Capítulo 02

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Lá estava ela, a minha mãe, a mulher da minha vida sendo embalada em um saco preto.

Me soltei dos braços de Jorge e corri até ela. Me joguei ao lado do corpo da minha mãe. Minhas vistas embaçaram e meu coração saltou algumas batidas. Não podia ser, não, não mesmo. Ela é o meu mundo, o meu abrigo, o meu porto seguro. Pessoas como ela não morrem, pelo menos não desse jeito.

-O que... O que aconteceu? - consegui murmurar em meio aos soluços - O que houve?

-Moça, você precisa se afastar! - disse um paramédico.

-O que aconteceu?! - gritei com uma voz carregada de dor e arrogância.

-Aparentemente, ela escorregou no banheiro e bateu a cabeça. Ao menos foi o que o marido dela nos contou; quando chegamos aqui, já era tarde. Sinto muito...

David... Cadê ele? Com todo o resto de força que eu tinha, me levantei dali e olhei ao redor, tentando encontrá-lo. Ele estava conversando com um policial, aos prantos. A nossa vizinha mais antiga e próxima, senhora Stella, estava ao seu lado, aparentemente lhe dando apoio emocional. Caminhei até ela, esbarrando em algumas pessoas, pelas costas turvas causadas pelas lágrimas que brotavam como uma nascente.

-Sen... senhora Ste... - não consegui nem terminar a frase, simplesmente me derramei em seus braços e deixei toda a dor daquele momento me atingir. E doía tanto, era uma angústia no fundo do meu ser, poderia dizer que era uma dor até mesmo física.

-Oh, querida, eu estou aqui. - disse ela, enquanto corria os dedos pelos meus cabelos castanhos.

-Se acalme Alina! - disse David.

-Me acalmar?! Você realmente quer que eu me acalme? - esbravejei - Não me peça calma em uma situação como essa? Você deveria ter cuidado dela! Você não vivia esfregando na minha cara que era o "marido" dela? Até onde eu sei maridos cuidam de suas esposas!

-Alina me escute, eu não...- antes que ele conseguisse terminar a frase, seu rosto já sentiu minha mão chegando com violência.

-Alina Beyond! - gritou a Stella.

Eu não podia mais ficar aqui, eu iria enlouquecer. Não importava a direção na qual eu olhasse, eu só via pessoas e mais pessoas. Me senti sufocada, me senti fraca, tonta, senti as minhas pernas fraquejando, senti... até a única coisa que senti foi o meu corpo desabando contra o chão.

Abri meus olhos, piscando algumas vezes até ajustar minha visão. Eu estava em um quarto de hospital, branco demais para o meu gosto. Olhei ao redor e vi Lana e David sentados em poltronas, dormindo em posições aparentemente, bem desconfortáveis. Olhei para meu braço esquerdo e tinha uma agulha injetando soro em minha veia. Não entendo pra que isso tudo, eu apenas desmaiei. Desmaiei porque.... Ah, é mesmo, minha mãe morreu. Esse fato invade meus pensamentos com tudo. A dor toma conta de mim novamente. As lágrimas surgem, eu não tento detê-las. Me deixo levar pela dor.

Quando as lágrimas cessam, sinto os meus olhos com uma leve ardência.

-Uhmm. - ouço Lana despertar. - Alina! David, acorda. - ela diz enquanto balança seu braço para desperta-lo.

-Alina! Finalmente você acordou! - ele diz com animação, animação até demais.

-Estou aqui a quanto tempo?

-Apenas algumas horas. - diz Lana. - Ficamos tão preocupados, Stella pediu para te entregar isso quando acordasse.

Ela me entrega uma sacola com uma garrafa de suco de laranja, e uma embalagem de biscoitos amenteigados.

-Ah, ela é um doce, não?

-Sim, ela é. Lana, querida, poderia nos deixar a sós por um momento?- diz David.

Lana se dirige até mim, e deposita um beijo casto em minha testa.

-Estarei lá fora -diz ela com um sorriso de canto de boca.

-Ok.

-Alina -David inicia a conversa- Sei que você ainda está muito abalada com a... Com tudo o que aconteceu, mas precisamos conversar.

Me ajeito, sentando na cama, ficando de frete para ele.

-Pode falar -digo, neutra.

-Seu pai está desaparecido a anos não é?

-Sim, não vejo ele a mais de 10 anos.

Isso deveria me deixar triste? Acho que sim, mas eu não me sinto afetada. Ele fez a escolha dele, escolheu me abandonar. Eu poderia fazer como uma adolescente normal, e me culpar eternamente pela falta de caráter e senso do meu pai, mas eu não me culpo. Eu tinha apenas 7 anos, eu não chutei a bunda dele pra fora de casa, eu era bem fácil de lidar. Ele vazou porque quis, problema dele.

-Então, seu pai está desaparecido, e vamos encarar os fatos -ele suspira- sua mãe morreu.

Eu sabia que ela estava morta, mas ouvir isso assim, tão sólido, realmente machucava. Mas ele estava certo, eu não podia fingir ela apenas tinha batido a cabeça e decidiu tirar uma soneca. Ela morreu, já era.

-Sendo assim -ele continua- você só tem a mim. Eu sei que nossa relação nunca foi das melhores. Mas a sua guarda é minha agora.

-Ai que merda... -falo em alto e bom som.

Eu acho que me esqueci desse detalhe, eu não tenho mais nenhum adulto responsável além dele. Ele pega um envelope de papel pardo em cima de uma mesinha de canto, e me entrega. Abro-o, e lá está, o documento que confirma que aquele ser humano é responsável por mim.

-Ah, mas nem ferrando - me levanto.

Não tão doce liberdade Onde histórias criam vida. Descubra agora