, eu posso comer sozinho, querida. — ele sorriu, ao passo que ela manteve a colher na altura dos lábios dele, ignorando-o sem a menor cerimônia. Sabendo que aquela era uma luta perdida, vovô simplesmente abriu a boca, engolindo a comida. — Obrigado, meu anjo.
Ela o encarou com uma complacência silenciosa que não durou nem três segundos antes de explodir de vez em um desabafo frustrado que eu sabia que ela estava segurando há tempos:
— Ah, cale-se, Gerald! Nem toda a adulação do mundo vai me fazer esquecer o tremendo teatro que você montou para esconder a sua doença de mim e da sua neta — vovó falou, a expressão séria em seu rosto não fazendo muito para esconder a mágoa em sua voz. — E pensar no quão cega eu fui! Quantas vezes notei o cansaço em você e acreditei quando me disse que não era nada? Doce iludida que era de achar que o meu marido me diria se estivesse com câncer. Imagine a cena: enquanto eu ia à festas e me divertia, você passava horas e horas no hospital fazendo mil baterias de exames e sessões de quimioterapia em segredo. Por Deus, no que você estava pensando?
Vovô baixou o olhar.
— Eu sei que o que fiz foi errado, Melody. Minha intenção não era excluir você ou a Ames — ele me olhou, com um sorriso de quem pede desculpas. — Mas eu realmente achei que dava conta. A doença não estava em estágio avançado, então eu pensei… pensei que preocupar vocês com isso seria muito egoísmo da minha parte. Logo quando Amélia havia finalmente começado a interagir com as pessoas e a se aventurar por aí como sempre deveria ter feito? Eu não queria tirar isso dela. Não poderia.
— Vovô, o senhor é muito mais importante do que tudo isso. — eu disse, tocando a mão dele. — Não há festas ou diversão para mim se o senhor não estiver bem.
— Sei que talvez você desse conta disso tudo sozinho. Você é forte. Eu sei disso. — vovó falou, respirando fundo. — Mas você não precisava, Gerald. Você tem a nós. Somos a sua família. Eu sou a sua esposa. Sabe como eu me sentiria se eu te perdesse? Se de repente eu acordasse e você tivesse morrido e eu descobrisse que não fiz nada para impedir? Você simplesmente… — ela desatou a chorar.
— Não chore, querida. — vovô suplicou, estendendo os braços na direção dela, que imediatamente foi abraçá-lo. — Não chore, eu vou ficar bem. Me desculpe por não contar antes, Melody. Me desculpem vocês duas.
Eu assenti, sem dizer nada, piscando para afastar as minhas próprias lágrimas. O momento para perder o controle havia sido ontem. Hoje, eu já não podia me dar a esse luxo.
Porque a realidade era que meu avô estava doente, vovó precisava de mais apoio do que nunca e a minha mãe era uma pessoa na qual ninguém podia confiar – sendo assim, era meu dever assumir a liderança. Eu não podia desmoronar: tinha que me manter firme e agir como uma força tranquilizadora para aqueles que precisavam de mim. Esse era o único jeito de conseguir superar toda a situação pela qual estávamos passando sem chegar ao fundo do poço.
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Relatos de uma garota que não liga pra você
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