"E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija?" (Hebreus 12:5-7)
Quando Anastasia saiu da igreja, após finalizados os trabalhos, viu Hansuke parado do outro lado da rua, sob a tenda mais próxima da igreja. Ele já não usava mais o jaleco, mas sim um sobretudo preto que se esticava até suas panturrilhas. Também já não havia pessoa alguma além dele ali, pois todos já haviam sido realocados para outros hospitais.
Assim que a viu, esboçou um sorriso quase que imperceptível e atravessou a rua, contornando a carroça e vindo até ela.
— Está indo para casa? — ele pulou saudações.
— Sim. Meu pai ainda vai demorar lá, mas já fui liberada. Vou caminhando.
— Vamos juntos, então. O alojamento também fica na direção da sua casa.
Ela assentiu com a cabeça e começou a andar na direção de casa; ele a seguiu em silêncio. Aquele silêncio, que era quebrado apenas pelo barulho de seus calçados batendo nas pedras do calçamento, foi cessado quando uma brisa fria os atingiu, pois ela fechou os olhos para senti-la e falou:
— Esse é meu horário favorito do dia, sabia? — abriu os olhos. — As luzes dos postes e das casas já estão ligadas e a cidade está toda iluminada, mas o céu ainda está azul. Um azul escuríssimo, calmo, denso, mas ainda azul. Está tudo silencioso, no céu e na terra, e esse vento frio noturno já está soprando. É até curioso. O pôr-do-sol acabou de acontecer, e tudo nele é sons e luzes. Pássaros de todas as espécies, luzes de todas as maneiras no céu. Agora, cinco minutos depois, é tudo calmaria.
Hansuke ouvira a tudo atento. Ele caminhava devagar, controlando seus costumeiros passos largos para se adequar à velocidade que a moça poderia atingir caminhando. As mãos estavam para trás e os olhos fixos nela. Naquela luz baixa ele podia observar sem ser notado como os olhos e sobrancelhas dela, escuros, contrastavam com a pele clara. De uma forma tênue e com muitas ressalvas, remeteu-se às gueixas japonesas. Perguntou-se se era o caso de ela saber como tal contraste era sumariamente belo, absurdamente buscado por mulheres a milhares de quilômetros dali, que pintavam e maquiavam as peles para obter o resultado com o qual ela nascera. Pelo qual nem se esforçava.
Seu pescoço era tão fino, também. Bom... era, na verdade, proporcional. Mas para ele, era fino e pequeno. Para ele, tudo nela era fino e pequeno. Por exemplo, os dedos dele bem podiam envolver os pulsos dela por completo. Poderiam, também, esconder suas mãos por completo... caso as segurasse, hipoteticamente.
— E você, qual seu horário favorito do dia? — ela tornou, puxando-o para a realidade.
— Nascer do sol. Na verdade, por nenhum motivo além de o Japão ser a terra do sol nascente. Desde muito cedo meu pai repetiu isso em casa, que deveríamos ter orgulho da distinção e glória japonesas, mesmo nos menores detalhes. O patriotismo foi tão longe que até mesmo alcançou o nascer do sol: era um símbolo japonês, por isso deveria ser apreciado sobremaneira. Em certo ponto, essas ideias dele entraram tão fundo em mim que passou a ser meu horário favorito do dia. Hoje eu nem sei se realmente é, mas não sei se vale a pena pensar muito no assunto. Quero dizer, é bonito o suficiente para ser o horário favorito de alguém, na minha opinião. Vou deixar como está.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Kintsugi
SpiritualSe eu dissesse que todos ainda podemos ser felizes, você acreditaria? Acreditaria que apesar das decepções, desilusões, pecados e abusos inimagináveis, todos ainda podemos ser completos? Pois eu posso lhe contar uma história em que isso aconteceu: u...