Capítulo 18

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"Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo." (2 Coríntios 5:17)

Quando chegaram ao penhasco, seu destino, a neve que na semana passada ali estivera havia há muito desaparecido

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Quando chegaram ao penhasco, seu destino, a neve que na semana passada ali estivera havia há muito desaparecido. Restava apenas a charneca e aquela árvore sombria.

— Eu percebi que nunca falamos sobre nosso passado sentimental — ele puxou assunto quando começaram a pisar na vegetação. — Diga-me, você já se apaixonou por alguém?

— Até que sim — ela fez uma cara de nojo e depois sorriu de si mesma. Ele acompanhou seu sorriso, feliz por finalmente estarem saindo daquela emoção esmagadoramente triste. — Já faz muito tempo.

— Quero nomes — ele respondeu conforme continuavam andando para a beira do penhasco.

— Nathaniel Nash — ela respondeu e, quando chegaram à beira, ela se sentou na ponta, dobrando as pernas sobre a terra. — Acho que só.

— Conte-me essa repugnante história — ele brincou e sentou-se na beira do penhasco, pendurando as canelas para fora.

Ela assentiu e contou-lhe toda aquela história. Com todos aqueles encontros em que nada faziam além de conversar e debater, haviam conhecido muito rapidamente as tendências um do outro, temperamentos e personalidade. Tornaram-se amigos confidentes muito rápido, com horas de conversa no Polly's Bakery ou naquele penhasco. Naquela altura, havia poucos assuntos que não haviam sido pelo menos abordados: mas aquele era um deles.

Contou-lhe a história completa, com detalhes que até mesmo sentiu incômodo em revelar a Han, pois não queria esconder nada. Não escondeu nenhuma parte da dor esmagadora que sentira anos antes e nem mesmo da paixão. Também não escondeu sua história de superação e alívio pelo livramento, tornando aquilo um testemunho completo de superação, um ciclo fechado.

— E você, doutor Hirai? — ela completou. — Conte-me sobre você. Onde aprendeu a dançar tão bem, hm?

É verdade que dancei com algumas mulheres na época do exército...

Que bonito — ela o cortou, dando um sorriso irônico e o fuzilou com o olhar.

Só dancei mesmo — ele riu, erguendo as mãos em sinal de rendição. — Nada mais, palavra de honra — controlou a risada. — Mas... — ergueu o dedo indicador. — É verdade que cortejei duas moças oficialmente. A primeira foi quando eu tinha dezoito anos e ainda estava no exército. Nós estávamos sempre nos mesmos lugares, pois éramos de famílias militares próximas e eu a conhecera a vida toda, mas em certo momento comecei a perceber que ela havia crescido e estava muito bonita. Aproximei, começamos a conversar e até nos encontramos por pouco mais de um mês, mas as conversas com ela não se sustentavam. Tudo que ela sabia falar era sobre roupas. Não me entenda mal, você sabe que eu nada tenho contra isso e é inclusive interessante, mas era o único assunto dela. Depois do terceiro encontro parecia que eu estava apenas tendo aulas particulares de moda. Necessariamente, moda feminina, porque a mulher só falava dela mesma e de suas roupas o tempo todo. Naturalmente percebi que tudo que me atraía nela era sua beleza, mas ficar olhando para o rosto dela acabou cansando depois do primeiro mês. Eu acabei explicando a ela que eu não queria continuar aquilo. Lembro que ela até chorou e me chamou de cafajeste e disse que eu havia iludido ela. Essa era a Aiko, que até hoje me olha torto na rua quando me vê. Depois, quando eu tinha vinte e três e já estudava medicina, cortejei outra por um ano, a Sayuri. Lembro que conheci ela em uma festa oficial do imperador. Conversamos por um tempo e era tudo muito fácil e bom, mas ela acabou indo estudar no exterior. Mantemos contato por algum tempo, pois as cartas até que chegavam rápido de Seul, mas após uns seis meses naquilo eu percebi que não gostava dela o suficiente para manter aquilo por três anos (seu tempo de estudo) e depois ainda assumir compromisso. Quando ela voltou ao Japão, nas férias, conversamos e decidimos em comum acordo terminar tudo. Expliquei os motivos e ela concordava com tudo. Ela até disse que, na verdade, sentia o mesmo há alguns meses. Conversávamos bastante, mas não nos gostávamos o suficiente para dizermos "não" a outros planos e sonhos em nome daquele relacionamento. Daquela vez, ninguém chorou.

