🐾DEZ🐾

1.2K 171 43
                                        

No dia seguinte, eu voltei ao trabalho no horário de sempre. Lara estava distraída com uma revista e nem me viu chegar. Guardei minhas coisas no gancho com o meu nome embaixo e, ao lado dele tinha um bilhete com coisas a serem feitas, deixado por Francesca.

Aquele dia ela ficaria fora, mas jamais deixaria de dar as ordens. Minha vida era parecida com a da Cinderela ou era só uma coincidência?

Comecei trocando os lixos e esvaziando a despensa. Depois eu teria que jogar fora os produtos vencidos e organizar tudo novamente nas prateleiras, por ordem de data de validade. Instruções bem claras diziam que eu deveria limpar seu escritório sem tirar nada do lugar, o que era um desafio. Depois limpar as janelas, mesas e piso.

Tudo normal.

Comecei os trabalhos pelo escritório, pois eu sabia que lá estaria uma zona, era capaz de Francesca picar os papéis e jogar no ar só para eu ter que juntar um por um depois. E eu não estava errada.

O carpete vermelho desbotado estava cheio de manchas de lama, sucos e comida. Os vidros, cheios de marcas de dedos e cocô de passarinho. A sala cheirava a cigarro. A mesa de madeira que ficava ao centro estava abarrotada de papéis e a cadeira (a qual um dia fora preta) que a acompanhava estava... SUJA.

Enfim, uma bagunça imunda.

Limpei e abri as janelas e os armários primeiro, aquele ambiente precisava de um ar. Depois organizei os papéis e os coloquei em uma pasta, tirei o pó e o lixo, passei aspirador no chão e por último, me concentrei em tirar aquelas manchas do carpete e da cadeira.

Cerca de duas horas depois estava tudo limpo, e eu rezava para que permanecesse assim, porém, minhas preces seriam em vão.

Preparei a solução com água e limpador de pisos e coloquei em um balde e preparei outra com água e sabão para as janelas.

Quando estava levando os baldes para o ambiente de clientes ouvi:

— Desculpe, ela ainda não chegou, mas se quiser esperar, ou que eu avise que esteve aqui... — Era a voz de Lara.

Pensei que era alguém à espera de Francesca, até ouvir a voz e a resposta.

— Não não, tudo bem, eu ligo para ela depois...

Andei mais depressa e ainda confusa pela intenção de sua presença ali, o chamei.

— Levi? — Soltei os baldes no chão e tirei as luvas da mão.

Ele se virou surpreso e sorriu.

— Bri Bri, achei que não estava aqui...

— Eu estava lá nos fundos — respondi e me virei para Lara que observava a situação com interesse — Aliás, bom dia amiga! Estou aqui a mais de duas horas e você não notou.  — A provoquei.

— Estava lendo meu horóscopo — justificou. — Ele disse que eu iria conhecer o amor da minha vida hoje, isso significa que o John e eu estamos perdendo tempo — continuou com suas teorias. — Mas parece que li o seu por engano... — piscou para Levi que sorriu em cumplicidade.

O Levi, amor da minha vida? Esses horóscopos são bem exagerados!

— Então... — Me virei para Levi ignorando os olhos atentos de Lara. — O que faz aqui?
— Vim te dar bom dia, não posso? —  Ele ergueu a sobrancelha.

— No meu horário de trabalho?

— Tem hora melhor?

— Pare de responder minhas perguntas com perguntas!

— Pare de ser chata e venha me dar um beijo!

Semicerrei os olhos e cruzei os braços, estava pronta para levar aquela disputa a diante quando minha saia do uniforme foi puxada levemente por uma boca canina.

— Titan! — sorri e me abaixei para ficar na sua altura. — Bom dia pequeno. — Ele me abraçou com as perninhas e eu fiz carinho atrás de sua orelha e nas costas.

O pequeno usava um cachecol verde no pescoço, o meu cachecol, e estava uma graça.

