Cinco

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             Os portões escolares já estão presentes no meu campo de visão e uma sensação de medo preenche o meu corpo. Começo a andar mais devagar e uma das minhas mãos retira o pouco cabelo que está à frente dos meus olhos. Eu não quero confrontar a minha mãe neste momento apenas por já saber que ela irá exagerar quando vir as nódoas negras e ferimentos na minha cara. Para falar a verdade, eu nem sei como a minha cara se encontra, mas se aquele rapaz na clareira reparou no meu estado acredito que a minha mãe irá reparar também e irá ser bem pior. Das outras vezes eu apenas me fechava no quarto depois de mais um dia exaustivo de aulas, enquanto que ela continuava mais um dia de trabalho na escola. Nos dias a seguir a esses, tapava todos os vestígios visíveis dos seus murros com a maquilhagem que comprei de propósito para este tipo de situações. Quando eu faltava às aulas apenas dizia que estava mal-disposta e ela acreditava em mim, afinal eu sou a filha perfeita segundo alguns antigos vizinhos meus. Mas hoje é diferente. Diferente porque eu saí de uma aula a meio e devo ter sido vista por algum funcionário enquanto estava no pátio completamente sozinha. E essa simples denuncia foi algo que deve ter posto a minha mãe furiosa e de certeza que ela irá gritar comigo assim que me encontrar.

           Após atravessar o enorme portão da escola a minha cabeça inclina-se e os meus olhos ficaram completamente focados no alcatrão, onde os meus pés se movimentam num passo lento. Não quero que ninguém veja o estado em que me encontro. Nem eu própria quero ver o que elas fizeram comigo. Toda a minha vida foi passada assim, no meio da incerteza e dos problemas. A incerteza por não saber ao certo o que sinto, o que vejo, o que toco, o que deverei fazer. 

-Elisabeth!- oiço a voz que reconheço sendo da minha mãe e a única coisa que consegui fazer foi parar de andar. Não retiro os meus olhos do chão nem o meu cabelo que deve estar a tapar a minha cara quase por completo. Eu não a quero confrontar e olhar para o chão parece ser a  melhor ideia que tenho até agora. -O que raio tu andas a pensar?!- diz e sinto as suas mãos a agarrar os meus pulsos como se a prevenir eu fugir desta conversa, coisa que não iria fazer.- Que podes sair a meio das aulas porque te apetece e depois sair da escola para ir sei lá onde?! Tu não podes fazer isso!

-Eu sei mãe.- murmuro.

-E se não fosse este aviso do professor de Sociologia como é que era?! Continuavas a sair a meio das aulas como se o professor não te visse?! Elisabeth, eu estou tão desiludida contigo.

-Eu sei mãe.- murmuro outra vez.

-Podes-me dizer as razões por ter feito tal coisa?-pergunta e eu solto um pequeno suspiro.

-Mãe, é algo que eu não quero falar neste momento.- murmuro, um pouco mais alto do que das vezes anteriores.

-Elisabeth, olha para mim.- pede, mas eu continuo com a cabeça baixa.- Elisabeth, não tornes isto mais difícil do que já está a ser.- continuo como estava, o que a faz suspirar.- Olha para mim Elisabeth.

     Eu apenas cedo às suas ordens e levanto a cabeça, olhando agora na sua direção. Os seus olhos estão esbugalhados, talvez por espanto, a sua boca abrindo um pouco. Realmente não queria que isto acontecesse desta maneira. O cenário ideal que imaginava era eu chegar ao pé dela, enquanto está a ver um filme, e contar-lhe tudo o que me aconteceu durante estes dois anos. Eu nem quero saber o que ela está a pensar sobre mim agora. Deve de pensar que eu não confio nela o suficiente para lhe contar os meus problemas, mas isso é mentira. É claro que eu confio nela, ela é a minha mãe, mas ela estava a viver o seu sonho e eu não queria que ela se preocupe com outros problemas. Se fui estúpida, talvez tenha sido. Mas agora não há nada que possa fazer. Não posso voltar atrás no tempo e contar-lhe o que aconteceu quando elas me bateram pela primeira vez. Eu não posso mudar o passado, apenas o futuro. E neste momento, eu penso que o estou a fazer.

