Capítulo 04

209 20 287
                                    

Quarenta minutos esperando Frank. Se parte da vingança dele fosse me deixar plantado sozinho numa mesa de bar para pagar a conta, eu iria inferniza-lo de maneiras que ele nem ao menos desconfiava que eu poderia. Me senti um pouco idiota ao lembrar que ele havia me passado o endereço e o nome do lugar pelo mensageiro interno da firma, ou seja, na prática eu continuava sem o contato pessoal dele. Tinha o perfil dele no Facebook, mas algo me dizia que isso e nada seriam a mesma coisa. Isso se ele não tivesse me bloqueado depois de hoje de manhã... Era muita idiotice da minha parte, até inocência, achar que depois do dia de hoje ele iria de fato se esforçar para ser decente.

O lugar indicado por ele já era conhecido de nome, mas eu nunca havia de fato entrado lá. Era um intermédio entre bar e restaurante e, por ser segunda-feira, relativamente cedo demais, ainda estava vazio. Se fosse mais próximo do final de semana, com certeza teria fila de espera por uma mesa. O ambiente era confortável e bonito, todo em tons amadeirados com lustres vermelhos pendentes acima das mesas quadradas (também de madeira), deixando tudo com um clima intimista da iluminação à meia-luz em tons quentes. A mesa mais reservada com apenas uma cadeira à minha frente dava o toque final de intimidade.

Era apenas uma conversa de colegas de trabalho, mas eu me sentia como num encontro, e nunca fui tão grato por Mikey ter me dado um vidro minúsculo de perfume para ser levado na bolsa e usado quando fosse necessário. "Nunca se sabe quando é hora da ação", ele me disse na ocasião do presente. Meu irmão mais novo já era casado há quase três anos e se encaminhava para a etapa da vida de ter um filho. Sempre foi melhor sucedido do que eu em todos os aspectos da vida. Enquanto eu pulava do curso de música para o de artes visuais para enfim me formar em jornalismo, ele foi certeiro no curso de ciências econômicas. Se formou como um dos destaques da turma, entrou numa das agências de classificação de risco mais famosas do mundo, e ainda jovem já desfrutava dos prazeres que um salário alto pode proporcionar. Eu sentia muito orgulho dele, principalmente por saber que a conquista desses objetivos o fazia feliz.

Eu sabia que ele também se orgulhava de mim, mesmo eu não sendo tão exemplar como ele. Ainda assim eu era seu irmão mais velho e seu melhor amigo, quem ele sempre olhava como inspiração. Porém, naquele momento, ele queria agir como se os papéis tivessem se invertido; estava preocupado com minha vida amorosa, com medo de eu me tornar uma bicha velha, amargurada e esquisita demais até para sobrar de titio. Daí vieram presentes como um perfume caro com um frasco de viagem para eu estar sempre pronto em qualquer situação, entre outras coisas para eu investir no meu lado sedutor.

O que Mikey não queria saber em detalhes era que eu não passava perrengue para encontrar homens para minha companhia - meu problema estava longe de ser a sedução. O entrave estava em fazer com que os poucos caras que eu achava interessantes quisessem ou pudessem ficar. Era o meu dedo pobre, que Bert sempre falava. Eu colecionava, na minha lista de erros, canalhas de diferentes estirpes, sendo que o último deles - que me tomou quase quatro anos e fez da minha vida uma grande dificuldade - recebia diversas infames alcunhas como "cabeça de ovo" e outras pelos meus amigos.

Quase quatro anos que me prestei ao papel de ser o amante de um cara mais velho, preso num casamento de fachada (mas que a esposa dele acreditava que era real, claro). Passei por algumas situações péssimas com ele, como por exemplo quando o dito cujo, a esposa e eu nos encontrávamos em eventos e ele fingia me conhecer apenas pelo nome, e não como se não estivesse na cama comigo duas horas antes. Em alguma das vezes ele usava uma das minhas gravatas, que pegou por engano quando saiu com pressa para não se atrasar e buscar sua mulher em casa, me deixando mais uma vez me sentindo baixo, sujo e sozinho numa cama de motel. Naquela ocasião, especialmente irritado, eu dei "oi" para o casal, vestindo a gravata que ele deixou para trás, e elogiei a que ele usava - aproveitando para passar a mão pela peça e também pelo seu peito - e soube pelo olhar da mulher que aquilo fora o suficiente para causar desconforto. Ele me ligou depois me chamando de louco e eu fui dormir feliz, uma das poucas vezes durante aqueles anos.

Beleza do Caos [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora