🐾DEZESSETE🐾

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- Não acredito que você finalmente vai bater de frente com a bruxa da sua tia. - Lara comentou animada.

Havia menos de dez minutos que eu entrara no estabelecimento e ela já me atacara com as milhares de perguntas curiosas.

- Eu não vou "bater de frente" - fiz aspas com as mãos - com ela, apenas vou apresentar a minha demissão.

- Dá na mesma amiga, ela não vai encarar bem, e você sabe disso.

Não precisava de muito para adivinhar isso, mas dessa vez eu esperava que fosse minimamente diferente.

Lara se sentou ereta sobre a cadeira atrás do balcão e olhou fixamente para frente, sua pele pálida ficou num tom rosado - situação que eu nunca vira acontecer antes - e ela piscou rapidamente antes de se virar para mim com os olhos arregalados, numa tentativa de pedir socorro.

Olhei para o recém-chegado, um homem com cerca de um metro e oitenta, pele morena clara, barba por fazer e cabelo aparado, sentara numa mesa perto ao balcão e certamente desestabilizara as estruturas da minha melhor amiga tagarela.

Retornei o olhar para a ruiva que começava a voltar para seu tom normal e sorri de canto.

Lara namorava John a cerca de um ano, os dois passavam mais tempo separados do que juntos, mas eu nunca vira ela reagir com tamanho descontrole perto dele, era parecido como nos filmes, quando a troca de olhares é rápida, porém intensa e mesmo assim os personagens se apaixonam a primeira vista.

- Você devia ir atendê-lo - comentei, fingindo descaso - estou ocupada demais organizando esses sachês de molho por ordem de cor...

O homem que lia o cardápio voltou seus olhos para nós, esperando o atendimento.

- Só um minutinho, minha amiga já está indo atendê-lo... - ele assentiu com a cabeça e sorriu, agradecendo. Logo voltou seus olhos para Lara e desviou rapidamente para o cardápio.

- Você me paga - cochichou antes de ir em direção ao belo rapaz.

- Tecnicamente você me deve mais, então considere como um acerto de contas - devolvi no mesmo tom e ela me olhou brava.

Me sentei na cadeira vazia atrás do balcão e a observei chegar perto da mesa dele com certo receio. Lara colocara uma mecha do cabelo ruivo para trás da orelha e pegara seu bloco de notas com caneta do bolso do uniforme. Antes mesmo de perguntar, o homem ergueu seus olhos para ela e sorriu, educadamente. Novamente minha amiga atingira um tom carmesim e eu segurei o riso, achando a reação fofa. 

Ela gaguejou na primeira frase, mas logo pigarreou e retornou a sua postura natural de durona. 

O rapaz me olhou rapidamente com um sorriso no rosto, perante a reação da minha amiga, e eu desviei o olhar para os sachês de molho que eu brincava distraidamente aproveitando o entretenimento. Lara voltou dois minutos depois desviando a todo custo do meu olhar acusador.

- Parece que você está com sintomas de "câncer" - me referi à sua própria análise quando tentava me explicar sobre o amor dias antes, sorrindo.

- Não exagera, eu tenho namorado. - resmungou ainda desviando o olhar do meu.

- Vocês nem são namorados de verdade, só se encontram em datas comemorativas.

- Ele é ocupado...

Busquei o olhar de Lara com a expressão "é sério que você está tentando mentir para a sua melhor amiga com essa desculpa esfarrapada?!" e ela revirou os olhos.

- Tá bom, talvez eu tenha me acomodado, você sabe que eu nem ligo para esse relacionamento. Acho que só estamos juntos ainda porque esquecemos de terminar. - revirou os olhos, confessando.

- Acho que agora você tem um motivo para lembrar de fazer isso - indiquei o homem com o olhar e ela riu.

- Você é uma boba mesmo. O seu não-namorado Levi está te influenciando com toda aquela auto-confiança dele.

- Meu namorado Levi - a corrigi e a mesma fez uma expressão chocada.

- Você não ia me contar? Sua ingrata, eu tive um pouquinho de participação nesse lance de cupido para ajudar a juntar vocês dois... - eu ri do seu drama e tentativa falha de mudar de assunto.

- Depois conversamos sobre isso, vai logo levar o café daquele homem!

Ela hesitou um pouco, mas logo pegou o café quente e foi servi-lo.

O homem sem nome permaneceu ali por uns vinte minutos até se levantar e vir ao balcão pagar a conta. Como eu estava no caixa na hora, não tive a oportunidade de dar uma desculpa boba para trocar de lugar com Lara.

- Muito obrigada senhor, e volte sempre! - entreguei o troco.

Lara o observava discretamente enquanto enxugava alguns copos.

O rapaz que saia pela porta voltou dois segundos depois e me perguntou se eu tinha uma caneta, a entreguei, confusa, e ele foi na direção da minha amiga e pegou na mão livre dela, que repousava sobre o balcão.

Sem dizer nada, o homem escreveu algo na mão dela, a olhou por alguns segundos, sorriu e foi embora, deixando minha amiga completamente atônita e paralisada.

Curiosa, observei por cima do ombro dela e na mão, escrito desleixadamente com caneta preta, estava o número e o nome do rapaz.

- Tyler Miller... - pronunciei perto do ouvido da minha amiga com um tom instigante. - Parece que você tem o nome do seu futuro marido.

- Ah, para, eu nem vou ligar - ela estava visivelmente desconfortável.

A deixei com o seu dilema de "ligar ou não ligar?" e fui limpar a mesa do rapaz. Pelo canto do olho observei quando discretamente Lara tirou uma foto da sua mão antes de lavá-la e eu segurei o sorriso.

Era estranha a nossa situação, parecia que uma onda de romance atingira nossas vidas de repente.

Francesca chegou com óculos de sol e toda coberta por um sobretudo preto, ela exalava luto, mas ninguém havia falecido. Esperei um pouco, hesitante de conversar com a mulher que passou sem mencionar uma palavra de desacato contra mim, mas cerca de meia hora depois Lara me empurrou contra a porta do escritório.

A porta que não estava trancada foi escancarada rapidamente e embaixo da janela estava Francesca sem o sobretudo e com o rosto inundado de lágrimas. Nos seus braços haviam manchas roxas, no canto da sua boca a base da maquiagem dissolvia em resultado das lágrimas e outra mancha se tornava visível.

- VOCÊ NÃO SABE BATER NA PORTA GAROTA?! - gritou em meio a soluços e limpou o rosto com as mãos.

Me aproximei em passos cautelosos como se estivesse diante de um animal selvagem machucado que poderia me atacar a qualquer instante e sentei no chão ao seu lado. Do meu bolso do uniforme retirei um guardanapo e estendi para ela, que demorou a aceitar.

Francesca estava em silêncio, algo que eu nunca vira antes, pelo menos não por muito tempo.

Sons de soluços e um choro abafado preencheram o ambiente. 

Me arrisquei por um instante e a puxei para um abraço.

Contra o meu peito, Francesca chorou, chorou muito.

Afaguei seus cabelos enquanto ela desabava sobre meus braços. Eu nem sequer conseguia imaginar o que acontecera com ela, mas de uma coisa eu sabia, segredos mais sombrios rondavam o coração daquela mulher e eu deixaria nossas diferenças de lado, precisava ajudá-la.

𝙏𝙞𝙩𝙖𝙣, 𝙤 𝙘𝙖𝙘𝙝𝙤𝙧𝙧𝙤 𝙘𝙪𝙥𝙞𝙙𝙤Onde histórias criam vida. Descubra agora