Paz

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Ilíria estava com a perna apoiada sobre um móvel quando Oliver apareceu, arqueou as sobrancelhas assistindo a garota recolher a mão que tocava o pé, então desenrolar a postura e enfim colocar o pé de volta no chão. Diferente da maioria das manhãs, ela sorriu para ele.

Quer dizer, ela estava sorrindo de verdade.

Com direito a dentes aparecendo e ruguinhas se formando ao lado de seus olhos, quase sendo cobertas pela armação escura e levemente arredondada que usava. Ainda assim, ela não fez menção a se aproximar, ou caminhar para a cozinha, a Saint-Sallow se esticou na ponta dos dedos e ergueu os braços, se alongando.

Oliver sorriu satisfeito, se jogando no sofá para admirar aquela cena de uma posição mais confortável, porque era a primeira vez que via a Saint-Sallow se exercitando. E ainda havia aquele maldito sorriso, que fazia com que ele tivesse vontade de esmagá-la em um abraço. Ilíria ria, mas ela simplesmente não tinha o costume de sorrir, e fizera isso ainda menos enquanto estivera recolhida em sua tristeza, contudo, lá estava ela.

Não se importou em esperar, viu ela passar de exercício em exercício, chegando até os abdominais antes de se soltar sobre o chão, respirando longamente. As mãos macias apoiadas sobre sua barriga, ditando a velocidade da respiração, enquanto seus olhos estavam presos no teto, aproveitando a mistura de cansaço e satisfação que sentia todas as vezes que treinava. Há muito não tinha essa sensação.

—Vai me explicar o que foi isso? —perguntou, a voz ainda um pouco rouca de sono.

—Bom dia para você também, Oliver Wood. —resmungou em um mau humor falso, bufou ao ouvir a risada dele, deixando claro que sabia que Ilíria não estava realmente incomodada.

Oliver levantou do sofá, caminhando até onde o corpo dela estava, e se posicionou com uma perna a cada lado da menina, seu rosto tampando o teto. Os olhos escuros o estudaram, mesmo que a essa altura ela já soubesse localizar as pintas de seu rosto.

—Bom dia, Liri. —nunca usavam apelidos, e embora ela tenha revirado os olhos, Ilíria sorriu quando ele se inclinou para frente e estendeu as mãos para ela.

Lançou os braços para cima, deixando as mãos do grifinório pegarem as suas, e então as ignorar completamente, levando os dedos a correrem por seus pulsos e traçarem um caminho em sua pele, até se firmarem em seus cotovelos. Oliver a ergueu do chão como se fosse muito simples, dando dois segundos para que ela se firmasse antes de enfim soltá-la.

—Nunca é cedo demais para um grifinório se exibir. —implicou, o seguindo até a cozinha uma vez que Oliver andava por sua casa como se morasse ali.

—Sonserinos não entendem o conceito de gentileza e isso não me surpreende. —devolveu, começando a tirar coisas da geladeira enquanto a garota mexia em uma cafeteira (que ele se provara incapaz de usar).

—E felizmente você disse isso antes que eu pudesse ter feito seu cappuccino. —ela deu de ombros, e soltou uma risada ao sentir os olhos dele fixos em suas costas, se virou apenas o suficiente para ver a indignação em cada traço daquele rosto.

—Não ouse, Saint-Sallow. —estreitou os olhos, mas ela apenas se afastou da bancada, caminhando para perto dele e se esticando o bastante para pegar uma garrafa rosa de dentro da geladeira.

—Gosta de iogurte, Wood? —Oliver não gostava, e Ilíria sabia muito bem disso.

—Eu espero que você goste, já que isso será tudo que terá. —ergueu o queixo, e as pontas dos lábios dela se esticaram um pouco mais ao perceber que ele estava lhe imitando.

—Eu sei fritar ovos. —deu de ombros novamente, seus ombros se esbarravam levemente, mas em algum momento se acostumara com o contato. Um sorriso maldoso se espalhou por seu rosto. —Você sabe fazer café?

—Você ganhou… —franziu os lábios quando ela o olhou com arrogância. —Desta vez, Saint-Sallow.

