Jardim dos libertos

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—Se eu precisasse visitar um lugar, você iria comigo? —a pergunta pegou Oliver de surpresa, terminou de mastigar calmamente antes de responder.

—É claro. —Ilíria levou a mão ao rosto, aliviada, mas ele devia ter entendido errado, porque se apressou em completar: —Tudo bem se quiser ir sozinha.

—Não! —protestou rápido demais, nervosa demais. Pensou em ajustar a postura e agir com desinteresse, mas não estava com paciência para isso.

Oliver levou o talher novamente até a boca, comendo seu almoço e dando tempo para que Ilíria bebesse um gole de suco. Esperou até que a menina tivesse vontade de falar mais.

—Nós vamos ao St. Mungus então. —explicou.

Por um segundo o ar pesou entre eles, quando Oliver entendeu o que fariam naquele lugar. Ilíria queria visitar o pai internado, o que não era um problema, exceto que Oliver não fazia ideia de como consolá-la em uma situação como essa. Se perguntou se a Saint-Sallow teria um ataque de fúria, ou então um de choro. Não sabia se Ilíria estava bem, se seu emocional aguentaria qualquer que fosse o golpe.

—Tudo bem. —concordou por fim.

Talvez ela não estivesse pronta, mas não tentaria roubar essa decisão, jamais ousaria dizer não para um pedido como esse. Ilíria vivia isso há quase dez anos, quem poderia julgar melhor para o que estava preparada que não ela mesma? Estava ali para ser um apoio, não para controlá-la.

Quase revirou os olhos ao pensar que, mesmo que dissesse não, ela o ignoraria completamente. Já havia feito isso uma vez antes, em uma partida de quadribol que não deveria estar, onde Adrian foi capaz de entendê-la e Oliver não.

Entretanto, Ilíria não iria se Oliver não a acompanhasse. Quer dizer, iria, mas duvidava que conseguisse atravessar as portas para a Ala Psiquiátrica. Visitar seu pai sempre era difícil, fazia com que se sentisse como uma sombra, alguém cuja existência era nada.

Ele nunca se lembrava dela, e nunca o faria.

Ainda assim, gostava de vê-lo. Gostava de sentar ao lado dele, e conversar mesmo que ele estivesse dormindo. Às vezes ficava em silêncio, em alguns dias sequer se aproximava da cama. Sempre lamentava depois. Para Ilíria, aquilo era uma tortura, e ainda assim um dos únicos sinais de amor que ela conseguia reconhecer.

O resto da refeição foi feita em silêncio, lavaram seus pratos e descansaram por alguns minutos, antes de enfim se ajeitarem para sair. Ilíria usava uma calça escura e outra camisa do Puddlemere (Oliver tinha que lembrar de pedir para ver aquela coleção), os óculos pretos pendiam em seu nariz, combinando com seus cabelos e olhos escuros. As roupas de Wood eram parecidas, exceto pela falta de estampa em sua camisa, o vermelho Grifinória já era chamativo o suficiente.

A Saint-Sallow organizou seus pertences rapidamente, os colocando em uma pequena bolsa preta. Agarrou a chave de cima do móvel, então caminhou para a porta da frente, a destrancando. Oliver a encarou confuso, Ilíria o olhou como se dissesse "o que tem de errado com você?". Não sabia se revirava os olhos ou ria.

—Não vamos pela lareira? —questionou, apontando para a escada.

—Não, preciso ir em outro lugar antes. —seu tom foi simpático apesar de tudo, o tipo de simpatia que apenas as pessoas que não podiam arriscar mais nada conheciam. —E a passagem fica perto daqui.

Durante todos aqueles dias não haviam visitado o mundo bruxo, então sequer ocorreu a Oliver que poderia existir uma passagem por perto. Saíram de casa, fazendo seu caminho pelas ruas trouxas até uma loja fechada, sua frente era um pouco gasta e velha, mas tinha seu charme. Se afastou um pouco, querendo ler o nome do lugar na placa, e demorando a perceber que Ilíria tinha uma chave na mão e destrancava a porta de vidro, logo depois se abaixando para erguer a porta de ferro.

A seguiu para dentro da loja, não tendo tempo para perguntar o que faziam ali ou por que ela tinha a chave, o interior do local lhe roubou toda a atenção. Mesas e vasos estavam por todo o lugar, mas o que o impressionava eram as flores, vivas, brilhantes e cumpridas nascendo em todo canto, como um jardim entre paredes. Com um olhar pode identificar três tons de azul diferentes.

—Era do meu pai. —Ilíria contou, Oliver quase se esticou até ela ao ver aqueles olhos cheios de lágrimas, mas ela estava estranhamente feliz.

Ilíria caminhou em meio as mesas, dando a volta pelo lugar uma e outra vez. Deixando seus dedos correrem pelas pétalas, pelos vasos e pela madeira. Respirando o ar com cheiro doce, o ar que ela desejara de novo durante longos anos.

Wood a observou de longe, vendo as lágrimas descerem por aquelas bochechas quase como se ela tivesse se esquecido de sua presença, mas não importava que tivesse. Lembrou das vezes que a viu criando flores com magia, finalmente entendendo que o que ela fazia era tentar criar algo que suprisse a dor de perder muitas coisas de uma única vez.

Ilíria tinha medo de pisar naquele lugar e destruir o que ele era. Tinha medo de nunca mais encontrar um caminho de volta uma vez que fosse partida pelas lembranças. Conseguia ver perfeitamente seu pai regando as flores com cuidado, sua mãe as enfeitiçando para que não murchassem nunca, e a si mesma pequena, dobrando as plantas em uma coroa.

Lembrou da vez em que seu pai a rodopiou, dizendo que deram a ela o nome de Ilíria, cujo significado era terra dos livres, para que ela jamais deixasse de amar a vida. Mas Ilíria fizera isso, odiara a vida, se tornara a única prisioneira em uma terra de pessoas livres, e enfim encontrava o caminho de volta para a menina que eles criaram.

Chorou com mais força ao lembrar que era amada. Ilíria fora amada desde o dia de seu nascimento, e nunca deixaria de ser. Lembrar disso era a coisa mais libertadora que sentira em toda sua vida, sempre seria.

Todos os Erros - Oliver WoodOnde histórias criam vida. Descubra agora