Nasia apertou os olhos. Falar do passado era, para ela, algo que causava insaciável curiosidade e angústia ao mesmo tempo. Queria saber tudo sobre ele, mas seu peito queimava ao soar dos nomes Aiko ou Sayuri. Contudo, não podia julgá-lo muito: muito provavelmente o nome Nathaniel lhe causasse o mesmo efeito. Além disso, se ele tinha um passado de quem conhecera muitas mulheres, ela tinha um passado de quem abrira mão de seus princípios de vida por um rapaz qualquer. Nenhum dos dois passados era lá muito bonito, mas o que importava era que continuava sendo passado. Antes de Cristo, antes da Verdade, antes de se conhecerem. Havia passado.

— Tem outra coisa da qual nunca falamos — ela deu um leve sorriso após alguns minutos de reflexão e conclusões triviais. — Você nunca me contou sobre seu processo de oração antes daquela declaração no Polly's.

Ah — Hansuke riu, desviando o olhar. — Eu... — ele riu de novo e levou a mão ao rosto, esfregando os olhos com os dedos. — Certo. Depois de algumas semanas sonhando com você e pensando em você nos momentos mais aleatórios, comecei a perguntar a Deus o que era aquilo. Eu meio que não acreditava, porque eu estava voltando a me estabelecer na igreja, pois passei por um período de frieza espiritual e muita apatia depois da morte do meu irmão. E você estava sempre tão... envolvida nas coisas da igreja, tão pronta. Nem sempre estava alegre, mas estava sempre pronta para sacrificar seu corpo e tempo pelo serviço. Virando noites, continuando o trabalho mesmo cansada ou de mal humor. E você também levava flores ao hospital, eu sempre achei lindo te ver distribuindo flores por aí. E é... tão linda — olhou para ela sorrindo, ela sorriu de volta, mas escondeu o rosto, sentindo-o corar. — Não achei que eu merecesse. Mas acho que eu só percebi depois do incidente com o sr. Weiss. Lembra do bêbado do dia do bombardeio? O nome dele é sr. Weiss, é vizinho do hospital. Ele depois veio me pedir perdão, pois não tinha coragem de te encarar. Depois te conto. Enfim... quando o sr. Weiss tentou chegar perto de você, eu percebi o quanto eu precisava estar perto de você e o quanto qualquer outro homem tão perto, de forma ameaçadora ou "boa", faria meu sangue ferver. Foi aí que eu admiti que estava apaixonado... há muito tempo. E apresentei isso a Deus. Fui sincero, confessei meus sentimentos como que a um amigo e, quanto mais eu buscava respostas na Bíblia sobre me declarar a você ou não, você ser a certa ou não, mais ele me dizia que a escolha era minha.

Nasia concluiu que Han não poderia estar mais certo e mais maduro naquele assunto. Em 1 Coríntios há todo um capítulo dedicado a como e o porquê casar-se ou não, sendo esse o capítulo 7. Nele, no fim, Paulo (o escritor inspirado) fala sobre um novo casamento por parte de uma viúva. Esse ensinamento pode ser utilizado analogamente por aqueles que ainda não se casaram: "[...] ela está livre para se casar com quem quiser, desde que seja um irmão no Senhor" (versículo 39, última parte).

Desde que seja no Senhor e seguindo os mesmos preceitos e princípios, alguém pode-se casar-se com quem quiser, em regra. Em regra, pois não é sábio e nem frutífero que propósitos contrastantes se unam, dificultando um ao outro; tampouco que dois irmãos no Senhor se unam desafiando a autoridade dos pais cristãos e sábios; ou que se casem por pura espiritualidade, esquecendo-se que é necessário sentirem atração um pelo outro etc., etc., entre muitos outros pormenores — o assunto é grande.

O caso de Han e Nasia, contudo, não apresentava nenhuma dessas dificuldades. Por isso, tudo que lhes era incumbido era a responsabilidade um com o outro e a resiliência necessária para suportar as intempéries que o relacionamento traria.

— E eu escolhi... você — ele completou com um sorriso frouxo e olhos inocentes.

Ela sorriu, fechando os olhos e curvando-se até que sua testa repousasse no ombro dele. Ela suspirou, ergueu o rosto e respondeu de forma quase inaudível:

— O dia que recebi seu bilhete tornou-se um dia de mais pura alegria. Me puxou de uma vida sentimental de memórias cinzentas e dolorosas, me deu a chance de viver uma história linda e florida... e... eu escolhi você, também.

Ele olhou para baixo, sorrindo. Mostrou-lhe sua mão com a palma virada para cima, mão essa que ela segurou. Entrelaçaram seus dedos, segurando firme a mão um do outro. E, assim, na beira do abismo, deram as mãos e deixaram a noite cair.

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