—Não me lembro de já ter perdido alguma vez. —contrapôs, e apesar de ser mentira, seu rosto não demonstrou nenhum sinal disso.

—Sua memória seletiva me fascina. —Oliver desdenhou, antes de pegar o queixo dela entre os dedos. —E eu quero beber meu cappuccino, então faça o favor.

E contra as expectativas de qualquer pessoa, Ilíria deixou a garrafa de iogurte de morango sobre a mesa, se dirigindo novamente para a cafeteira, sabendo que Oliver começaria a preparar os ovos mexidos que gostavam de comer.

Faltava pouco mais de uma semana para voltarem a Hogwarts, e Ilíria estava orgulhosa de si mesma. Seus armários, antes cheios de pacotes de biscoito, agora estavam preenchidos com comida de verdade, não precisava mais ser obrigada a fazer as refeições, havia recuperado os quilos que perdera. Seu rosto estava dourado pelo sol, deixando a palidez doentia no passado, assim como a apatia. Não poderia dizer que estava absolutamente bem, mas ao menos estava no caminho para isso.

Terminou de preparar a bebida, então encheu duas canecas e as levou para a mesa, se sentando. Observou as costas de Oliver, a camisa branca se arrastando conforme ele mexia o braço, acertando a grande quantidade de ovos mexidos em um prato, então pousando quatro torradas sobre outro. Comeram em um silêncio tranquilo, Oliver se servindo de sua nova bebida favorita, enquanto Ilíria se concentrava no vaso de flores que ocupava o centro da mesa.

Todos os cômodos tinham seus próprios arranjos, e o da cozinha era o favorito de sua mãe, Ilíria fizera questão de trançar as tulipas rosadas e as margaridas do jeito que seu pai fazia, criando um buquê gracioso. Gostava de olhá-las, e agora parecia estranho pensar que por muitos anos elas não estiveram ali, não estavam ali até poucas semanas antes, porque simplesmente não era capaz de juntar coragem o suficiente para visitar a antiga floricultura de seu pai.

Então, um dia, acordou sabendo que precisava ir até lá, e tivera Oliver para lhe dar a coragem que faltava. Ele a deixara chorar, e permaneceu quieto mesmo enquanto ela caminhava pelo lugar, procurando pelas flores que queria. Ele não a interrompera, não a fizera se sentir envergonhada, apenas deixara que Ilíria Saint-Sallow reencontrasse algo que perdera há muito tempo: a paz que só o amor poderia dar a ela.

As flores ainda estavam vivas, o lugar ainda era bonito, a magia de sua mãe protegera tudo. E o seu alívio era tão grande. Compôs um buquê bonito de amor-perfeito e miosótis, e com dificuldade se despediu do lugar, pronta para ir encontrar seu pai.

Quase desistira na entrada do hospital, mas novamente Oliver estava ali, a incentivando a seguir em frente. Andrew Sallow dormia, como todas as vezes em que ela o visitava, e apesar da pontada em seu coração por saber que ele não a reconhecia e que talvez nunca mais conversasse com ele, Ilíria se deu por satisfeita em se sentar ao lado dele, mexer em seu cabelo e falar sobre seus dias. Se isso fosse tudo o que poderia fazer, seria o suficiente.

Quando uma enfermeira apareceu, dizendo que o horário de visitas estava quase se encerrando, a Saint-Sallow desfez o buquê. Trançou as flores em uma pulseira bonita, havia aprendido a fazer isso na infância, e a ajeitou sobre o pulso dele. Uma pessoa comum não entenderia, acharia que o amor-perfeito era a flor dos amantes, mas seu pai adorava se comunicar pelas flores, e ali estava ela, trazendo uma mensagem para ele.

O amor-perfeito significava "penso em você", e ela fazia isso todos os dias, mesmo quando se tornava sufocante. A miosótis era "não me esqueça", a única coisa pela qual Ilíria não se importaria de implorar. Ele poderia não se lembrar, mas estava certa de que ele entenderia o significado por trás daquelas flores. Nas semanas seguintes, os dois voltaram a visitá-lo.

Ilíria sempre seria grata a Oliver pelo que ele trouxera de volta a vida dela.

Todos os Erros - Oliver WoodOnde histórias criam vida. Descubra agora