Capítulo 03

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-Você não tem outra escolha Alina.

Ah, mas eu consigo pensar em muitas outras escolhas; fugir, matar ele, fugir, morar com a senhora Stella, fugir... Já mencionei fugir? Sinceramente, a minha mãe está morta, vou passar a morar com a pessoa que eu mais detesto, minha cabeça dói e por que essa agulha ainda está injetada em mim?

-Como você mesmo disse, eu não tenho outra escolha...

Algumas horas mais tarde já estou em casa. Passo direto pela cozinha e subo as escadas até meu quarto. Tranco a porta assim que entro, olho o relógio e já são oito horas da noite, pelo visto o tempo passa mais rápido quando se está desmaiada. Por um momento, penso em descer até a sala, e dar boa noite para minha mãe, mas rapidamente me lembro que ela não estará lá, não estará em lugar algum... Esse pensamento me leva as lágrimas novamente, a ferida ainda é recente, ainda dói. Decido ir tomar uma ducha e trocar de roupa, pois não acho que seja muito higiênico deitar na minha cama com as mesmas roupas que passaram por um lugar repleto de doenças como um hospital.

Após me trocar, me olho no espelho. Meus olhos estão inchados e meu rosto tem um semblante cansado. Eu estou destruída. Em todos os sentidos, tanto fisicamente quanto mentalmente, ouço minha cama clamar por mim. Me deito e não espero o sono vir, pois não acho que conseguirei dormir esta noite.

Já são três horas da manhã. Não dormi, mas também não me levantei da cama, apenas olho para o teto.

Cinco horas da manhã. Finalmente decido checar a caixa de mensagens do meu celular. 56 mensagens, algumas citações no Twitter e algumas outras postagens no Instagram, nunca tive tantas notificações. Não finjo que todas essas pessoas se importavam comigo antes, boa parte delas nem me conhece. Mas é assim que funciona a internet, pessoas usando máscaras para esconder o quão podre são na realidade, a gente se acostuma. Respondo algumas mensagens, outras nem visualizo.

Seis e meia da manhã. Eu deveria estar me levantando para ir à escola. Deveria. Mas não vou. Alguém bate a porta.

-Alina! -é David- Irá a escola hoje?

-Não! -grito, para que ele consiga ouvir.

Ouço seus passos, descendo as escadas. Me levanto, tomo uma e ducha e escovo meus dentes. Passo um pouco de maquiagem, para tentar esconder a noite mal, ou nada dormida; uma tentativa sem triunfo. Visto uma calça jeans, um cropped branco e um cardigan cinza; calço um tênis branco e desço para a cozinha, na esperança de o café já estar pronto. Porém, quando chego, David não está na cozinha, e a comida também não. Isso nunca vai dar certo, quando mamãe ainda estava aqui... Ele preparava o café todos os dias, e ainda dizia que era por amor, pelo visto era pelo amor dela não? Mas eu sou capaz de fazer meu próprio café da manhã.

Preparo quatro torradas, ovos mexidos, algumas frutas picadas e um copo de suco de maracujá. Talvez o luto nos deixe famintos. Assim que termino, lavo as louças e arrumo a cozinha. De repente, encontro um bilhete na geladeira dizendo: "Alina, o enterro será hoje as 16:00, esteja no cemitério, não estrague tudo". Será que ele consegue dizer isso de uma forma ainda menos sensível? Por que ele não me contou isso pessoalmente? Eu tenho que sair dessa casa.

Vou até meu quarto e pego meu celular e as chaves do meu HB20. Assim que abro a porta de casa, penso, que essa é a primeira vez que saio daqui sem ganhar um beijo de minha mãe. Seguro as lágrimas, mas uma ainda consegue cair. Uau, isso é um recorde, apenas uma lágrima. Eu consigo passar por isso e sobreviver.

Ando até o carro, e todos os vizinhos me olham com um ar de pena. Isso não me incomoda, até eu estou com pena de mim mesma. Mãe morta e morando com alguém como David, o ápice do fundo do poço. Entro no carro, passo o cinto de segurança, e giro a chave. Assim que estou na estrada, observo, o dia está lindo, lindo demais para ser o dia do enterro de alguém. Essa é a prova de que o mundo não para, uma pessoa morre, e tudo permanece igual. Me serve como uma tapa na cara, me dizendo para superar e seguir a minha vida. Eu tenho que parar de pensar nela em cada uma das minhas ações, eu tenho que deixar ela ir... De repente, o carro bate. Eu realmente tenho que parar de ficar pensando nela.

-Ai meu Deus, aí meu Deus, aí meu Deus! -digo, levando as mãos a cabeça.

Destravo o cinto de segurança e desço, correndo do carro, indo de encontro a um homem furioso.

-Caramba! Me desculpa!

Ele finalmente se vira, e para minha surpresa, é um garoto pouco mais velho do que eu; um garoto muito lindo por sinal.

-Presta atenção garota! Você não deveria estar na escola?

-Você não é muito mais velho do que eu, também deveria estar estudando! E não que eu te deva satisfação, mas minha mãe morreu ontem, acho que tenho o direito de faltar ao menos um dia..

-Ah, sinto muito, eu não fazia ideia. Então você é Alina?

-Tudo bem, mas sim, sou eu, Alina Beyond; como sabe meu nome? -pergunto, intrigada.

-Bom, por aqui a fofoca corre. Desde que eu cheguei, não falam de outra coisa, além da morte de uma mulher chamada Rosalind, e de como sua filha, Alina Beyond, desmaiou no meio de toda a confusão. - ele diz, enrijecendo o maxilar definido, demonstrando desconforto.

-Ei, relaxa. Mas então é por isso que você não está na escola agora, você é novo por aqui...

-Isso, vim de Washington.

-Você só pode ser louco, para trocar Washington por um fim de mundo como Corning. - digo, com sinceridade

-E você só pode ser maluca, para falar desse jeito, com um completo estranho, estranho o qual você acabou de bater o carro. - ele diz, apontando para o acidente que causei.

Por um momento eu me esqueci dos carros. Merda.

-Ai, é verdade, me desculpe pelo carro! Vamos fazer o seguinte, você leva ele a uma oficina e faz o orçamento do conserto. Então me manda uma mensagem, me passando o valor, para que eu possa pagar.

Estendo a minha mão, como se estivéssemos fechando um acordo.

-O que me diz? -pergunto.

Ele apenas olha para a minha mão estendida, olha nos meus olhos, e olha para a minha mão novamente, talvez com um leve desdém, não consigo identificar.

-Foi um prazer conhecê-la, Beyond. Ele diz enquanto se vira para entrar no carro.

Meus olhos se reviram, mas ainda digo:

-Você não me falou o seu nome!

Ele se vira, e diz:

-Você vai descobrir, relaxa. -ele diz com um sorriso de canto de boca, pura modéstia.

Ele finalmente entra no carro, ajusta o retrovisor, e vai embora. E eu ainda estou parada, próxima a calçada, me perguntado o que acabou de acontecer. Quem era aquele cara? E por que tanta arrogância? Ou ele apenas estava estressado com o acidente? Eu não tenho noção. Mas alguma coisa me diz que ainda o verei muitas vezes. Dou uma olhada para o meu carro, mal amassou, mas a pintura foi por água abaixo. Entro e bato a porta com um leve excesso de força. Xingo, mentalmente por isso. Continuo dirigindo pela cidade.

Não tão doce liberdade Onde histórias criam vida. Descubra agora