CAPÍTULO 13

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"Querido diário. Pedi para que meus avós me deixassem ter aulas em casa. Quando eles me perguntaram o motivo de eu querer deixar a escola tão de repente, mudei de ideia e disse que não era nada. A verdade por trás daquilo era que eu tinha ouvido duas garotas falando coisas ruins sobre mim no banheiro. A razão de eu não ter contado isso para os meus avós foi simplesmente por não conseguir repetir."

Diário de Amélia, 29/04/2014

Amélia


— Você é aquela garota, não é? — ela perguntou, mesmo já sabendo quem eu era. — A esquisita que estava no pub no sábado? A idiota com o diário?

Dei um passo para trás, sem saber ao certo o que deveria responder. Eu conhecia Astrid Lakshmi. Ela chegara no St. Davencrown dois anos depois que eu e levara como ofensa pessoal quando preferi não responder a pergunta que ela fez para mim na primeira vez que me dirigira a palavra:

"Por que você não fala? Tem algum problema mental?"

Naquela época, eu estava passando por um momento difícil em que só me sentia à vontade conversando com os meus avós. Até para me comunicar com os professores eu enfrentava problemas. Não era que eu tivesse alguma limitação na fala – eu podia falar tão bem quanto as outras crianças da minha turma.

O que eu tinha era medo.

Não foi sempre que vivi com vovô e vovó. Morei com os meus pais desde o momento em que saí da maternidade até pouco antes de completar seis anos de idade, quando mamãe nos abandonou. Não lembro de muita coisa, apenas de que eles gritavam e quebravam coisas quase todos os dias. Pelo que sei hoje, meu pai agredia a minha mãe.

Do mesmo jeito que ele começou a me agredir quando ela foi embora.

Meus avós não sabiam de nada. Eles me disseram que no início mamãe me levava para visitá-los, mas nunca os deixava ir ver aonde vivíamos. Certo dia, desconfiada, vovó mandou um detetive seguir os passos da filha dela e ele descobriu que morávamos num bairro conhecido por possuir altas taxas de violência e tráfico de drogas.

Mas ao que parecia, papai tinha descoberto sobre o detetive e nós nos mudamos. Foi assim durante algum tempo. Até que em uma dessas mudanças, mamãe fugiu.

Meu pai, que já não era um modelo de cidadão, se transformou em um alcóolatra. Contudo, não tinha muitos vícios: não sei se ele era viciado em outra coisa além de beber e de bater nas pessoas.

Assim, vivi até os sete anos dessa forma. Muitas vezes passando fome e ainda mais vezes passando frio. Isso não era nada, se contasse com quando eu era espancada. Era uma criança lutando com tudo o que tinha para se equilibrar na corda bamba que era depender do meu pai.

Acima de tudo, eu não podia falar. Chorar era estritamente proibido. Pedir por alguma coisa era algo que só crianças ricas faziam, então eu não tinha esse direito. Se caso eu quebrasse qualquer uma dessas regras, meu pai berrava comigo por horas para que eu calasse a boca. Ele literalmente surtava e se tornava alguém ainda pior do que era de costume. Não esqueço de um dia em que cheguei a fazer xixi nas calças de medo.

Como castigo, ele me batera com uma garrafa de cerveja. O vidro quebrara enquanto estava se chocando contra minha pele e vários cacos se cravaram no meu braço. Havia marcas do meu ombro até metade do meu braço.

Relatos de uma garota que não liga pra você Onde histórias criam vida. Descubra agora