Nenhum guarda esperava à porta de Raoul. Diante de tamanho poder, qual a necessidade, afinal? Quem ousaria entrar? Gaetana bateu à porta. Não houve resposta. O que estou fazendo?, pensou. Sua respiração comprimia seu peito, rápida e pesada. Deu um passo para trás. Sentia aquela euforia de quem acaba de descobrir algo, mas, ao mesmo tempo, estava lá a insegurança de uma novata. Ele já deve saber... Hesitante, virou de costas e estava prestes a ir embora, quando ouviu uma voz rouca ainda de dentro do quarto:
- Não vai entrar?
Raoul abriu a porta e Gaetana precisou olhar para cima para encarar seus olhos cansados, cercados pelas recentes rugas em sua pele negra. Em apenas um dia, ele parecia ter envelhecido dez anos. Fez um gesto para que ela entrasse. Já estava com sua roupa de dormir, uma veste longa e simples, acompanhada de um roupão. Gaetana se sentiu constrangida ao vê-lo em um momento tão íntimo. Lembrou-se de que era somente uma iniciante, uma qualquer. Ele, o Qayid, o líder e o homem mais poderoso da Ilha.
Apreensiva, deu seus primeiros passos nos aposentos pessoais do Qayid. Como a maioria dos cômodos da Ilha, as paredes eram brancas e combinavam com as cortinas claras e o chão de madeira lustrosa e aconchegante. Apesar da sala para reuniões ser bem próxima, ali também havia uma pesada mesa de mogno cercada de cadeiras para convidados. Perguntou-se quem seria importante o bastante para ser recebido ali. Uma porta dupla de madeira escura e entalhada levava para o quarto. Ela estava entreaberta e Gaetana pôde ver uma grande cama de dossel com lençóis desarrumados, antigos livros na estante e dezenas de documentos espalhados por uma segunda mesa, menor e bagunçada. Com um movimento rápido, Raoul fechou a porta do quarto e caminhou até a varanda. Ela o seguiu.
Da sacada, se teria a bela vista da Ilha à noite, porém era a época da lua negra e nada se via. O mar chegava suavemente à areia e o som do vai e vem das ondas dava a impressão de que se vivia um momento de paz. Ele se sentou em uma poltrona branca e confortável e ela fez o mesmo.
- Me espanta a sua visita a essa hora - disse ele. - Tivemos um dia agitado. Fiz longas reuniões. Em nenhum momento veio falar comigo.
O que dizer? Como justificar as minhas ações?, pensou Gaetana. Devo admitir que tive medo? Que não sabia se estava certa? Como pude ser tão negligente?, questionou-se. Passou as mãos suadas pelas pregas da saia, tentando se acalmar.
- Garota, sou um homem curioso. Senti que se não lhe chamasse logo, desistiria do que veio me contar. Você já fez a parte mais difícil, sabia? Bater à minha porta a essa hora da madrugada, ainda mais depois de um dia como esse, sinceramente... – Raoul soltou um riso abrupto e esfregou as têmporas. Ela o observara à distância durante todo o dia, distribuindo ordens, o semblante grave, a voz retumbante, a postura ereta. Mas agora, à sua frente, estava um homem curvado sobre os joelhos, os dedos compridos sustentando a testa. Ele ria de alguma piada secreta, algo que ela não entendia, ou poderia ser só a exaustão. Mesmo assim, o sorriso inesperado a encorajou.
- Qayid... Precisava falar sobre a menina – anunciou.
Ele suspirou e Gaetana achou, por um momento, que seus lábios cheios estavam trêmulos. Todos na Ilha sabiam o quanto Merab havia sido a favorita de Raoul e, principalmente, como ele tentara proteger a menina. Sem aviso, ele se levantou e foi até um grande bar de mármore branco. Enquanto se servia de uma dose de malte cor de fogo, perguntou:
- O que tem a menina?
- Eu a vi em um sonho.
Com o indicador e o polegar da mão esquerda, Raoul apertou os olhos com força, enquanto sua mão direita levantava o copo cheio. Mesmo de longe, Gaetana pôde sentir a intensidade de seu pesar. Percebendo que havia causado a impressão errada, apressou-se em dizer:
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O Portal | Livro 1 - Degustação
FantasyEles assassinaram sua família, roubaram sua coroa e amedrontaram seu povo. Por dez anos, Hannah se escondeu, mas agora está de volta, morando na fortaleza do inimigo e cada vez mais próxima de Noa Rariff, o herdeiro que, um dia, assumirá o trono dos...