— Aí amiga, se eu fosse você beijava o cachorro e o gato, quem perde tempo se arrepende!

Olhei brava por cima do ombro para Lara que comentava com descaso.

— Lara, você pode fazer um café com açúcar e chantilly para mim enquanto eu falo com o dono deste cachorro fabuloso, por favor? — falei distraidamente enquanto acariciava Titan.

— Só se for agora!

Ela levantou da banqueta com um entusiasmo impressionante e foi preparar o café. Andei até uma mesa e Levi me acompanhou.

— Ah, eu já ia esquecendo, isso é para você! — Me estendeu uma margarida amarela.

— Por qual motivo? — perguntei aceitando-a.

— Pare de ser tão desconfiada de tudo mulher — provocou. — Eu tenho que conquistar minha futura esposa de um jeito ou de outro né?!

Eu ri e senti o cheiro da linda flor. Deixando para contrariá-lo depois, apenas aproveitei a sua breve companhia.

— Com licença... — Aguém tocou no meu ombro.

Voltei a minha atenção para o dono daquela mão envelhecida e calejada, provavelmente de trabalhos pesados durante sua longa vida, e sorri o reconhecendo de imediato.

— Ah, olá! Como vai o senhor? — perguntei animada e me levantei para cumprimentá-lo com um aperto de mão.

— Muito bem querida — beijou as costas da minha mão. — Emely, é essa a senhorita que lhe enviou os cookies que você adorou.

Uma senhora, de cabelos brancos encaracolados, suéter estampado e calças claras, tinha a feição serena e corada de frio, além de um belo sorriso.

— Sério? É um prazer conhecê-la! — Me deu um abraço caloroso. — Héber não via a hora de te apresentar para mim, ele disse que conheceu uma bela moça com um dos corações mais bonitos que já vira, e eu como a curiosa que sou, tive que conhecê-la também.

— Fico muito feliz que o senhor tenha voltado! E é uma honra conhecê-la! Seu marido me falou muito da senhora e eu estava ansiosa para conhecer a mulher que faz ele se apaixonar cada dia mais...

— Ah. — Ela sorriu e apertou carinhosamente o braço do marido. — Ela é um amor mesmo!

Eu sorri, encantada com aquela prova do tempo e amor. Aquele casal era de se inspirar e eu já estava completamente apaixonada por Héber e Emely.

— Você é o moço das flores né? — Emely se virou para Levi.

— Flores? — perguntei antes que ele respondesse.

— Sim, posso me sentar?

— Claro!

Puxei a cadeira para que ela se sentasse e Héber se sentou ao seu lado, me sentei ao lado de Levi e a adorável senhora continuou sua narração.

— Tinham dois irmãos órfãos aqui pertinho, eles estavam vendendo margaridas amarelas para poder pagar a pensão em que estavam morando e comprar comida. Eu e Héber íamos comprar algumas, para ajudá-los, quando este belo rapaz — apontou para Levi — esvaziou a carteira e deu todo o seu dinheiro para os meninos, que foram embora saltitantes e com lágrimas nos olhos. Depois ele se virou e distribuiu as flores para as pessoas que passavam na rua, inclusive para mim — sorriu. — Vocês dois tem belos corações, não me admira que sejam namorados.

Eu estava perplexa demais para responder. Alguém que sempre usava de motivos supérfluos para se justificar (como por exemplo: o motivo de ele me dar a flor era para me conquistar) estava somente encobrindo suas verdadeiras ações, suas belas ações, as quais teriam me conquistado de primeira se eu soubesse antes.

— Nós ainda não somos namorados...

𝙏𝙞𝙩𝙖𝙣, 𝙤 𝙘𝙖𝙘𝙝𝙤𝙧𝙧𝙤 𝙘𝙪𝙥𝙞𝙙𝙤Onde histórias criam vida. Descubra agora