VI 6.3 Sonho

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Ela caminhava sem rumo na escuridão. Distante, ouvia o barulho de água correndo e uma goteira que pingava sem parar. Se concentrou para encontrar a direção do som e o seguiu. Uma tocha se acendeu. Um homem a carregava com passos lentos. Ele dizia algo, mas ela não conseguia ouvir. Quando estava a alguns metros de distância, ela viu sua face marcada e o reconheceu. Ele se aproximou ainda mais, abaixou a tocha e a jogou para o lado. O fogo encontrou uma rica cortina rendada e a chama se alastrou rapidamente. Ela quis gritar com ele, mas quando se virou ele não estava mais lá. As chamas iluminaram o ambiente, e ela viu que estava em Palacianos. Tentou correr do fogo, mas seus passos eram curtos. Era apenas uma menina novamente. Ela conhecia essa cena. Era um sonho. Preciso acordar. Correu ainda mais rápido, mas cada cômodo que entrava já estava tomado pelo fogo. Preciso acordar. Parou de correr. Respirou fundo e esperou que as chamas a consumissem.

Hannah acordou assustada. Sua garganta doía e ela soube que gritara. Já estava sentada à cama. Sentiu sua fronte suada e o coração acelerado. Ainda tentava se recuperar, quando ouviu um barulho no fundo do quarto. Instintivamente, buscou a adaga que levava em seu peito e a apontou:

- Quem está aí? Revele-se! - gritou.

- Maël, sou eu - disse um homem saindo das sombras. Era Noa Rariff.

- Rariff, está louco? O que faz em meu quarto? - perguntou ainda arfando.

- Poderia abaixar essa faca? - disse Noa, sorrindo.

- Está rindo? - perguntou Hannah indignada. - Acha graça em assustar jovens em seus quartos no meio da noite?

Noa riu ainda mais e se aproximou de sua cama: - Fico feliz em ver que continua a mesma. Ouvi relatos ainda mais assustadores sobre o que poderia ter acontecido com a senhorita. Me perguntei se cometi um terrível erro ao não levá-la para a enfermaria.

Hannah se lembrou, embaraçada, que desmaiara em seus braços e do sangue que escorrera de seu nariz.

- Obrigada, seria um desastre ainda maior se me levasse para lá.

- Como está se sentindo?

Ela precisou refletir sobre essa pergunta. A cicatriz ardia em suas costas, seu coração ainda batia acelerado, estava suada e com calor, sua cabeça pesava e ainda se sentia confusa por causa da invasão de Serena em sua mente. Se concentrou ainda mais e sentiu que fora vitoriosa em seu objetivo. Não usara sua energia.

- Vou me recuperar - disse por fim. - Obrigada.

Hannah escorregou para fora da imensa cama e testou seu equilíbrio no chão gelado. Deixou a adaga na mesa de cabeceira e buscou pelo quarto a jarra de água.

- O que deseja? Deixe-me ajudá-la, mal pode andar.

- Ah, está bem ali. Me ajuda a chegar até aquela mesinha?

Noa ofereceu seu braço e ela se apoiou nele, mas assim que deu o primeiro passo, escorregou. Instintivamente, Noa a ergueu em seus braços.

- Não precisa...

- Pare com isso, não vai ser a primeira vez que te carrego, Maël.

Ela bufou, irritada, mas ficou surpresa com a delicadeza com que Noa a colocou na cadeira.

- Obrigada - disse ela, servindo-se de um copo de água e bebendo por completo.

- Deseja que eu chame a criada?

- Não, por favor, não faça isso! Temo que meu nariz ainda não esteja totalmente discreto - disse Hannah, com um sorriso. - Como entrou aqui?

- Ora, ordenei que saísse e informei que ia vigiá-la eu mesmo.

O Portal | Livro 1 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora