Prólogo

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"Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados." – Isaías 53:5

A lama cobria as suas botas pretas até perto dos tornozelos. O uniforme verde, sujo de sangue, era adornado por uma cruz vermelha próximo ao ombro. O capacete tinha cruzes de todos os lados: era o uniforme de um médico de combate. Os sons de estouro das armas eram muitos, mas os sons dos aviões eram mais altos.

Médico!!! — ouviu alguém gritar.

O médico de combate correu por entre os soldados, tirando uma gaze de dentro do bolso do uniforme. Conforme ele desenrolava a gaze freneticamente e abria a camisa do soldado deitado à sua frente estourando os botões, podia ouvir os tiros soando sem parar, vários por segundo. O suficiente para enlouquecer.

— Olhe para mim, fique comigo — ele gritou enquanto tentava estancar o vazamento do sangue que jorrava livremente. — Takahashi! Vou precisar de ajuda! — gritou para um colega. O abdômen do soldado estava sujo de riscos vermelhos para todos os lados, assim como suas mãos. Vermelho se espalhava no corpo dele e além, chegava à terra molhada.

— Precisamos movê-lo, se ficar aqui vamos morrer — o companheiro por quem ele chamara chegou correndo e deslizou na lama ao se abaixar.

— Se movermos ele assim, ele vai morrer — ele respondeu de volta rápido. — Eu consigo, eu consigo...

Takahashi indicou com a cabeça para atrás dele, então ele se virou. Um soldado muitíssimo parecido com ele, mas mais velho, agachou-se em sua frente, atirando em várias direções e virando-se apenas para dar um rápido aceno de cabeça para ele, acompanhado de um sorriso confiante e um olhar como se dissesse "você consegue". Aquele era Taishi: era o melhor atirador, o melhor soldado, o melhor filho — e sempre protegera o irmão mais novo. Ele sorriu de volta e se concentrou no soldado à sua frente.

Assim que finalmente conseguiu com que o sangramento diminuísse, gritou:

— Consegui, vamos!

Mas antes que pudessem levantar, um tiro atingiu Takahashi, que caiu para a direita, imóvel. Um furo no lado do rosto.

Ah, não... — foi interrompido por outro tiro, que atingiu o soldado que ele acabara de salvar. O sangue escorreu do ombro fazendo com que o uniforme manchasse. Ergueu os olhos para o soldado à sua frente, enquanto se abaixava, tentando fazer com que o outro fizesse o mesmo: — Taishi!!!

Mas não foi o suficiente. Após um estouro, Taishi foi jogado para trás, o vermelho se espalhando no uniforme. Caiu sobre o irmão, imóvel.

Taishi, Taishi!!! — Gritou enquanto o tentava acordar. — Irmão, irmão, consegue me ouvir? — conforme ele não respondeu, mas seu corpo permaneceu sacudindo a cada tiro novo que tomava, servindo de escudo humano para o irmão mais novo que cobria, o médico de combate bradou: — TAISHI!!! — e emendou num grito sofrido, que lhe rasgou a alma. Em meio ao desespero, pôs as mãos em torno do corpo do irmão, sem querer arrancando-lhe o cordão que carregava por dentro do uniforme. Puxou-o, encarando o pingente prateado em forma de cruz: naquele dia, a vida dele foi salva, mas o sangue do querido irmão escorreu por aquela cruz.

"Não se esqueça, Hansuke" a mentira ecoou em sua mente no dia do funeral de seu irmão mais velho: "tudo que você conseguiu foi às custas do seu irmão". Naquele dia, ele ouviu o choro de sua mãe por horas. Sentiu o peso da mão de seu pai descer sobre seu rosto em um tapa que o fez se curvar. "Você jamais poderá pagar a sua dívida".

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