vinte e quatro

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É isso mesmo, estou de volta.


Assim que chegamos em Cleveland, o primeiro lugar que vou é ao hospital de Marymount.

Certo, não é absolutamente verdade. Desembarcamos às onze da noite então eu não conseguia não pensar em banho. Acabei cochilando na banheira do apartamento e, a passos grogues, me arrastei para a cama só despertando no dia seguinte em um salto.

A ansiedade de rever minha mãe me fez correr do Ontario Plaza sem nada no estômago. Afinal, quem tem tempo para isto?

Depois de quase três semanas, minhas palmas formigam na medida que me aproximo do hospital. É surpreendente o tamanho de saudades que transborda de mim, apesar de tudo. Só em pensar que vou tocar em sua pele delicada e fria novamente um sorriso brinca no canto dos meus lábios quando eu desço do táxi.

Também me certificaria da confiabilidade de Liam, ainda não estou muito crente do quão sincero ele é comigo.

O humor tenuamente agradável – tão firme quanto uma folha de seda - se desfaz assim que eu a vejo, depois de abrir a porta do quarto.

Ela está ali.

Finalmente ela está ali. De pé. Em carne e osso. E roupas de lã.

Magra e pálida e insossa.

Quando ela se dá conta da porta aberta, vira os tornozelos e seus olhos arregalam ao me notar.

O cabelo platinado e longo está preso em um rabo de cavalo tão apertado que parece repuxar os cantos dos olhos, a camisa bege tem os botão fechados até o pescoço – tão diferente do cara que eu namoro - e a saia cinza cobre seus joelhos.

Ela está tão diferente desde a última vez que a vi.

Antes dela ir embora, costumava ser fã de jeans, tingia o cabelo de cores não convencionais - como muitos amigos de Harry que vi nas últimas semanas - além de usar maquiagem forte até mesmo para ir ao mercado.

Preciso me lembrar de que é claro que ela já não seria a mesma. Mas é inevitável o choque pela minha irmã estar tão madura, envelhecida demais para os seus vinte e quatro anos.

Sei que a dor do luto foi tão cruel quanto um câncer para nós dois. Ao contrário do que nos disseram, o luto não diminuiu e muito menos se transformou em algo menos depressivo - como conformidade, aceitação ou alguma merda assim -, mas é impressionante que ela tenha mudado tanto assim.

- Oi, Louis. - Cumprimenta Lottie, seu semblante revela que esperava me encontrar aqui.

- Você mudou. – É a coisa mais idiota de se falar depois de tanto tempo mas não posso evitar.

Parece que eu não a vejo há décadas. Toda a falta reprimi sem perceber começa a fluir em meu corpo. Tenho um único desejo: agarrá-la e não soltá-la, jamais permitir que Lottie se vá novamente.

- Você também. - Devolve ela.

Por um tempo particularmente desconfortável sustentamos nossos olhares. Vejo em seu rosto o mesmo par de olhos que vejo no espelho. Intensamente azul e vazio.

Conhecido e, ao mesmo tempo, alheio.

Desgosto da constatação de que nos tornamos estranhos.

É fácil ignorar isto quando ela não responde às minhas mensagens ou quando ignoro suas ligações o máximo que eu consigo.

Mas com ela aqui é diferente. Não dá para fugir disso.

Observo que as rosas vermelhas que sempre ficam no vaso foram substituídas por um arranjo mais elaborado com margaridas e begônias.

Minha visão turva quando vejo outro buquê deitado inofensivamente no sofá.

- Quando você chegou? – Pergunto quando consigo recuperar o dom da fala.

- Há dois dias. – Lottie volta o olhar para mamãe.

Se não fosse pelo som de respiração pesada, seria como se ela estivesse em um cochilo tranquilo. Me aproximo do leito. Será que sua pele estava tão pálida assim antes de eu viajar? Não tenho certeza. Mas seu rosto, em contra-mão aos dos filhos, permanece o mesmo.

O rosto de Jay continua formoso como uma escultura grega. O tempo não teve o mínimo efeito sobre ele.

– Tinha tentado ligar para você mas não conseguia completar a ligação. Tio Hank disse que você estava viajando. – Posso ouvir um levíssimo tom de acusação. Assinto, o remorso corroendo o peito. – Estava criando coragem para vim aqui. Não queria ter entrado sozinha.

Eu quase rio disso. Sozinha. Quem ficou e enfrentou esta merda sozinho fui eu. Quem continua se fodendo sozinho aqui sou eu.

Puta que pariu, Louis. Ela é sua irmã mais nova.

Preciso para de pensar assim. Imediatamente.

- Mark podia ter lhe acompanhado. - Acabou me escapando.

Se ela fosse a mesma Lottie de antes, tenho quase certeza que de, pelo menos, esboçaria alguma reação.

Não foi o que aconteceu.

Acho que sua conversão à igreja lhe acrescentou sensatez.

Ela coça a garganta antes de perguntar: - Já que está aqui, pode me acompanhar ao túmulo da Fizzy?

Preferia que Lottie tivesse rogado uma maldição em mim do que ter pedido isso.

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