Pensando no... Bonitão da casa de tijolos...

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Inglaterra, Londres, 17 de dezembro, dias atuais.

O BRAÇO DE Lena doía de tanto sacudir o sino. Ao olhar discretamente para o relógio, ela se deu conta de que já estava tarde, de que era hora de voltar para casa, ainda mais considerando que a rua residencial já estava quase deserta.

Havia escolhido este ponto diante da biblioteca em uma elegante vizinhança. Tanto pela segurança quanto pela perspectiva de um bom lucro. Apesar da relativa segurança da região, ela sabia que ficar até tarde em qualquer lugar poderia ser arriscado. Além do mais, a biblioteca havia fechado há quase uma hora, e não havia mais quase nenhum pedestres na rua, minimizando a possibilidade de doações.

Ela pegou o pote de doações, pretendendo deixa-lo no pequeno escritório ao qual a biblioteca tivera a generosidade de lhes oferecer acesso. Ao fazê-lo, avistou um homem do outro lado da rua. Ele estava escondido nas sombras da escadaria de acesso à casa de tijolos.

Por um instante, ela se perguntou se não seria o mesmo homem atraente que ela havia visto antes, mas ele permaneceu nas sombras, o que a deixou intranquila. Com a chave que a bibliotecária lhe fornecera, ela abriu a porta, entrou e a trancou atrás de si. Movendo-se rapidamente, ela guardou as doações da noite e o pote em um local seguro. Pegando a bolsa na gaveta da escrivaninha, caminhou de volta até as portas de vidro da entrada principal da biblioteca.

Ainda ligeiramente enervada pelo homem nas sombras, ela vasculhou os arredores em busca de qualquer sinal dele. Não viu nada. Quando um carro de polícia se deteve perto da porta da biblioteca, ela foi embora, seguindo na direção da London Eye e da Waterloo a linha de metrô que a levaria para casa, em seu pequeno apartamento em Westminster.

Ao caminhar, ocasionalmente olhava por sobre o ombro, atenta, mas tudo parecia em ordem e ela resolveu considerar o homem nas sombras como um produto de sua imaginação. Talvez fosse apenas vontade de dar outra espiada no bonitão que saíra da luxuosa casa de tijolos, um pouco mais cedo, naquela mesma noite.

Controle-se, Lena. Qualquer um com uma aparência daquelas e que more nesta região cara é areia demais para o seu caminhão. Pensou. Estava mais acostumada a refrigerante e salgadinhos, não champagne e frutos do mar. Tal pensamento fez com que seu estômago roncasse, lembrando-a que ela não comera nada desde antes do início de seu turno como Papai Noel.

Sua boca salivou ao passar por um restaurante mexicano. Embora fosse britânica, poderia comer comida mexicana todos os dias da semana, mas, como ainda demoraria, a vasilha de seu burrito favorito já estaria congelada quando chegasse em casa. Sem falar que estava tentando perder alguns quilos, para compensar os que certamente ganharia graças a todas as festas e refeições natalinas que ainda estavam por vir. Seus quadris já estavam arredondados demais para aguentar o peso extra.

Pra mim hoje só uma refeição pré-congelada de baixa caloria, pensou ao passar pela catraca da estação do metrô e seguir às pressas para a plataforma. Havia alguns outros passageiros aguardando lá. Pelo jeito, trabalhadores de alguma empresa, que ficava ali perto.

Com uma enorme lufada de ar que se aproximava lentamente pelo túnel e o tremor sob seus pés, o trem subterrâneo anunciou a sua chegada iminente. O apito estridente e o silvo dos freios incomodaram seus ouvidos antes que o trem se detivesse na estação.

Ela subiu a bordo, e logo estava a caminho de Westminster. A área havia se tornado nobre há vários anos, embora o apartamento de Lena ficasse a alguns quarteirões dali.

O pequeno apartamento era perfeito para ela. Era um bom investimento até obter sociedade e talvez encontrar alguém e se estabelecer com uma casa e filhos nos bairros elegantes mais afastados do centro. Uma vida previsível, mas, por outro lado, a previsibilidade se adequava à natureza dela.