-Quem é que te fez isso?- pergunta e toca um pouco no meu rosto.

-Mãe, isto não foi nada.- minto.

-Elisabeth, tu vais dizer que baterem-te não é nada? Isto é algo que deverias ter  contado a alguém! A tua cara está cheia de nódoas negras e o teu nariz tem vestígios de sangue, óbvio que aconteceu algo.- diz e eu retiro a sua mão do meu rosto.

-Mãe...

-Elizabeth, esta é a última vez que te pergunto. Quem é que te fez isso?- interrompe-me e eu sinto uma lágrima a escorrer pela minha bochecha, sabe-se lá porque razão.

-Foram umas raparigas.-murmuro

-Foi aqui na escola?- pergunta e eu assinto. -Anda comigo Elisabeth, eu tenho de avisar a diretora que este tipo de situações estão a acontecer dentro do seu recinto escolar.- diz e começa a andar em direção ao edifício principal da escola e eu apenas a sigo.

[...]

     Estou sentada nesta espécie de sofá desconfortável há pelo menos uma hora. Durante esse período de tempo a minha mãe começou a gritar com a diretora, chamaram as raparigas que eu identifiquei pelas suas fotografias e fui expulsa da sala onde estas ainda se encontram a falar. A razão de eu ter sido expulsa foi por ter cuspido para uma das raparigas assim que ela começou a dizer que elas não tinham feito nada, ação essa que já me começo a arrepender. Em vez de estar a participar abertamente naquela debate que deve estar a ocorrer dentro daquela sala eu estou a observar a janela desta divisão onde me encontro e devo dizer que ver as poucas árvores disponíveis no jardim escolar a mexerem-se devido ao vento não é algo que me entretenha muito.

      Cruzo os braços sobre o meu peito e encosto-me às costas ao sofá. Admito que já estou farta de esperar que aquela conversa acabe de uma vez por todas, talvez por querer saber o que irá acontecer aquelas raparigas. Por mim elas poderiam ser expulsas da escola, não só por estarem a violar as regras da escola como também por negarem ter feito tal coisa comigo. O problema é que eu sei que elas não irão levar este castigo, mas sim outro mais de leve com direito a uma chamada telefónica aos pais de cada uma. E depois, quando elas voltarem do respetivo castigo dado pela diretora, eu irei estar condenada. Se hoje a dor que senti foi algo de outro mundo, eu nem sei o que irei sentir quando elas voltarem e me fizerem algo mil vezes pior do que aconteceu hoje por ter contado a alguém sobre o que aconteceu. Isso irá acontecer se eu permanecer nesta escola, algo que não tenho lá muita certeza. Mas se eu ficar, eu irei ter de passar o resto dos meus intervalos na biblioteca ou na sala de professores para a minha mãe estar sempre ao meu lado para me proteger.

-Como assim elas só irão ser suspensas por uma semana?! Se fosse eu no seu lugar já nem estariam a pisar a escola neste momento!- oiço a voz da minha mãe a gritar e de seguida o barulho de uma porta a abrir. Olho para a direita e dessa respetiva porta consigo ver as seis raparigas irem embora e a olhar para mim com uma cara de raiva. Eu apenas baixo a cabeça e espero que elas saiam dali de uma vez por todas.

-Valerie, tu tens de perceber que elas são alunas de mérito. Percebo que elas tenham feito algo que não deviam, mas foi só uma vez. Nós precisamos de continuar com elas a frequentar a escola apenas para continuarmos com uma média de testes um pouco mais elevada que a nossa concorrência.- a diretora responde à minha mãe, mas ela simplesmente a ignora e vem na minha direção.

-Anda Elisabeth, temos de ir para casa.- diz e começa a andar em direção à porta de saída. Eu apenas a sigo.


Waterfall |h.s|Onde histórias criam vida. Descubra agora