Já passava das 20h quando Hannah ouviu uma leve batida à sua porta. Deve ser uma das meninas, pensou. No entanto, melhor não arriscar.
- Um minuto!
Maldição, ainda estava de toalha. Se enrolou no roupão depressa e abriu a porta que dava ao pequeno hall. Ninguém... Bom, não era uma das meninas, porque elas já teriam entrado... Nem sua criada, com certeza, que acabara de se retirar com o que sobrara do jantar. Apertou mais o roupão contra o corpo e abriu a pesada porta de madeira que dava para o corredor. Era Berta.
- Senhorita, me perdoe, sei que já tinha me dispensado. Mas o Kaal Rariff insistiu que eu entregasse essa cesta para a senhorita.
Com os olhos na caixa, Hannah perguntou apenas:
- Ele lhe entregou em mãos?
- Sim, senhorita.
Hannah olhou com curiosidade para a pequena cesta e se despediu de Berta. Com cuidado, pousou a cesta na mesinha de madeira que ficava no canto do quarto. Com a adaga, cutucou o fecho até que ele abrisse, revelando um tecido conhecido que cobria o seu conteúdo. As mãos de Hannah começaram a tremer. Com delicadeza, ela retirou o tecido e teve que se sentar ao ver seu interior. Não era possível. Os doces de Palacianos. Os pãezinhos que comia na sua infância... O que significava isso? Ela se aproximou devagar e sentiu o doce cheiro de coco, lembrando, por um instante, de quando era pequena e sua família ainda existia.
Passou um dedo pela massa folhada que circulava o doce, mas logo o retirou. Obviamente, não poderia comer - o que era uma pena. Ela acreditava mesmo que Berta recebera o doce de Noa. Ou de alguém que ela pensava ser Noa. Ou até mesmo de Noa, mas por que ele lhe enviaria doces? Notou um pequeno envelope com o brasão dos Rariff em um dos lados da cesta e o abriu. Dentro, havia um rápido bilhete.
Srta. Maël,
A nossa cozinheira Maria José me pediu que lhe entregasse essa cesta.
Rariff.
Maria José, a amável cozinheira dos Palacianos. Hannah se surpreendeu ao perceber que seus olhos estavam úmidos. Maria José havia sobrevivido. Estava viva e ainda levava sua vida no palácio. Como cozinheira! Como se nada tivesse acontecido. Estava tão grata pela vida de Zezé! Se pegou pensando no risco que a cozinheira teria corrido para lhe enviar esses pãezinhos. Ela devia ter confiança em Noa para lhe pedir algo assim. Seu pedido poderia facilmente ser considerado uma afronta e até uma traição aos Rariff. Mas ali estava Hannah e os doces foram entregues. Noa entregou os pãezinhos. Que incrível era isso. Ela jamais entregaria se estivesse no lugar dele.
Hannah sabia que ainda possuía muito apoio em Palacianos e que seu povo esperava todos os dias pelo seu retorno. Mas, pelas informações que recebera, essa era uma percepção que não chegava aos ouvidos dos Rariff. Ür sabia que ela seria útil um dia e, por isso, permitia que vivesse. Mas jamais imaginaria que ela poderia arriscar uma tentativa de tomar o poder. Mesmo assim, entregar um presente como esse era deixar o seu inimigo saber que ainda era lembrado, que ainda contava com apoio. Ela suspirou. Com certeza, Ür não fazia ideia disso. Pelo jeito, Noa tinha muito o que aprender.
Ela fitou os doces com uma emoção que não lhe era comum... Raramente se deixava levar assim... Lentamente, a emoção se tornou um nó em sua garganta e ela deixou sair um riso amargo. Zezé continuava como cozinheira dos Palacianos. Nada mudara. Nem mesmo a cozinheira! Sua família inteira havia sido assassinada e eles foram simplesmente substituídos. E agora aqueles pãezinhos que, com certeza, eram deliciosos estavam à sua frente e ela não tinha coragem de comê-los. Até acreditava na história. Mas não arriscaria sua vida por ela. Hannah era uma ameaça a tantos, seu sangue real era raro, inimigos cruzavam fronteiras para atingi-la e não seria um pão envenenado que a mataria. A última Maël morta por um pão doce? Até ela riria desse fim.
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O Portal | Livro 1 - Degustação
FantasíaEles assassinaram sua família, roubaram sua coroa e amedrontaram seu povo. Por dez anos, Hannah se escondeu, mas agora está de volta, morando na fortaleza do inimigo e cada vez mais próxima de Noa Rariff, o herdeiro que, um dia, assumirá o trono dos...