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Liam jamais teria entrado em minha vida se o destino não tivesse se empenhado em foder com tudo.

Minha mãe conseguiu um emprego no Hospital Marymount mesmo antes de nos mudarmos para Ohio. Assim que eu voltei de Cambridge, ela falou que uma amiga tinha conseguido uma vaga para ela em um hospital em Garfield Heights então eu não precisaria desfazer todas as malas.

Mark e Jay há tempos comentavam sobre sair de Doncaster então, em três semanas, Mark, Jay, Fizzy, Lottie e eu embarcamos em um avião para os Estados Unidos.

Mamãe, Mark e Fizzy aceitaram bem a mudança. Fizzy rapidamente fez amigos na vizinhança e, quando não estava com eles, estava trancada no quarto empenhada em fazer a carta de admissão perfeita para a Universidade de Cleveland.

Mark também conseguiu um emprego de professor substituto em uma escola particular dois meses depois de nos instalarmos em Garfield Heights.

Já Lottie e eu não estávamos tão felizes assim. Ela porque rompeu com o namorado e por ter que trabalhar como garçonete enquanto poderia ter continuado como recepcionista de um hotel sofisticado em Doncaster.

Eu não tinha exatamente um motivo para odiar a mudança, apenas não queria ter saído da Inglaterra.

Não acredito que minha mãe e Liam tivessem muito contato antes dela ficar debilitada. Creio que ela raramente atendia algum caso fora da maternidade ou que Payne ia aquela ala com frequência.

Liam me contou que às vezes a via com suas amigas no refeitório. Ele também diz que sentiu uma afeição instantânea pela sua risada que explodia pelo ambiente cinzento e monótono.

Eu lembro daquela risada que ecoava do quarto dos meus pais a noite. Quando ela não estava trabalhando, Mark e Jay trocavam suas piadas internas e falavam mal de seus colegas de trabalho antes de dormirem. A risada pulsava em meu quarto e me envolvia em calor e conforto.

Depois que toda a merda aconteceu, consegui que ela fosse internada no lugar onde trabalhava. Queria que seus colegas de trabalho se empenhassem em tirá-la dessa condição.

Desde o início, entretanto, quem ficou responsável pelo caso dela foi Liam Payne, que não a conhecia, mas era um médico, afinal.

Eu fiquei tão entorpecido quanto ela depois que aquilo aconteceu. Surtei quando descobri que ela estava em estado vegetativo permanente, sem previsão de recuperar sua consciência total em algum momento a partir dali.

Surtei quando descobri que ela precisava de tratamento contínuo para ter ao menos 1% de chance de recuperação.

Lembro-me de passar um mês inteiro naquele quarto branco ao lado dela. Lembro-me de como meus olhos estavam sempre ardendo e em como o reclame no meu estômago e o som dos aparelhos e choramingo e os passos no corredor era a única música que ecoava em minha mente.

Eu tinha pedido demissão do restaurante em que trabalhava na Chinatown de Cleveland.

Eu estava sem emprego e, com oito dias após o acidente, entreguei a chave da casa onde alugávamos depois de tirar tudo o que podia de lá.

Alguns móveis e caixas abarrotadas de louças e outras coisas estavam no pequeno apartamento do Tio Hank. Trouxe duas malas grandes e uma mochila com roupas para o hospital.

Eu não conseguia pensar  em qualquer solução para sair daquele purgatório que meus dias tinham se tornado. Eu apenas podia ficava ali e esperava.

Olhava atentamente para seu corpo imóvel, esperando que sua mão tremesse ou que ao menos um gemido escapasse de sua boca.

Mas isso nunca acontecia.

Todo o restante do meu salário foi usado para pagar a conta mensal do hospital. Conta esta exorbitantemente alta, que eu nunca conseguiria manter. Não com minha vida despencando daquele jeito.

Eu lembro que Liam e outros médicos e enfermeiros iam ao quarto regularmente. Lembro-me de ver suas bocas se movimentando e de eles falarem e falarem e falarem.

Eu nunca conseguia entender nada depois da primeira frase. O som de suas bocas se tornavam um zumbido disforme e distante.

Eu me recordo perfeitamente de uma noite. Eram duas e pouco da manhã, já faziam trinta e sete dias que eu estava ali ao lado de Jay. Minhas costas doíam por dormir no pequeno sofá azul-claro pouco almofado.

Provavelmente eu tinha enormes manchas escuras abaixo dos olhos por nunca conseguia dormir mais que quatro horas. Isso quando eu conseguia.

Minha barba coçava e o cabelo pinicava a pele da nuca nas tardes de calor.

Eu não via meu reflexo no espelho há dias então a minha aparência é a única coisa vaga daquele dia.

Liam entrou pela porta perfumado a madressilva.

Eu puxava um fio do suéter verde-musgo que usava. Mesmo com as luzes desligadas vi que Liam não estava mais com o seu jaleco, usava uma camisa polo e uma calça social.

Quando o cheiro de comida me alcançou, meu estômago resmungou. Eu sentia fome mas nunca conseguia comer mais nada depois da primeira mordida.

Um bolo de angústia se instalou em minha garganta e não permitia a entrada de nada que não fosse água ou o café aguado que uma enfermeira de meia-idade me trazia.

Lembro dele caminhando até a mesa e deixando duas sacolas de papel pardo ali.

Lembro de como o sofá afundou quando ele se sentou ao meu lado.
Payne me envolveu em seus braços. Primeiro colocou as mãos em minha costa, hesitante. Quando ele se sentiu mais seguro, se arrastou até está próximo o suficiente para me abraçar.

Não o retribui a primeiro momento.
Lembro-me de como minha voz arranhou a garganta quando eu disse “acho melhor você ir embora". Não tinha falado nada há dois dias.

- Eu sinto muito. – Disse ele.

Eu enterrei minha cabeça em seu pomo de Adão e me debulhei em lágrimas.

Não importava se eu já tivesse chorado no final da tarde, ou no início da manhã. Ou no dia anterior. Ou então no dia anterior ao anterior. A minha tristeza e desespero trilhavam uma eterna estrada gélida e escura.

A dor ardia em meu peito a cada segundo que eu passava acordado. Meu coração foi dilacerado com um garfo desde o dia do acidente. Pedaços foram arrancados brutalmente, sem aviso e sem empatia.

E então a ferida apenas continua sangrando e inchando, não me permitia dormir, comer ou pensar racionalmente.

Eu estava atônico. Não tinha forças para levantar daquele sofá. Quando via o sol ultrapassar a persiana e invadir o quarto, eu só conseguia pensar que seria mais um dia com Jay inconsciente, longe daqui, em algum lugar de sua mente, aprisionada.

Ele continuava sussurrando que sentia muito enquanto me apertava em seus braços. Não era muito forte. Me lembrava o jeito que eu abraçava as minhas irmãs, com cautela, como se elas fossem quebrar, mas que ainda passava firmeza e segurança.

- Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito... - Repetia incessantemente.

Payne afogou meu cabelo. Eu cobria meu rosto com as mãos enquanto uma tempestade escorria de meus olhos.

Aquelas três palavras saíam de sua boca como água em uma nascente, tentando lavar toda a sujeira.

Aquele mantra reverberava em mim e me faziam crer que talvez Payne pudesse apagar tudo o que eu tinha passado.

Que, quando eu abrisse os olhos, eu voltaria para o meu quarto em Doncaster e escutaria mamãe e papai rindo. Escutaria Lottie gritando que tinha prova amanhã e que precisava dormir bem. Mark pediria desculpa. A casa adormeceria em silêncio, com o cantar de uma coruja não muito longe e alguma moto passando em alta velocidade uma hora ou outra.

- Eu nunca vou conseguir! - Ele negou com a cabeça.

- Sim, você vai. Eu estou aqui. Não vou deixar você desmoronar. Não mais.

Seu tom de voz era calmo, diferente do meu que transparecia todo o desespero que sentia quando disse que “queria que fosse eu no lugar dela, ela não merece isso”.

Payne negou e disse que a vida não era justa. Eu não poderia continuar assim, entretanto. “Você acha que ela gostaria de ver você nesse estado?”

Os soluços pós-choro continuaram apesar das lágrimas estarem cessando. Payne não deixou que meu rosto permanecesse molhado, secando qualquer gota salina com um papel-toalha. Ele continuava acariciando meu cabelo com a mão livre até que eu estivesse mais calmo.

- Não acabou, Lewis. - Disse.

- É Louis. - Corrigi.

- Desculpa, ainda não tinha escutado você pronunciar. De qualquer jeito, ainda há esperanças, Louis. - Ele deu ênfase ao meu nome. - Você precisa se agarrar a qualquer fio de esperança, por mais tênue que seja.

Lembro que na primeira semana que o vi, ele falou de possibilidade de desligar os aparelhos, mas que só a família poderia autorizar.

