🐾DOIS🐾

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Depois de um dia cansativo de trabalho, peguei minha bolsa e fui para casa andando. No caminho observei a bela escultura que ficava na praça da cidade, uma lua imensa.

O fato é que, o nome da cidade não é muito diferente de sua história. De acordo com os registros, por volta de mil e oitocentos um explorador chamado Notting Coweel, descobriu uma enorme quantidade de prata que formava uma esfera perfeita. Ele ficou tão feliz que decidiu fazer uma casa por ali para poder escavá-la. Foram anos de segredo e escavação, depois ele pediu ajuda dos primos e eles moveram a pedra até uma rocha e a colocaram em cima dela, desde então a família Coweel se estabeleceu na cidade. Milhares de viajantes e  nobres vinham para ver a lua de prata, de pouco em pouco a cidade foi se formando e logo Notting intitulou a cidade como MoonLight. No decorrer dos anos o City foi adicionado ao nome, passando a significar Cidade ao luar.

Tem também uma história fantasiosa, baseada no ditado de que quando a lua está cheia, vira inspiração para os namorados. Dizem que um casal apaixonado combinara de fugir por não serem aceitos, porém se perderam um do outro na floresta e a meia noite quando a lua estava cheia e o céu límpido, o reflexo da lua bateu na prata, fazendo uma lanterna para o amor ameaçado. Seguindo a luz, o casal conseguiu se encontrar e unificaram a sua união ali.

A cidade recebe muitos visitantes pela história extremamente romântica, o que fez o prefeito investir e colocar várias lâmpadas e iluminações na praça, junto com bancos brancos de madeira e carrinhos de sorvete e pipoca. A cidade parecia estar sempre no Natal, por ter tantas iluminações e uma vez ao ano, no dia dos namorados, é feito um cinema ao ar livre na praça para toda a família, mas principalmente para celebrar o amor.

A cidade sempre me encantou, isso é um fato, pois ela estava continuamente iluminada e contente, e isso me aliviava.

Abri o portão de casa e depois a porta, mas não havia nenhum sinal do pequeno ladrão de crachás. Isso doeu no coração, porque no fundo eu esperava que ele voltasse e fosse meu hóspede por pelo menos mais uma noite. Tomei um banho bem quente e fui preparar o jantar: macarronada. Eu precisava ir ao mercado, mas ainda não havia recebido o salário da última faxina, portanto era macarrão ou ervilhas congeladas e bolachas de sal.

Me sentei na frente da televisão com o prato ainda saindo fumaça e dessa vez me contentei com um canal de filmes antigos. A minha regra da vida, nunca é demais assistir "O Carteiro e o Poeta". E o melhor é  que a linguagem original é em italiano, minha língua natal!

Por volta das nove da noite, quando o filme havia acabado, escutei um uivo fraco do lado de fora de casa. No início achei que poderia ser o cachorro do vizinho, mas quando patinhas persistentes começaram a arranhar a porta eu tive certeza, o pequeno havia voltado.

Abri a porta com um sorriso enorme no rosto, e o cachorro rodeou minhas pernas e depois ficou de pé apoiando as patas da frente na minha barriga, abracei-o assim, meio desengonçada. Ele lambeu o meu rosto e eu dei um beijo no seu focinho, finalmente feliz pela companhia.

Fiz carinho em seu corpinho e logo notei uma diferença, uma coleira verde contrastando com o pelo caramelo. Havia uma plaquinha dourada com o nome Titan e um endereço no verso. Olhei para o cachorro tristemente.

— Você tem dono... Titan.

Ele se sentou à minha frente, como se quisesse conversar. Peguei meu celular e busquei o endereço no Google, era um apartamento no centro da cidade. Olhei novamente para o pequeno que agora eu sabia o nome, Titan.

— Parece que vou ter que te levar para casa.

Ele uivou baixinho, pulou no sofá e colocou a cabeça embaixo de uma almofada. Eu ri.

— Tudo bem, amanhã.

Me juntei a ele no sofá, aproveitando os nossos últimos momentos juntos. Antes de dormir lhe servi uma tigela de ração e depois ele pulou na minha cama e dormiu nos meus pés.

Devo admitir, fazia muito tempo que eu não dormia tão bem assim.

🐾

Lambidas no rosto me fizeram despertar sorrindo.

— O que foi garoto? Quer ir ao banheiro ou está com fome? — perguntei me levantando da cama e colocando as pantufas.

Titan saiu andando com seu rabinho balançando e eu o segui, ele parou sentado na frente da porta de casa, a abri e ele saiu correndo urinar no quintal. Eu ri da cena.

Voltei para dentro e comi bolachas de sal com uma xícara de café, depois fui me vestir. Coloquei uma calça jeans, um casaco grosso, botas e gorro. Era um domingo frio. Olhando Titan, fiquei com um pouco de pena e enrolei um cachecol em seu pescoço e o prendi na coleira.

Cachorros também sentem frio!

Ele me acompanhou até seu lar, um prédio de tijolos vermelhos de quatro andares. Não precisei tocar o interfone, pois uma senhora saiu no instante em que cheguei e deixou a porta aberta para mim. Titan e eu entramos, procurei pelo apartamento nove, no último andar. Bati na porta vermelha várias vezes, mas ninguém atendeu. Busquei papel e caneta que ficavam ao lado de um telefone na entrada do prédio e escrevi um bilhete.

"Seu cachorro está comigo, não te encontrei em casa e além de estar muito frio, não sei se ele vai ficar aqui na porta se eu deixá-lo..."

Educado e direto?

— Talvez eu deva colocar meu endereço também, né? — Olhei para Titan e ele uivou. — Verdade, não posso dar meu endereço a um desconhecido...

Me sentei ao lado da porta, decidida a esperar o dono de Titan. A senhora do apartamento sete saiu e deu de cara com nós dois na frente da sua porta.

— Olá seu danadinho! — falou pra Titan que pulou em seu colo.

— Oi... — A cumprimentei e me levantei — Sou Brianna.

— Olá querida, sou Ruth — respondeu sorridente e atenciosa.

— Titan escapou, não sei se o dono dele está preocupado, vim trazê-lo mas não tem ninguém em casa...

— Ahh — Ela riu. — Ele deve ter ido trabalhar, é um jovem dedicado sabe? Mas você quer deixar esse sapequinha aqui até o dono vir buscá-lo?

— Seria perfeito, se a senhora não se incomodar...

— Não, de forma alguma, Titan é um cachorro muito dócil!

— Sim, é  mesmo. — Me abaixei e fiz carinho em sua cabeça, então ele a deitou em minha mão. — Bom... Muito obrigada dona Ruth...

— De nada querida, sempre que precisar.
Escrevi no final do bilhete "Deixei Titan com a Dona Ruth, espero que não se importe". Me despedi de Titan com um aperto no peito e agradeci mais uma vez a dona Ruth.

Novamente na rua, fui para casa melancólica.

𝙏𝙞𝙩𝙖𝙣, 𝙤 𝙘𝙖𝙘𝙝𝙤𝙧𝙧𝙤 𝙘𝙪𝙥𝙞𝙙𝙤Onde histórias criam vida. Descubra agora