"Não temas, ó bichinho de Jacó, povozinho de Israel; eu te ajudo, diz o Senhor, e o teu Redentor é o Santo de Israel" (Isaías 41:14)
Quando saíram da caverna já era noite. A paisagem, contudo, não refletia o horror de tudo que acontecia — estava tudo calmo e silencioso. Eles atravessaram a praia e entraram na floresta, rumo aos abrigos para onde deveriam ter ido inicialmente, no extremo leste da ilha. Ela ia carregando ainda a pistola, seguindo-o a dois metros de distância, tentando manter-se atenta a qualquer barulho estranho.
Quando adentraram a floresta, ela olhou em volta e para cima, estupefata: As árvores magras se esticavam como torres por metros acima, onde suas cúpulas mal cobriam o céu estrelado: quase não havia escuridão naquele céu tão, tão brilhoso, banhado de bilhões de pontinhos dos mais variados tamanhos. A grama era verdinha e crescia-lhes até os tornozelos, onde se dobrava e formava uma camada fofa e deliciosamente confortável sobre a terra gelada. As dezenas de vagalumes voavam para todas as direções, em todas as alturas, enchendo o lugar das mais maravilhosas luzes: dava a sensação de estarem no céu, em meio às próprias estrelas.
Era tão... tão bonito. Por alguns breves segundos, o mundo pareceu girar mais devagar. Ali, onde apenas a lua, as estrelas e os vagalumes iluminavam, ela começou a sentir o início do inverno: a ponta do nariz resfriada, o vento frio tocando seu rosto, um ou dois arrepios.
Mas Hansuke não parecia se importar. Ele havia passado por entre os vagalumes, empunhando o rifle e atento para todos os lados, varrendo visualmente todo o local o tempo todo.
Ela ainda não havia percebido como a roupa cinza dele estava suja de terra, principalmente por causa daquele momento em que se jogaram no declive. Se não fosse por ele, talvez já estivesse morta.
Ela continuou imersa nos próprios pensamentos, abaixando cada vez mais o olhar, sem perceber que ele havia parado de andar. Ela deu com a testa bem no meio de suas costas, o que fez com que ele se virasse. Contudo, tudo que fez foi apontar com a cabeça para algo lá embaixo, no fim do barranco: na praia, estavam todos reunidos. Laura, Linda e Anthony estavam sentados lado a lado frente a uma das fogueiras.
Hansuke sorriu de leve para ela. Ela sentiu um nó na garganta e o coração saltar no peito. Todos estavam bem — e agora juntos. E Hansuke havia ajudado a garantir isso, trazendo de volta a última.
— Obrigada — ela falou num fio de voz quase inaudível, esticando os lábios em um sorriso grato conforme os olhos se enchiam. Entregou-lhe a pistola, convencida de que não precisaria mais dela e ele guardou o objeto.
Ela não tinha percebido como os cabelos pretos dele se mexiam com o vento de inverno, ou como os olhos dele eram tão pretos quanto o próprio céu noturno, ou tão cheios de estrelas e luzes quanto aquele mesmo céu.
Ou como, cansado, seu sorriso era despreocupado e esticava os lábios finos de forma reconfortante e preguiçosa.
Os olhos se apertavam menos naquele sorriso, mas ainda era suficiente para marcar leves pés-de-galinha no canto de ambos os olhos. Aquele pequeno detalhe apenas deixava sua face mais alentadora. Havia tamanha leveza junto ao cansaço, havia... tanto para ser visto.
— Obrigada, Hansuke — ela tornou sem deixar de olhar para ele.
— Han — ele colocou uma das mãos no bolso e sorriu um pouco mais, desviando o olhar para o chão. — Han é como meus amigos me chamam — ele ergueu as sobrancelhas grossas e voltou a encará-la com uma expressão mais acordada. — Quer dizer, você viu meu esconderijo de armas — deu a melhor desculpa que conseguiu, mantendo o sorriso animado.
— Certo, Han — ela colocou as mãos para trás e deu um sorriso de expectativa enquanto mordia ambos os lábios, desviando um pouco o olhar. Em seguida, lançou: — Nasia.
— Nasia — ele repetiu baixo e um arrepio atingiu a nuca dela. Seu coração deu um leve sobressalto. Porque ela sentiu as maçãs do rosto esquentarem, abaixou o rosto por um momento. — Vamos, Nasia, você tem pessoas para abraçar e algumas explicações para dar.
Ele se virou e seguiu caminho para contornar a descida do barranco por dentro da floresta, pouco se esforçando para conter o sorriso largo. Ela o seguiu a um metro, mordendo os lábios a todo momento para tentar conter o sorriso incontrolável.
Assim que Anastasia pôs os pés na praia, alguém gritou anunciando sua chegada e todos em volta da fogueira ergueram os rostos para ela. Laura e o pastor Anthony suspiraram pesado, aliviados. Linda correu até ela, abraçando com força. Seu pai se ergueu, a expressão misturando alívio e seriedade. Caminhou calado até ela, sendo seguido por Laura. Ambos a abraçaram, escondendo Linda entre seus corpos.
— Nunca mais faça isso — o pastor Anthony falou baixo o ultimato, mantendo um braço ao redor do ombro dela, mesmo após se soltarem.
— Certo — ela sorriu um pouco, os olhos se apertando levemente.
— O que... — o pastor Anthony franziu as sobrancelhas, confuso, procurando no rosto da filha uma explicação. — O que você estava pensando? — Não era uma acusação. Genuinamente queria saber. Sua voz não estava alterada. Estava controlado, ainda que seus músculos estivessem rígidos.
— Eu quis ir para onde você estava — ela desviou o olhar para o chão. — Sinto muito.
Ele finalmente cedeu. Seus olhos se encheram de lágrimas, ele tapou a boca com uma mão. Apertou os olhos, segurando-se para não chorar.
— Nunca mais — ele repetiu, abraçando-a de novo — faça isso.
— Certo — ela repetiu, abraçando-o de volta e deixando algumas lágrimas caírem.
Durante o abraço, Anthony pôde ver, lá atrás, Narumi correndo até Hansuke e o abraçando. Após algum tempo de abraço, soltou a filha e perguntou, olhando lá para o fundo:
— Quem é aquele rapaz que chegou com você?
— Hansuke, irmão da Narumi — ela se virou também para trás. — Ele estava comigo quando aconteceu o bombardeio. Foi tentar me chamar para voltar, mas não tivemos tempo. Depois apareceram os soldados... e estávamos escondidos até agora. Ele me ajudou muito e guiou o caminho de volta... eu nem sabia qual direção era o Leste... — ela falou, lembrando-se que a informação para encontrar os abrigos seria atingir o extremo leste da ilha e procurar pela praia próximo ao antigo farol.
O pastor Anthony se afastou delas e caminhou até Hansuke. Lá longe não se podia ouvir o que eles estavam falando. Ela apenas viu que Hansuke trocou o rifle de mão para lhe dar um aperto de mão. Em seguida, o pastor Anthony o abraçou e ele sorriu. Parecia estar agradecendo.
De lá de longe Narumi olhou sorrindo para Anastasia e finalmente veio até ela. Abraçou-a e não fez pergunta alguma, dando-lhe a calmaria que o momento exigia. Sabia que antes de iniciar as perguntas e matar a curiosidade, Anastasia deveria pelo menos comer algo primeiro.
— Atenção, pessoal — A voz do pastor Anthony ressoou e elas se soltaram, virando-se para prestar atenção nele, assim como todos os outros presentes. — Como todos que haviam se separado já estão aqui, vamos voltar para os abrigos. Não sabemos que hora outra tropa pode passar por aqui ou outro bombardeio pode acontecer! Vamos, vamos!
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Kintsugi
SpiritualSe eu dissesse que todos ainda podemos ser felizes, você acreditaria? Acreditaria que apesar das decepções, desilusões, pecados e abusos inimagináveis, todos ainda podemos ser completos? Pois eu posso lhe contar uma história em que isso aconteceu: u...