Lembro de ter negado imediatamente. Nego até hoje, eu não me vejo escolhendo o destino da minha mãe. Agindo como se fosse a porra de um Deus.

Eu permaneci em silêncio, de olhos fechados. Escutando o bipe da máquina. A cada bipe que ressoava era uma gotícula de esperança que respingava em meu peito.

Era seu coração. Ele ainda continuava batendo. Ela ainda estava viva. Ela ainda respirava. Em algum lugar, ela ainda era ela.

Lembro que depois de um tempo, me afastei dele. Voltei para a minha antiga posição puxando o fio solto da manga do meu suéter.

- Eu trouxe algo para você comer. – Sussurrou como se tivesse alguém ali que não pudesse ser acordado.

- Acho que não consigo comer. - Respondi com sinceridade.

- Não quer nem tentar? - Ele olhou diretamente em meus olhos com aquela cara de cachorro carente. Eu assenti.

Ele caminhou até as sacolas da mesa, tirando recipientes de isopor. - Eu não sabia o que você gostaria de comer. Trouxe salada, salmão grelhado, sanduíche de frango. Ah, passei no McDonald e comprei um cheeseburger.

- Cheeseburguer.

Ele me entregou o pequeno embrulho com um grande M amarelo. O cheiro estava ótimo. Abri e comecei a comer. Aquele bolo de angústia que ficava na minha garganta não impediu que eu devorasse todo o hamburger em poucos minutos.

Payne ligou a luz quando eu já tinha acabado de comer. Aquela iluminação branca e forte ardia em meus olhos.

- Quer mais? - Perguntou. Eu respondi que já estava satisfeito.

Pousei os olhos na mesa. As sacolas de comida ficaram na frente do vaso com rosas vermelhas, a cor preferida dela.

Havia algo de diferente naquela mesa. Caminhei até lá. Tinha um pequeno porta-retrato dourado com uma foto de cinco mulheres com uniforme hospitalar azul-celeste. Uma delas era Jay. Ela sorria para foto, seus olhos estavam minúsculos e rugas de sorriso apareciam nos cantos dos olhos.

Perguntei a Payne onde ele havia conseguido a foto. - Não fui eu. Uma enfermeira deixou aí há algumas semanas.

Eu até cheguei a duvidar dele. Era a primeira vez que eu tinha reparado naquela foto. Mas a verdade era que eu não tinha passado os últimos tempos muito diferente da minha mãe.

- Eu sei que o que eu vou lhe sugerir pode parecer estranho. Acho que eu nem deveria estar fazendo isso, para ser sincero. - Eu viro novamente para ele, pouco interessado. - Você não quer ir para minha casa? Dormir lá, tomar um banho decente? Não se preocupe, eu tenho uma namorada, ou quase, ainda não oficializamos.

- Não posso sair de perto dela.

- Você precisa, Louis. Ela não vai a lugar algum. E eu prometo que essa máquina não parará de bater se você dormir fora por uma noite.

- Você não pode prometer isso. - Contestei.

- Posso. Eu sou médico. Sou o médico da Johanna. O que eu não posso fazer é continuar vendo você definhar dia após dia. Você precisa sair desse hospital, nem que seja por algumas horas.

- Está bem. - A surpresa ficou estampada em sua face  antes dele sorri minimamente.

Eu estava exausto para tentar contestar ou pensar muito no que ele disse. E, lá no fundo, eu queria sair dali para qualquer lugar que fosse.

Eu comi o sanduíche de maionese e frango em seu Honda Civic. Payne ligou o rádio na estação country.

Apesar dos meus olhos estarem abertos eu não fazia questão de prestar atenção na vista, era apenas borrão de luzes brancas, vermelhas e laranjas.

- Eu não sabia que podia colocar fotos no quarto.

- Você pode. Até acho que deveria. Tentar transformar aquilo em algo parecido com um lar.

Aquela palavra fez meu coração encolher.

Meu lar havia sido dissolvido lentamente desde o dia em que eu fui para a faculdade.

Não existia mais um lar depois de um ano morando em Ohio.

A palavra lar acendia um sentimento nostálgico e melancólico em mim. Eu nunca usava aquela palavra no sentido literal. Um lar não era apenas uma moradia.

Um lar era onde nos sentíamos acolhidos e amados, onde nosso coração permanecia aquecido e que não havia o mínimo de preocupação com o mundo lá fora.

Mesmo que o caos estivesse devastando todo o resto, eu ainda estaria satisfeito porque estava seguro, estava em um lar.

E meu lar se dissipou quando contei a Mark que também gostava de homens e que eu não podia mais esconder isso dele.

