Capítulo 07

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A paisagem que passava a 60 km/h pela janela agora me parecia familiar. Por não fazer o caminho que os carros faziam, às vezes era difícil para a minha mente entender como alguns lugares se ligavam para além dos arredores das estações de metrô. A avenida larga cortava o bairro residencial que existia em mil subidas e descidas em cada um dos lados.

— Como as pessoas que moram aqui vão comprar pão na padaria? Não existem 200 metros de rua plana nesse lugar. Não me conformo.

— Acho que é por isso que todo mundo vem correr aqui na avenida. Não tem nem rua paralela aqui para dar conta desse relevo todo.

— Pelo menos eles compensam tendo muitas árvores.

A janela do carro do lado de Frank estava aberta, os cabelos curtos não davam espaço para o clichê de cabelos ao vento, mas a imagem não poderia ser mais agradável. O cotovelo esquerdo apoiado no vidro abaixado, a mão aberta e espalmada deixando o ar passar entre os dedos; e ele revezava o olhar entre o trajeto e eu, sempre sorrindo em minha direção.

Diferentemente de como ele estava na minha casa, agora ele estava de volta ao visual de sempre com o rosto perfeitamente liso - exceto pelo bigode que, ao receber a luz direta do sol, brilhava num reflexo ruivo entre os pelos grossos castanhos.

Se fosse qualquer outra pessoa, provavelmente eu acharia cafona e batido por parecer vir diretamente dos anos 80, mas nele apenas fazia sentido. O perfume herbal dele estava presente no carro todo, e em alguns momentos eu fechava meus olhos e me deixava desfrutar do quanto era bom. A maioria dos homens preferia fragrâncias amadeiradas, que lembravam couro, ambientes rústicos e todos os clichês que acompanhavam o estereótipo do homem heterossexual; mas Frank preferia algo fresco e leve, como se simplesmente isso emanasse dele. Aproveitei para passar de novo o perfume que ele havia elogiado tempos atrás e que foi elogiado novamente assim que ele beijou meu pescoço, (obrigado, Mikey!), me deixando com cheiro de especiarias finas.

Durante o curto caminho entre a minha casa e o local que estávamos agora, tentei várias vezes insistir para Frank me falar para onde estava me levando e qual era a programação, mas ele mantia o suspense. O pedido por roupas confortáveis e a fala sobre a expectativa de eu não ser medroso não me forneciam boas pistas. Já tinha descartado ideias com bares, outro restaurante, shopping ou teatro que não se encaixam nos requisitos, e o horário quase no final da tarde também impossibilitava voltas em parques ou idas a lugares afastados para fazer uma trilha. Eu não fazia a menor ideia e estava ansioso.

Apesar da música rápida que tocava no rádio do carro, as batidas do meu calcanhar no chão do veículo eram ainda mais aceleradas; e quando o trânsito parava, a minha sensação era que faziam tudo tremer. Nunca tinha sido bom em disfarçar meu nervosismo e não seria na tarde de hoje que eu aprenderia. Mal faziam dez minutos desde que a viagem de carro efetivamente começou, mas nessas condições a noção de tempo parecia completamente distorcida e relativa, uma vez que, se por um lado o tempo gasto com Frank parecia se esvair numa dobra do tempo, minha impaciência parecia dilatar cada segundo.

Eu passava minhas mãos pelo cabelo, jogando-o para trás, e acariciava a parte raspada com os dedos. O cinto de segurança incomodava o meu pescoço, me fazendo puxá-lo para baixo sempre que o sentia raspando no mesmo lugar. Todos os gestos se alteravam rapidamente, o que fazia Frank me olhar pelo canto do olho, provavelmente se divertindo bastante ao notar como aquele suspense bobo e sem motivo me atingia com intensidade, como se nas últimas horas ele tivesse simplesmente derrubado a barragem onde eu tentava represar minhas emoções todos aqueles dias.

"Eu devo estar parecendo um idiota. Grande novidade", pensei ao revirar os olhos e apoiar minha cabeça no vidro da janela do passageiro, que tinha apenas uma fresta abaixada. Do meu lado oposto, Frank estava tranquilamente dobrando as esquinas ao guiar o carro, batendo o polegar no volante no ritmo da música. Não existiam dúvidas: Frank realmente se divertia tanto com meu desespero, tanto é que ele já parecia saber muito bem como provocar. Para ser justo, não era só nisso que ele tinha facilidade para provocar. Ainda naquele começo de tarde, ele me arrancou emoções muito mais sutis quando fez o melhor café preto que eu já provei - e eu não consegui entender a diferença mágica que ele realizou para tal feito. Tudo o que ele usou foi o meu pó de café de todos os dias e os meus utensílios; e ainda assim, ficou muito superior ao meu café preto. Ele tentou me explicar algo sobre a temperatura correta da água e outros detalhes que para mim pareciam exagerados. Café era apenas jogar água fervendo no pó, não fazia sentido ser assim tão complicado.

Beleza do Caos [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora