É estranho como um animal consegue mudar a energia do ambiente de um dia para o outro. Eu estava tão esgotada que duvidava ter dado um sorriso na última semana. A verdade é que o trabalho estava me matando e eu não tinha vida social que compensasse, mas quando aquela dose de felicidade ambulante pulou em mim, foi como se tudo desaparecesse.
Na manhã seguinte eu teria que voltar àquela lanchonete gordurosa e trabalhar arduamente, deixando Francesca sugar até o último centavo do meu salário e o resto de vida que ainda tenho.
Quando mamãe e papai se mudaram para o país, estavam com esperanças de construir uma vida melhor, mas os custos na Europa são muito elevados, principalmente para quem tem filhos pequenos e, não durou muito até que estivessem endividados. Minha tia Francesca, propora então, que em troca de casa e comida eles trabalhariam em seu restaurante até quitarem a dívida, mas ao decorrer dos anos, papai ficou doente e mamãe estava sobrecarregada, então em menos de um mês de diferença, eu perdera os dois.
Desde os doze anos venho trabalhando para ela, fazendo milhares de tarefas sem descanso. Quando fiz treze anos decidi largar a escola, sem deixar com que ela soubesse, e comecei a trabalhar com faxina. O que ajudou muito pois, logo consegui guardar um dinheiro, que seria bem utilizado depois que fizesse dezoito e fosse expulsa da casa de Francesca, minha guardiã legal na época.
Uma amiga com mais condições me apresentara a um parente de bom coração que vivia viajando e, tinha uma casa bela e mobiliada, mas que não visitava por trazer diversas memórias da mãe falecida. Então fui contratada para cuidar da casa e manter tudo em ordem, em troca eu poderia morar nela.
Foi de grande ajuda, já que devia mais do que podia pagar e precisava quitar essa dívida que me mantinha presa à minha tia. Além disso, eu tinha sonhos, queria fazer um curso e terminar o ensino médio. Pretendia guardar dinheiro e quem sabe, conseguir fazer uma faculdade de artes.
Jamais seria como Van Gogh, mas eu tinha jeito com o pincel! Sonhava grande com uma tela em branco e vivia distraída com meu mp3. Mas há meses tenho deixado as telas de lado, sem criatividade alguma.Talvez eu só deva desistir de sonhar, afinal, pode ser que nunca venha a quitar essa dívida que tem tantos juros...
Um latido me fez voltar a realidade e olhei para o cãozinho que acabara de acordar. Ele ficava me olhando animadamente, com o rabo balançando por debaixo da mesa.
— Você está com fome? — Fiz carinho em sua cabeça e ele mordeu carinhosamente minha mão, como se quisesse puxá-la. — Acho que sim — ri e tomei meu último gole de café.
Me levantei e coloquei a louça na pia, depois servi a ração para o pequeno que rodeava minhas pernas como um gato.
— Vou me arrumar e logo volto — avisei como se a qualquer momento ele fosse me responder.
Vesti o uniforme amarelo, vermelho e azul e coloquei meu crachá escrito "Brianna" ao lado esquerdo do peito. Prendi o cabelo em um coque alto, não deixando nenhum fio castanho sair do lugar. "Eu quero excelência e perfeição" era o que Francesca dizia.
Calcei os sapatos vermelhos e passei protetor solar no rosto, um blush e gloss para ficar apresentável, como ela exigia.
Quando terminava de colocar uma blusa, vi que alguém me observava da porta e sorri instantaneamente.
— Tudo bem, está na hora de ir — confirmei depois de olhar o relógio em meu pulso. Eram seis e dez da manhã, eu deveria estar lá em vinte minutos.
Saí pela porta e o pequeno veio atrás de mim pela rua. Ele me acompanhou até a esquina do trabalho e eu me despedi com um beijo no seu focinho, o que me rendeu uma lambida no rosto. Atravessei a rua e dei uma última olhadinha para trás, o animal estava lá parado com a língua de fora. Dei um aceno com a mão feito uma boba e entrei no estabelecimento.
— Está atrasada! — repreendeu Francesca.
— São seis e vinte e cinco — retruquei em tom baixo.— Não no meu relógio – falou. — E você sabe que é no meu relógio que se baseiam para ajustar o Big Bem. — Ela saiu a passos firmes.
Um nó se formou em minha garganta, eu queria tanto retrucar... Mas permaneci calada, não queria dar motivos para ela me dar punições, como tirar os chicletes das mesas.
— Ela fica cada vez mais insuportável — sussurrou Lara, minha colega de trabalho e amiga.
— Nem me fala — suspirei. — Como você está? — perguntei enquanto pendurava a bolsa em um dos ganchos na área destinada aos funcionários.
— O melhor que poderia estar às seis da manhã de um sábado.
Lara colocou os braços sobre o balcão e apoiou a cabeça neles. Sorri como forma de compreensão e apertei seu ombro em apoio.
Lara era minha amiga há sete anos, desde que tínhamos quinze. Ela sempre foi mais leve, alegre e rebelde do que eu, que era seu extremo oposto em quase tudo. É engraçado pensar que somos amigas agora e em como ela é essencial em minha vida. Sabendo que se nos conhecêssemos hoje, certamente não nos daríamos bem pelas nossas diferenças. E também pensar em como o nosso crescimento na questão de amizade e maturidade contribuiu para que fossemos tão boas amigas.
Lara é o extremo oposto de mim em aparência também. Com seu cabelo ruivo e olhos azuis, baixinha e com um corpo muito bonito, dona de um sorriso cativante e enormes bochechas rosadas, que me fazem lembrar de uma princesa da Disney.
— Você pode atender? — perguntou apontando para um cliente que acabara de sentar na mesa. — Preciso arrumar esses talheres e colocar os números nas mesas.
— Claro!
Peguei meu bloco de notas e fui atendê-lo. O homem de idade avançada sorriu quando me viu chegar e eu retribui.
— Como posso servi-lo hoje senhor? — perguntei amavelmente.
— Bom dia querida! Bom, eu acho que vou querer um café forte e dois bolinhos de mirtilos para a viagem, por favor! — Ele olhou no meu crachá. — Senhorita Brianna.
— Tudo bem, só um minuto e já trago — sorri e fui para o balcão.
Coloquei o café para fazer enquanto pegava os bolinhos e os colocava num saco de papel, depois peguei uns cookies e coloquei em outro saco, coloquei a tampa no copo de café e fui entregar para o gentil senhor.
— Espero que goste — sorri. Cheguei mais perto e sussurrei como se fosse contar um segredo. — Coloquei uns cookies para o senhor, eles estão especialmente gostosos hoje, por conta da casa!
O velhinho sorriu e deu um beijo na minha mão.
— Muito obrigado querida, tenho certeza de que minha esposa irá adorar! — Ele me entregou o pagamento do seu pedido. — Sabe, ela estava muito cansada para vir comigo hoje, tenho certeza de que esses cookies vão alegrar o dia dela.
— Um excelente dia para o senhor e sua esposa, espero que volte logo!
— Irei. — Ele sorriu. — Até mais querida.
Ele passou pela porta e pude ver que o meu pequeno companheiro ainda estava sentado no mesmo lugar. Pedi licença à Lara e saí pela porta dos fundos e chamei o cachorro, dando-lhe um pedaço do meu sanduíche. Ele veio correndo e abocanhou a comida. Depois dele mastigar, me abaixei e fiz carinho em sua cabeça, o mesmo pulou no meu colo e começou a brincar distraidamente com o meu crachá.
Eu pensei que fosse uma brincadeira inocente, até ele morde-lo e puxá-lo com força, soltando-o do meu uniforme, por fim saiu correndo pelas ruas de MoonLight City.
— Droga, volte aqui! — gritei indo atrás dele.
— Brianna! — gritou minha chefe. — Volte já para dentro, você não está no seu horário de intervalo! — esbravejou. — Aliás, a privada não se desentupirá sozinha.
Revirei os olhos e voltei para dentro.
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𝙏𝙞𝙩𝙖𝙣, 𝙤 𝙘𝙖𝙘𝙝𝙤𝙧𝙧𝙤 𝙘𝙪𝙥𝙞𝙙𝙤
ChickLitUma visita inesperadamente fofa e peluda aparece à porta de Brianna, com a língua de fora, olhos brilhantes e em busca de carinho. Curiosamente ela decide cuidar de seu novo amiguinho. Até que o nome e endereço do cachorro aparecem escritos na colei...