Sempre havia sido a garota perfeita. Aquela em quem todo mundo confiava para ser estável e responsável. Talvez outras pessoas achassem isso maçante, ela considerava tranquilizador.

Inglaterra, Westminster, Casa da Lena, 17 de dezembro, dias atuais.

LEVOU 15 MINUTOS para alcançar sua parada e outros dez até estar colocando a chave na porta de seu apartamento.

Ao abrir a porta, foi recebida por um miado familiar.

Seu gato preto, Ringo, a aguardava ansiosamente lá dentro. Quando ela entrou, o gato miou mais uma vez e lhe deu as boas-vindas enroscando-se sinuosamente em suas pernas.

Lena curvou-se, pegou o gato no colo e o abraçou bem apertado, o que lhe rendeu um rosnado de protesto. Ela soltou o animal, que a seguiu até a cozinha.

A vasilha de cerâmica alegremente enfeitada com a palavra "Ringo" estava vazia. Sem dúvida era este o motivo para as boas-vindas tão entusiásticas.

Lena encheu as duas vasilhas antes de colocar o jantar congelado no micro-ondas e vestir um moletom quente e confortável.

Depois, abriu o sofá-cama na sala de estar e ligou a TV. O noticiário do final da noite estava passando, mas ela mudou de canal até encontrar uma reprise de um de seus dramas policias favoritos.

Algo a respeito da eterna luta entre o bem e o mal sempre a intrigara. Fora por isso que havia se tornado advogada. Embora um ano no escritório do promotor público houvesse lhe mostrado que se enganara ao tomar tal decisão. Depois de entrar em acordo em mais casos do que gostava de se lembrar, havia optado por continuar sua carreira em uma firma de advocacia onde, pelo menos, sabia o tipo de pessoas que estava representando.

O micro-ondas apitou, despertando-a de seus pensamentos.

Como fazia todas as noites em que não estava trabalhando até tarde, ou saindo com um colega para comer alguma coisa, Lena pegou o seu jantar e se acomodou sob as cobertas de sua cama. Ao comer, metade de sua atenção estava dirigida ao programa de TV e metade se voltava para o homem que havia visto antes.

Enchendo o garfo com um pouco de macarrão com queijo de baixo teor calórico — traduzindo: pouco saboroso —, ela procurou entender por que ele ficara tanto tempo em sua cabeça. Não costumava deixar se levar por um rostinho bonitinho. Era sensível demais para isso.

Talvez houvesse sido a fúria na escuridão, o olhar fulminante que ele lhe lançara. Cheio de raiva e até dor.

Quanto melodrama! Lena zombou de si mesma. Apesar de sua natureza normalmente sensível, sempre havia sido um pouco sonhadora, devorando inúmeros romances literários e assistindo a dezenas de filmes de amor. Sem dúvida nenhuma, a advogada durona que ela apresentava para o restante do mundo, tinha o seu lado mole.

A advogada durona que passava horas demais no escritório, o que não lhe dava muito tempo para uma vida social.

Se Lena fosse ser sincera consigo mesma, estava aí o verdadeiro motivo de seu fascínio pelo desconhecido. Há muito tempo que não tinha ninguém além de seu gato para lhe aquecer os lençóis.

O gato pulou para a cama e se acomodou nos pés de Lena, afofando o local com as patas e circulando a área até ter certeza de que achara um ponto confortável para se deitar. Um ronronar de contentamento logo vibrou pelas pernas de Lena, e ela sentiu algo quente sobre seus pés.

Um substituto triste e inadequado para o calor rijo do corpo de um homem.

Lena terminou sua refeição e se afundou nos travesseiros, tomando cuidado para não desalojar o gato e verificando mais uma vez se o alarme estava ligado. Caso visse o homem atraente amanhã, talvez fizesse algo para mudar a sua atual situação.

Me Ame Intensamente |Justin Bieber|Onde histórias criam vida. Descubra agora