quatorze

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Como a senhora Kashimir tinha que ir ao casamento de uma sobrinha, ela precisou fechar a padaria mais cedo, de modo que eu pude vim observar o fisioterapeuta trabalhando com minha mãe.

O fisioterapeuta Walter tem mais de quarenta anos, um e oitenta de altura e barriga saliente. O cabelo crespo é bem aparado. Suas mãos são grandes e firmes, muito diferente da permanente expressão benevolente no rosto.

Ele girava o pé pálido de Jay repetidamente e Liam anotava algo em sua prancheta. Depois dele fazer isso com os dois pés dela, segurou sua panturrilha e flexionou o joelho.

- É preciso fisioterapia para os membros não sofrerem contraturas. – Explica ele a mim, sem tirar os olhos do que estava fazendo. – Quan... Se ela acordar, quero ter certeza de que poderá sair correndo se quiser. – Nasalo uma risada.

- Aposto que será o primeiro desejo dela. – Comento e ele sorri.

Walter prossegue os movimentos que estava fazendo nas pernas para a mão esquerda, direita, flexionando também ambos os cotovelos.

Percebo que Liam me olha diferente, meio hesitante. Em alguns momentos sua boca abre e espero ele falar, mas acaba desistindo, limpa a garganta e volta a remexer a prancheta.

Depois que Walter termina seu trabalho, comenta algo com Liam e aperta sua mão, me dá um tapinha na costa em despedida.

- O que foi, doutor Payno? – Pergunto a ele quando estamos só. Ele balança a cabeça.  – Estou ficando preocupado.

- Não é nada com Johanna. É só... – Ele para, relutante.

- É só...? – Incentivo.

- Styles. – Reviro os olhos. – Eu sei que você diz “que não está rolando nada” mas vocês estão nisso há um bom tempo.

- Não sei mais o que posso dizer sobre isso.

- Está bem. Mas o Harry... Bom, ele parece ser do tipo que usa alguém e, quando se cansa, parte para outra.

Eu rio do qual cômico isso soa, se alguém precisava estar sendo alertado sobre isso era Harry, não eu.

- OK. Eu vou tomar cuidado, se você se sente melhor assim. – Curvo o canto dos lábios quando as palavras saem, aquele momento soava como uma piada para mim.

- Certo.

Caminho até Mamãe e seguro sua mão. Apesar de pálida e sem peso, ainda transmite calor e, quando a seguro por muito tempo, fica úmida de suor.

Espero que em algum lugar, Jay ainda consiga sentir todos os meus carinhos e toques. Escutar todas as coisas que eu falo para ela.

Bom... nem todas.

Concentro minha atenção no fluxo de sua respiração. É pesado e lento, o oxigênio entra e o carbono é expelido, ambos difíceis e audíveis, esses ruídos ainda embrulham meu estômago.

- Sabe se ela abriu os olhos hoje? – Pergunto a Liam.

- Não. Ninguém viu, pelo menos. – Assinto. – Vou deixar vocês sozinhos. – Ele olha o relógio no pulso. – Falta uma hora para meu turno terminar. Antes de você entrar, dá uma passada comigo na lanchonete, preciso te contar algo.

- Beleza.



Para ser sincero, eu iria direto para a cozinha do hospital se não tivesse ficado curioso com o que Liam tinha para falar. Provavelmente não era nada demais, mas aqui estou eu dividindo uma pizza com ele antes do meu turno.

A lanchonete é, sem duvidas, o lugar mais barulhento que há no prédio. Quase todas as mesas estavam ocupadas e o burburinho chegava a ser palpável de tão intenso.

- E então? Vai ficar de suspense? – Tomo um gole de Coca-Cola depois de perguntar.

Ele limpa a garganta.

- Sabia que as minhas mães estão indo tirar um ano sabático nas Filipinas? – Controlo a vontade de revirar os olhos. Era para isso que ele tinha me chamado? Puta que pariu.

- Na verdade, não. Que legal. – Consigo responder, fingindo interesse.

- Pois é, elas vão trabalhar em uma ONG para ajudar vítimas de desastres naturais. Sempre foi um vontade delas, mas nunca arranjavam tempo e tal. – Balanço a cabeça e como um pedaço de pizza para não ter que responder. – Enfim, não é esse o foco. Sabe onde fica o apartamento delas?

- Garfields Heights? – Chuto, porque é onde ele mora.

