Rua Rodolfo Miranda, número 110, era o meu destino com Bert naquele final de tarde. Era estranho pensar que aquele lugar que tanto frequentei durante a minha juventude era o mesmo onde agora me dirigia para assistir à banda do cara com quem estava saindo. Fazia um bom tempo que não comparecia ali, mas era impossível negar o sabor saudosista que aquilo me dava.
O show era no Hangar 110, talvez uma das casas de show mais insalubres da cidade; mas uma das poucas onde os shows de hardcore podiam se estender até um pouco mais tarde, sem precisar dar espaço a shows de pagode depois das 22h. Não que eu tivesse algum problema com isso: trata-se apenas de um detalhe cômico. O Hangar era uma casa famosa, importante e pequena, e provavelmente tinha espaço para não mais que setecentas pessoas. E, segundo o que Frank havia me falado, naquele dia a casa estaria com a lotação máxima.
No geral, o clima do Hangar era o de sempre: as pessoas se aglomeravam na porta, algumas se sentavam na calçada, mesmo que os shows já estivessem acontecendo do lado de dentro; bebiam cerveja, fumavam, conversavam e riam alto. A fachada agora estava toda pintada de preto, com um letreiro branco simples apenas com o nome da casa. A porta não era muito larga e se abria para um rol de entrada claro onde eram conferidos ou comercializados os ingressos - caso ainda estivessem disponíveis -, que normalmente não passavam de um pedaço de papel fino e colorido com a marca do Hangar, sem nenhuma menção a quais seriam os shows do dia. Por algum tempo, sempre que ia lá, eu anotava o nome das bandas que assisti no verso do ticket de entrada para guardar como recordação. Porém, depois de acumular vários deles (todos iguais) numa caixa, eu já não sabia mais qual era o propósito em tê-los.
Naquela ocasião, até considerei guardar o ingresso escrito "Boca de Couro" com um autógrafo de Frank, só para fazer graça; mas naquele show, diferentemente de todos os outros, meu acesso seria garantido apenas pela minha apresentação na bilheteria - Frank deveria ter me colocado na lista de convidados, cortesias ou qualquer coisa do tipo (como se fosse lá algo muito exclusivo). Ao menos economizaria trinta reais, que eu gastaria no bar para não ser tão ingrato assim com os lucros do dono do estabelecimento. Tirando de um lugar, mas compensando no outro, né?
O maior momento de impacto era o que viria a seguir: quando enfim se passava do rol e percorria as portas pesadas pintadas de preto para adentrar ao espaço do show. Sempre gostei muito da palavra caos, e ali era um bom lugar para contextualizá-la na vida real. Uma banda tocava no palco e já era possível sentir o bumbo acelerado que parecia bater dentro da minha garganta. Aquela era uma das minhas sensações favoritas geradas pelas músicas ao vivo. O público era majoritariamente masculino (como de costume); vários dos homens já estavam sem camiseta e pareciam muito suados por conta das movimentações dos mosh pits, que se iniciavam e se desfaziam de acordo com a cadência da música. Aquilo dava ao público os movimentos de uma grande massa viva e pulsante em meio às danças, pulos, tapas no peito e punhos levantados para o alto.
Eu nunca estive em cima de um palco diante de uma plateia como aquela, mas toda vez que a presenciava era inevitável imaginar o tamanho da satisfação que me daria. As letras bradadas a plenos pulmões, o público do HC sempre tão aficionado, a sensação de pertencimento e a energia que flui inegavelmente entre o artista a performar e sua horda de fãs... Tudo preenchia o ambiente que, ao mesmo tempo em que parecia gigante para abarcar tantas sensações, era pequeno para comportar toda a energia que não cabia nos corpos que se batiam e se transbordavam na troca de calor com ar.
— Eu nunca vim aqui antes, sabia? — A voz de Bert estava um pouco rouca por precisar gritar para que eu prestasse atenção no que dizia.
— Por que não? Não era o tipo de som que o jovem Bert curtia?
— Não, nem tanto por isso. Tinham umas coisas que eu ouvia, sim, mas sei lá, era muito longe de casa na época.
— Às vezes eu esqueço que você não morava e sim se escondia antes de se mudar para o apartamento. — Bert me deu um soco no braço pelo deboche, mas ele sabia que não tinha falado nenhuma mentira, portanto não havia como rebater. — Qual é, mano, qualquer coisa depois da estação Grajaú já é outro mundo.
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Beleza do Caos [FRERARD]
FanfictionSair para uma noite de boemia na cidade é sempre um infinito de possibilidades. E São Paulo, cidade do caos, pode ser o cenário perfeito para relações que pulsam na mesma vibração. Gerard Way e Frank Iero, dois paulistanos, se cruzam numa típica no...