Capítulo 08

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Despertar.

Aquele momento que a gente não sabe como acontece. O primeiro movimento; a quebra do estado de vigília. Ao abrir minhas pálpebras, formava-se a primeira imagem: as costas musculosas na minha frente, suas tatuagens, o calor do corpo completamente relaxado ao lado do meu, a caixa torácica se expandindo e contraindo. O cabelo castanho já não era mais tão curto, formando pontas na nuca; estava tão perto dos meus dedos que não pude controlar o impulso de tocá-lo de maneira gentil, carinhosa. Um breve momento sem respirar, seguido por um aconchego; ele se empurrou para trás, as costas quase encostaram no meu peito, entrelaçando nossos pés, ainda sem tensão alguma no corpo, ainda dormindo. Ele continuava ali.

Depois de anos em um relacionamento em que nenhuma noite havia sido integralmente compartilhada (eu não tinha direito a elas, pois eram dedicadas somente à esposa do meu ex), em que a cama sempre amanhecia vazia e então foi ocupada apenas por companhias casuais... Depois de anos, eu finalmente estava com alguém que simplesmente ficou aqui, comigo.

Ele podia e ele queria ficar. Mesmo adormecido, ele procurou pelo meu corpo e meu abraço, na certeza que eu ali também estaria. Apertei-o novamente contra mim e beijei seus cabelos, sem afastar meu nariz dali, e voltei a fechar os olhos, adormecendo enquanto respirava o cheiro herbal que ele exalava.

Em dois meses, aprendi a valorizar pequenas coisas. A primeira delas era a maneira como Frank levantava devagar e em passos silenciosos quando ia ao banheiro no meio da madrugada, na intenção de não me acordar; ou como ele adorava passar horas vestido somente com uma das minhas camisas xadrez em vez de vestir suas próprias roupas - inclusive, era eu que, em alguns momentos, recolhia suas roupas do chão para deixá-las dobradas perfeitamente na parte de cima da minha cômoda; ou ainda como ele respeitava pacientemente meus momentos de meditação (inclusive os matinais) indo fumar seu cigarro debruçado no parapeito da minha janela, sempre esquecendo de limpar e devolver o cinzeiro para o lugar correto quando terminava.

Depois que Frank apareceu de surpresa na porta da minha casa, posso dizer que conseguimos nos acertar. E só para ter certeza de que não havia nenhuma aresta entre nós, nos acertamos naquele final de semana e no próximo, mais algumas vezes numa quinta-feira e em outra terça... Algumas várias outras vezes mais. Ao voltar para casa depois daquele salto da Ponte Sumaré, agradeci Bert pelos conselhos inconvenientes, porém corretos, que ele sempre me dava. Era sempre muito mais fácil quando ele decidia resolver a minha vida por mim; era ótimo apenas deixá-lo resolver por mim.

E eu estava exatamente assim, apenas deixando. Sem todo aquele controle, sem a extrema separação dos personagens que eu estava acostumado a manter. Afinal, eu permiti que alguém pudesse ultrapassar essa barreira e se misturasse no meu mundo. 

Numa tarde de um feriado prolongado, Frank chegou um pouco de surpresa depois de Bert deixá-lo subir direto. Ouvi a voz dos dois na sala falando sobre qualquer coisa que não consegui entender; eram sons distantes. No momento que Frank bateu fraco na porta do meu quarto avisando que estava entrando, ele me encontrou quase como num clichê de um gênio maluco: roupas velhas, cabelo despenteado e de pernas cruzadas com a guitarra ligada ao amplificador no colo, enquanto estava debruçado totalmente torto sobre minha mesa - que teve o equipamento de escritório afastado, dando lugar ao meu material de desenho e colagem. Estava tudo uma completa bagunça.

— Ué. O que você tá fazendo aqui, Frank?

— Oi para você também, Gerard. A gente tinha combinado de você ir lá para casa, lembra? Eu vim te buscar.

— Oi, Frank. Desculpa. É que marcamos só às três horas...

— E que horas você acha que são bello? — O apelido pronunciado com o sotaque italiano só denunciava o seu tom de diversão com toques de incredulidade, que só era usado em momentos assim, quando eu servia como entretenimento.

Beleza do Caos [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora