Um

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           Os meus dedos passam pela pequena ferida que tenho no lábio, retirando, assim, um pouco do sangue que de lá escorre. Dor é a única coisa que sinto, que tenho sentido nestes dois anos. Dois anos onde apenas entrar na escola me causa um desconforto enorme dentro de mim. Dois anos a aturar aquele grupo de raparigas que sempre que quer algum boneco para descarregar a raiva, escolhem-me. Dois anos numa escola que apenas frequento porque a minha mãe é professora nela. Dois anos apenas a sentir dor.

           Um suspiro sai por entre os meus lábios enquanto coloco apenas uma alça da mochila no meu ombro direito. Abro a porta da casa de banho e desloco-me pelo corredor vazio, as salas de aula cheias de alunos a tentar aprender. O vento atinge o meu corpo assim que saio do edifício, fazendo o meu corpo estremecer de frio por alguns segundos. Os meus pés são arrastados pelo chão de pedra e apenas param quando chego ao portão da escola. Será que devo sair e faltar a mais um dia de aulas ou será que devo ficar e aturar as mesmas atitudes daquelas raparigas? Eu devia ficar e estar atenta às aulas para acabar este ano escolar de uma vez por todas, mas eu não irei aguentar os comentários sarcásticos daquelas raparigas, portanto o melhor a fazer é sair desta escola e tirar todos estes pensamentos negativos de cima de mim.

          A única coisa que se ouve nesta rua são os meus passos. Não se vê nenhum carro a passar e nem sequer um ser humano a andar pelos passeios de pedra. Um cenário completamente vazio, relembrando-me dos estranhos filmes de terror que marcavam as minhas noites de Verão. 

          As casas começam a desaparecer ao longo do meu caminho e, quando estas desaparecem de vez, uma enorme floresta é avistada pelos meus olhos. Olho para o meu lado direito e para o meu lado esquerdo, certificando-me que nenhuma pessoa se encontrava nas redondezas. Quando percebo que continuo sozinha olho uma última vez para as enormes árvores antes de entrar calmamente na floresta que sempre me recebeu. 

          Sigo as marcas que anteriormente fiz nas árvores para chegar àquele maravilhoso lugar. O canto dos pássaros faz com que um sentimento inexplicável ocupe todo o meu corpo. Adoro este sentimento, parece que aquece o meu coração e que um pequeno sorriso conquiste a minha cara. É por isso que estou sempre nesta floresta. É a única coisa em toda a Terra que consegue sempre por um sorriso na minha cara. O som dos pássaros e da água a bater nas rochas sempre me conquistaram, mas quando me mudei para este pequeno lugar em Inglaterra e decidi explorar um pouco rapidamente me apaixonei ainda mais por esses dois sons com a descoberta desta floresta. Quase todos que por esta cidade vivem têm um certo receio de explorar esta zona, as horrendas imagens de um homicídio que aqui aconteceu ainda vívidas nas suas mentes. Décadas se passaram desde esses dias, mas o medo da incerteza parece impedir as pessoas de encontrar o lugar mais bonito que alguma vez vi. 

          Apresso o meu passo quando avisto a enorme cascata e a clareira onde esta se encontra. A minha mochila voa para perto de uma das muitas árvores e os meus sapatos ficam pelo caminho. Assim que chego perto do pequeno lago ali existente, sento-me na relva e deixo os meus dedos passarem pela água morna deste. Uma vontade enorme de saltar para dentro do lago aparece, no entanto nunca ter aprendido a nadar impede-me de tal. Sempre foi um sonho meu nadar, mas a minha mãe também não sabe e o meu pai nunca me deixou aproximar do mar quando era pequena. Agora sempre podia ter aulas de natação, mas quase todo o dinheiro é gasto em essenciais para a casa, sobrando pouco para explorar este meu desejo. Apenas irei ter de aprender a viver sem esta habilidade que sempre me cativou.

          O som de um toque de telemóvel estraga o meu pequeno momento de alegria e um suspiro sai dos meus lábios. Levanto-me da relva e limpo a minha mão à camisola. Calço os sapatos e vou de encontro à mochila, onde retiro o telemóvel, observando as milhares de mensagens da minha mãe a perguntar onde estava. Guardo-o de novo e coloco uma alça da mochila no meu ombro direito. Olho uma última vez para aquela clareira, que considero uma das sete maravilhas no mundo, e caminho lentamente para a cidade onde o meu sorriso não irá voltar a aparecer durante o resto do dia.

    À medida que me vou afastando da floresta, o som dos pássaros diminui e o meu sorriso vai desaparecendo. As casas voltam a aparecer, os carros continuam a circular pelas estradas e as pessoas continuam a ir contra mim como se fosse invisível. As coisas estão de volta ao normal e, como sempre, a infelicidade apodera-se de mim.

    A porta da minha casa abre-se e de lá sai uma mãe preocupada que logo me dá um abraço. Eu nem tento retribuir , subindo as escadas mal este acabou, entrando no meu quarto onde os meus olhos libertaram todas as lágrimas que acumularam durante esta pequena viagem. 

Waterfall |h.s|Onde histórias criam vida. Descubra agora