Só existe 1% de chance de eu ter um lar novamente. E isso só acontecerá quando Mamãe acordar.

Se isso acontecer, nós voltaríamos para a Inglaterra e começaríamos do zero, uma nova vida.

Na casa de Payne, mergulhei em uma banheira com água morna. Só saí dali quando a pele da minha mão estava tão enrugada que chegava a incomodar quando eu a fechava.

Depois de tomar uma xícara de chá de camomila, Payne me guiou para o quarto de hóspedes de sua casa.

Aquela tinha sido a primeira noite que eu tinha dormido bem e acordado apenas pela manhã, sem dor nas costas ou no pescoço por ficar encolhido em um sofá de dois lugares.

Liam ainda mora nesse mesmo apartamento. As paredes ainda estava pintadas de cor areia de praia e o carpete ainda era marrom-claro.
Tudo ali era minimalista e prático, o que era aceitável considerando que Liam passava grande parte do tempo no hospital.

Eu estava sentado à mesa envernizada num tom intenso de vermelho-escuro usando um moletom de Payne e comendo cereal de chocolate mergulhado em leite quando ele disse:

- Eu estive conversando com o senhor Deakin. Ele me falou da sua situação e disse que está muito preocupado com você.

- Tio Hank costuma exagerar nas coisas que diz.

- Então você não está desempregado? Tem onde morar? - Eu encolhi meu ombro e dancei com a colher no lago de leite dentro da tigela verde. - Eu... Eu fiz uma coisa. - Confessou ele entre um pigarro.

Eu levantei os olhos para ele, sua barba estava por fazer e os cabelos mais curtos que hoje em dia.

- O que você fez?

- Eu assumi a responsabilidade financeira de Johanna Deakin.

- O que? Porquê?

Eu não sabia o que deveria sentir. Raiva? Gratidão? Desconfiança? Eu estava genuinamente confuso.

Porque ele tinha feito aquilo? Mal nos conhecíamos e eu tinha certeza que Mamãe não era sua única paciente naquela condição.

- Eu não sei, na verdade. Senti que devia fazer isso depois que seu tio me contou o que você está passando.

- Aquele bêbado não deveria ter pedido nada. - Eu senti uma raiva súbita. Levantei da cadeira e encarei Payne. - Você acha que eu sou um miserável, não é? Por isso você levou comida ontem, por isso me trouxe aqui? Pois eu quero que saiba, doutor Payne, que eu posso lidar com isso sozinho! - Eu me afasto dele e sigo em direção a porta.

Estava determinado a pegar minha mochila do sofá e sair dali, ficar perto da minha mãe novamente e ignorar o doutor Payne o máximo que conseguisse.

- Não, Louis. Espera! - Ele me agarra pelo braço. Eu me remexo até sua mão estar longe de mim. - Me escuta, está bem? Você entendeu tudo errado! Eu não acho nada de você! Não te conheço! Mas eu quero ajudar. Eu quero que Johanna saia dessa e eu quero nunca mais precisar ver vocês dois naquele hospital.

- Que diferença isso faz pra você? Você é só o médico dela. - Ele nega com a cabeça.

- Eu me importo! Me importo com cada um dos meus pacientes. Eu sei que a Johanna precisa do melhor tratamento para melhorar. Eu sei que você quer que ela melhore, mas você está perdido. Você disse que pode lidar com isso sozinho, mas pode mesmo?

Lembro daquela frase pesar como uma mochila com chumbo em meus ombros. Fui forçado a sentar no sofá. Eu sentia o peso do mundo na minhas costas.

Eu precisava sair dessa, precisava de um emprego e precisava pagar cada centavo para manter minha mãe em tratamento.

Payne se sentou ao meu lado, cauteloso.

- Me deixe te ajudar. Pelo menos até você arranjar um bom emprego e um lugar para morar. Depois disso você pode assumir responsabilidade que quiser.

Eu lembro de olhar naquelas orbes avelã. Ele parecia estar sendo sincero. Payne não transparência pena, pelo menos era o que eu achava.

Eu não podia deixar meu orgulho dominar, não era uma discussão sobre o melhor time de futebol ou uma briga de bar, era a vida dela que estava em jogo.

- O que você quer em troca? – Perguntei desconfiado.
Seu cenho franziu e ele ficou em silêncio por alguns minutos, talvez pensando que não estivesse escutado direito.

- Não quero nada! - Ele nega, o semblante sério. - Só quero que você volte a viver. E que me deixe te ajudar quando estiver sem saída.

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