II 2.7 Visão

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Serena  foi pega de surpresa enquanto rodopiava. Sentiu a cabeça pesada e o corpo mole. Mau sinal. Estava no meio da lição de valsa da Sra. Ainsley. Percebeu o olhar curioso de Méline, sua dupla, quando parou de repente, fincando os dois pés no chão.

- Serena? Está se sentindo bem? - perguntou Méline.

Ela estava logo à sua frente, mas sua voz chegou aos ouvidos de Serena como se estivesse a metros de distância. Começou a suar. Desesperada, procurou Chris e Bia, mas elas valsavam longe dali, do outro lado do salão. Sentiu as pontas dos dedos formigarem. A visão de Serena ficou turva e ela viu um vulto de aproximando. Instintivamente, soube que esse vulto não estava na lição de valsa da Sra. Ainsley, ali em Shailaja. Sentiu que perdia o equilíbrio. Preciso agir. Rápido.

Concentrou-se e olhou ao redor. À esquerda, uma porta entreaberta dava para o corredor. Cuidando para não tropeçar, saiu da sala e se apoiou na parede. O corredor estava vazio. Méline não a seguiu. Provavelmente, estava chamando a tutora. Precisava se esconder.

Caminhou o mais rápido que pôde pelo corredor. Forçou a maçaneta da primeira porta que encontrou. O vulto agora chegava mais perto e ela quase não viu o interior da sala quando entrou. Era uma sala de lição, as carteiras espalhadas pelo ambiente mostravam que fora usada há pouco tempo. Mas agora estava vazia. Que sorte.

Suando frio, Serena se encostou na porta e deixou que o corpo deslizasse até o chão. Sua respiração acelerou e a visão a engoliu.

Viu um homem branco. Os cabelos e a barba eram pretos e uma marca cortava seu rosto, uma cicatriz profunda. Nela, a pele era mais escura do que no resto de seu rosto. Poderia ter o formato de uma meia lua, mas uma parte estava coberta pela barba. A visão estava turva. Não sabia onde estava. Só conseguia ver esse homem. Ele vinha em sua direção. Estava à frente de um grupo. Eram cinco ou seis no máximo. Não o conhecia. Não conseguia ouvir nada. Tentou olhar ao redor, mas, então, acabou. Escuridão. Estava de volta.

A cabeça e os olhos doíam, o corpo estava exausto. Onde estava? Não conseguia enxergar nada. Sentiu o chão frio sob seu corpo. Tinha apagado. Ficou assustada. Isso era raro, era treinada justamente para evitar o apagão. Lágrimas começaram a se acumular nos olhos. Onde estava? Precisava descobrir.

Tateou às escuras. Quando avançou, viu uma fresta de luz e se virou. Era uma porta. Ela estava tampando a luz que vinha de fora. De repente, se lembrou. Saíra da lição de dança. Encontrara uma sala, a visão a tomara. Estava lá desde então... Que horas seriam?

Apoiou as mãos no chão e, usando toda a força que sobrara, ergueu o corpo. Achou que os joelhos iam falhar, mas conseguiu agarrar a maçaneta da porta. Se apoiou e testou as pernas. Estava fraca, mas conseguia andar. Girou a maçaneta e saiu para o corredor. Estava vazio. Se encostando na parede de pedra, foi vencendo aos poucos o longo caminho para o Mavi. A cada dois passos, precisava parar e recuperar o fôlego. Pela escuridão lá fora e o silêncio nos corredores, intuiu que era bem tarde. As outras estariam desesperadas com sua ausência. Tomara que não tenham feito nada estúpido, pediu aos deuses.

Venceu uma curva e entrou em um novo corredor. Quando ouviu as vozes animadas, percebeu que cometera um erro. Era o caminho mais rápido, mas passaria em frente ao salão de jogos. Será que conseguiria atravessar o corredor despercebida? O caminho não era bem iluminado e ela quase não fazia barulho... Calculou se poderia dar a volta, mas o tremor nas pernas indicou que não era capaz. Estava exausta. Se ultrapassasse o limite de suas forças, desmaiaria.

Serena continuou o trajeto. Apoiada na parede, caminhava dois passos, parava, recuperava o fôlego, não vou desmaiar, mais dois passos, fôlego, não vou desmaiar...

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