- Cleveland. E elas não vão vender porque só ficarão fora por um ano... um ano e meio no máximo. – Ele hesita, antes de continuar. – Eu não concordo com você mentindo para ficar com Harry. – Bufo e jogo a costa na cadeira, estou realmente ficando de saco cheio disto. – Escuta. Eu não sou seu pai, não tenho o direito de interferir na sua vida.

- Dá pra ir direto ao ponto? – Pergunto impaciente. – Você começou com as suas mães, Harry, agora paternidade. O que isso tudo tem a ver?

- Certo. Apesar de você negar, eu sei que gosta dele e quer que isso der certo... Por que você não fica no apartamento de Cleveland? Assim vocês ficam mais próximos e não vai precisar se preocupar com aluguel.

- Você está se escutando? Não posso ficar no apartamento das suas mães.

- Porquê? Se você não for, ele vai ficar parado por um ano. Elas acharam uma ótima ideia.

- Eu não posso aceitar, Payno. Já não basta você pagar boa parte da conta do hospital todo mês, ainda quer me fazer proposta dessa? De jeito nenhum. Eu agradeço muito mas não posso.

- Não vamos entrar nesse mérito, Tommo. Só... pense nisso. Você não vai estar atrapalhando ninguém, na verdade, é um favor.

- Não, Payne.

- Pense nisso. – Ele digita algo em seu celular. Quando termina, o meu vibra no bolso da calça. – Te mandei o número delas. Elas vão embora na próxima semana. Se mudar de ideia liga para uma delas, elas querem conversar com você.



Eu considerei a proposta no caminho para casa. Não queria aceitar isso de Liam. Uma quantia da conta do hospital era descontada do meu salário mas era ele quem continuava pagando a maior parte.

E nem era a casa dele, para começar. Era das Payne. Que nem me conheciam. Como elas podiam ter concordado com um absurdo desses?

Ao invés de ir para o meu apartamento quando cheguei ao prédio cinza no final da rua íngreme e sem saída, subi até o quinto andar e bati na porta do 503.

Tio Hank sorri quando me vê, abraçando-me e puxando para dentro.

- Quer leite? – Antes que eu pudesse responder, ele despeja leite em uma xícara.

Eu achei aquele momento atípico até Tio Hank pegar uma garrafa de vodka e derramar um pouco lá dentro.

Agora isso faz sentido.

Eu sento no sofá, tomo leite com vodka e conto. Quando termino, ele passa as mãos no cabelo prateado e desgrenhado antes de falar.

- Eu não entendo. Não era isso que você queria? – Rugas se afundam em sua testa.

-  Ficar na casa das mães de Liam? Não. – Franzo o cenho.

- Considere isso como um presente do destino. Pensa comigo... – Ele passa o braço pelo me ombro. Consigo sentir seu hálito alcoólico bater em meu rosto. – Você vai ficar mais perto desse garoto e, de quebra, ele vai achar que o apartamento é seu.

- Mas não é.  – Contesto. – E é só enquanto as Payne viajam.

- Eu sei. Mas um ano é muito tempo, as coisas podem mudar.

- E se não mudarem?

- É um risco que você corre. – Eu dou o último gole no leite e encaro a gota branca no fundo da xícara, ponderando.

Se fosse há alguns anos, não me imaginaria pedindo conselho para o irmão alcoólatra da minha mãe.

O cara que tinha sido abandonado pela esposa, que levou a filha para outro país e nunca mais entrou em contato.

Acontece que, mesmo eu nem o conhecendo direito – eu só o via nos natais de família - ele me acolheu depois de tudo aconteceu, segurou as pontas comigo quando eu perdi o rumo da vida.

O bêbado abandonado, ao contrário do que fizeram com ele, não ignorou a minha existência - como Mark fez -, Tio Hank me amparou paternalmente e continua me apoiando em qualquer coisa que eu faça.

- Você acha que eu devo ligar? – Questiono.

- Acho que você tem que tentar. É um bom plano. – Afirma ele, como eu imaginei que faria.

***

Eu passei a semana toda pensando se podia aceitar aquilo ou deixar as coisas como estavam.

Mas de Cleveland para a Garfields Heights eram apenas um pouco menos de meia hora de metrô, o que deixaria minha rotina um pouco menos longa e eu poderia descansar e ver o Harry mais.

Foi pensando nisso que eu liguei para Karen Payne na sexta-feira.

- Amanhã! Venha aqui amanhã. – Foi o que ela disse.

You Better Try • L.SOnde histórias criam vida. Descubra agora