dezenove

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Sou desperto por um toque aveludado em meus lábios. Permaneço com os olhos fechados e tenho apenas quatro segundos para contemplar o despertar do espírito para mais uma manhã aconchegante de clima agradável até eu sentir minhas têmporas doerem como se eu estivesse levando marteladas de um pedreiro perto do fim do turno.

A fragrância de eucalipto alcança meu nariz quando mais um selinho é depositado em meus lábios. Gemo de desconforto e forço um sorriso que deve ter saído como uma careta.

A sonolência ainda pesa em meus olhos, não permitindo que as pálpebras se ergam em nenhum momento.

- Ressaca? – Sussurra Harry, o hálito de pasta dental afagando meu rosto. Concordo com a cabeça e sinto meu cérebro remexer ali dentro.  – Café?

- Sem açúcar. – A voz arranha minha garganta, saindo dolorosamente grave. Ele ri e seus lábios tocam os meus. E de novo. E de novo.

- Vou trazer uma aspirina também. – Eu assinto, o cérebro balança novamente. Dá pra parar de fazer isso?, brando comigo mesmo.

Sinto Harry levantar da cama e depois ouço a porta ser fechada. Esfrego os olhos antes de tentar abri-los. Agradeço mentalmente pela cortina fechada, deixando o quarto em uma penumbra de fim de tarde chuvoso.

Tenho a sensação de que minha bexiga pode explodir a qualquer segundo então forço minhas pernas a me arrastarem até o banheiro.

Ouço a porta do quarto ser aberta. Lavo o rosto e escovo os dentes preguiçosamente antes sair de lá.

Harry está sentado à mesinha de dois lugares do quarto balançando o canudinho de metal no copo com smoothie branco levemente avermelhado. Ele não usa aqueles pijamas de seda, está com um fino suéter cor de barro, e só.

Na bandeja espelhada da mesa há algumas torradas com fatias de tomate apimentado, uma grande xícara de café, um copo com água e uma pílula pousada em um pirex.
O remédio é a primeira coisa que eu preciso enfiar no intestino antes de comer. Quando tomo o primeiro gole do café, os meus lábios crispam pelo deprimente sabor amargo, deixando a manhã ainda mais sombria.

O que era para ser uma manhã típica de um domingo de primavera, com suas cores saturadas e vívidas, ficou enevoada em um tom feio de fumaça de caminhão.

Perfeito.

- Exageramos ontem. – Diz Harry entre goles na sua bebida. – Nem me lembro como voltamos para casa.

- Mas eu sim.

Harry, Leslie e eu em um taxi. Leslie festejando e cantando a música do rádio com a janela aberta, apontando para as pessoas que passavam na rua. Harry chorando copiosamente por nenhum motivo aparente, esfregando os olhos e espalhando rímel pelo rosto, os lábios curvados para baixo.

E eu rindo como um idiota, vezes cantando com Marlowe, vezes tentando consolar Styles e sua tristeza alcoólica.

Depois que terminados de comer, a única coisa apropriada a fazer era voltar para a cama. Harry deita em meu colo e acaricia minha bochecha quando eu volto fechar os olhos. O que eu mais desejava era voltar a dormir, só que com tanta cafeína no organismo eu sabia que seria difícil.

Levo minha mão até sua nuca e puxo seu rosto para próximo do meu, colando nossos lábios. A sua boca está com um gosto peculiar, banana e alguma coisa mais forte.

- O que você estava tomando? – Pergunto quando nossos lábios desgrudam.

- Antirressaca. – Responde sorrindo. Abro os olhos e deslizo os dedos por sua nuca, enrolando uma mecha de cabelo.

- Banana e gengibre. – Suponho, ele assente.

- Canela e açafrão também.

- Eca. – Ele ri.

- Disse o senhor Café Sem Açúcar. – Retruca.

-  Me sinto tão bem quanto nunca.

Esse é meu lance com café. É a minha penitência de cada dia.

Ou tinha que estar quente o suficiente para deixar a língua queimada por horas ou amargamente desprezível, como algo que desperta uma vontade de cortar os pulsos quando o primeiro gole desce.

Tão ruim que você sente seu paladar implorando para ser acariciado ferozmente por um lixa. Tão, mais tão ruim que, quando você termina, vê o mundo de outro jeito. Você se sente grato por não ter mais que se forçar a tomar algo tão terrível.

Me sinto bem consigo mesmo, mais resiliente, pacífico. Quase como um hippie. Paz, amor e namastê.

Acho que todo mundo deveria tentar uma caneca de café sem açúcar de vez em quando. Faria do mundo um lugar um pouco melhor.

- Que tal uma corrida agora mesmo então?

- Nem fodendo. – Fecho meus olhos novamente e abarco Harry nos braços.

O resto do dia se resumiu a cama, água e Advil. Eu ainda sentia meu estômago frágil e o fígado fervendo, então não comi muita coisa. Harry também não estava com tanta fome, de vez em quando descia e voltava com uma vasilha cheia de gomas de ursinhos, jujubas e chocolates, como se fosse a porra de criança no Halloween.

Consegui adormecer por algumas horas e quando acordei a noite já tinha caído lá fora. A única fonte de luz aqui vem do abajur alaranjado.

Harry está com as costas grudadas em meu peito entretido com o celular. O shampoo está fraco, assim como o eucalipto de sua pele. O cheiro do amaciante das roupas de cama é o que impregna em meu olfato.

Ele ainda não tinha percebido que eu estava acordado. O vi abrindo os próprios stories repetidas vezes e rolavando pelo feed do Instagram, curtindo uma ou outra publicação.

Deslizo os dedos sobre seu ombro até o canto da nuca, tirando os cachos dali. Sinto seus pelos eriçarem pelo contato repentino e vejo um sorriso de formar no canto de sua boca quando beijo a ponta do seu ombro.

Ele deixa o celular de lado e fecha os olhos quando eu distribuo beijos sobre sua pele.

- Você tem cheiro de primavera. - Revelo a ele.

- Primavera? – Beijo a ponta de sua orelha.

- É muito bom. – Enterro o nariz na linha entre seu pescoço e ombro. A perfeita dose do frescor de eucalipto e do adocicado cítrico de maçã-verde torna meu humor mais afável.

- Para quantos outros você disse a mesma coisa? – Provoca.

Deslizo minha mão para dentro do lençol, acariciando a pele morninha de sua cintura. Harry trás seu corpo para mais perto, como se fosse possível.

- Ninguém tem seu perfume.

Sua bunda se choca contra minha pélvis, o que faz meu pau acordar. Beijo seu maxilar pontiagudo e agarro o quadril.

Deslizo os dentes pela sua nuca e ele deixa escapar um suspiro. Harry vira o corpo e fica de frente pra mim, nossas virilhas se buscam, os paus se estimulando mutualmente.

Colo meus nariz no seu e deixo meus lábios a milímetros dos seus. Brinco um pouco, fingindo que vou beijá-lo, mas nunca o fazendo. Sinto o êxtase borbulhar dentro de mim e nossas cinturas se esfregarem em expectativa. O coro de nossas respirações é instável e ansioso.

Eu finalmente avanço sobre os lábios cheinhos possesso de desejo.

É muito, muito doce.

E quente.

E viciante.

Como sempre.

Nosso beijo é voraz e necessitado. Minhas mãos percorrem cada centímetro de Harry, o trazendo para mim.

Nesse momento nosso instinto natural é de fundir nossos corpos em um só.

You Better Try • L.SOnde histórias criam vida. Descubra agora