Dez

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                 Estou feliz. Feliz por ter respondido a todas as questões do teste sem dificuldade. Feliz por não ter visto nenhuma daquelas raparigas. Feliz por não me ter escondido na biblioteca durante o único intervalo que tive. Feliz por ter alguém à minha espera assim que sair pelos portões. Finalmente, estou feliz.

                 Consigo ver Harry, ao pé do portão onde dezenas de alunos se encontram a sair. Desço as escadas um pouco mais depressa, apenas com o pensamento de quanto mais depressa chegar ao pé dele mais tempo iremos ter para falar. Eu gosto da sua companhia, ele faz-me sentir que não estou sozinha neste mundo. Sei que não falamos muito, mas apenas a sua presença ao meu lado enquanto ambos observamos a cascata é tudo o que preciso. 

                 Sinto o meu corpo a ser esmagado enquanto passo o portão, mas logo essa sensação acaba quando chego ao outro lado. Caminho na direção de Harry, com os livros contra o meu peito devido a não ter trazido mochila hoje. Não me encontro nervosa, afinal ele é apenas uma pessoa tal como eu sou. Nervosismo era a última coisa que deveria sentir neste momento.

-Olá.- digo assim que me encontro ao seu lado. 

               Assim que ele se vira para mim um sorriso forma-se no seu rosto. Eu gosto do seu sorriso, não é como o das outras pessoas. Não é um sorriso forçado, nem um sorriso de pena. Não sei descreve-lo, mas existe algo nele que o torna diferente. Algo esse que nem eu própria sei do que se trata. É diferente, isso é aquilo que sei. 

-Olá.

-Então, o que tens planeado para este saída de amigos?- pergunto e ele solto um pequeno riso, puxando o seu cabelo para trás ao mesmo tempo.

-Apenas um simples almoço num restaurante aqui perto e depois podemos ir para o nosso pequeno lugar.

-Parece-me ótimo.

              Começamos a andar. Segundo Harry, o restaurante situa-se não muito longe da escola, assim não iremos ter uma longa caminhada pela frente. O meu sorriso permanece durante todo o caminho, nunca hesitando a desaparecer a qualquer momento. O vento a embater contra o meu corpo apenas o torna maior, não havendo qualquer motivo que me deixe parar de sorrir. Gostos destes dias. Dias que irão ficar na minha memória devido à minha felicidade. E isso era o que eu queria durante todos estes anos. Um dia em que um sorriso fique fixo na minha cara até os meus olhos fecharem enquanto estou deitada na minha cama. Espero que hoje seja um desses dias.

              Harry diz que chegámos e entra por uma porta de vidro, mantendo-a segura para eu entrar. O restaurante é pequeno, com poucas pessoas a frequentá-lo. Nenhum sinal de qualquer adolescente dentro deste, o que me leva a crer que ninguém na escola sabe sobre a existência deste pequeno lugar. Olho para a figura de Harry que se encontra a cumprimentar um homem nos seus cinquenta e poucos anos e uma curta conversa entre os dois surgiu. Aproveito esta pequena pausa para observar este espaço, podendo ver os diversos quadros dispostos nas paredes, tal como a enorme quantidade de bolos que estão colocados no balcão. Os meus olhos ficam fixos num quadro em específico. Um campo de flores encontra-se neste desenhado, e lá ao longe pode-se ver um moinho. Não sei o que atraiu a minha atenção para este quadro, talvez a sua extrema beleza ou talvez algo mais. Apenas sei que os meus olhos não conseguem desviar a minha atenção do quadro, apenas a voz de Harry a dizer o meu nome o fez. 

           Sento-me à sua frente numa mesa que deveria ser ocupada por quatro pessoas. Coloco o meu casaco nas costas da cadeira, tal como Harry fez à poucos segundos atrás. Olho para os seus olhos e relembro-me de novo da minha figura paternal que à tanto tempo não vejo e da qual já sinto saudades. 

          Folheio as páginas do menu, lendo cuidadosamente cada prato que nessas páginas se encontram. A lasanha ganha a minha atenção e nem leio o resto da página, já sabendo que é aquele prato que vou escolher. Harry pede um hambúrguer com queijo e uma coca-cola, a mesma bebida que pedi. 

-Fala-me sobre ti.- Harry diz, quebrando assim o silêncio criado após a saída do empregado da nossa mesa.

-Chamo-me Elisabeth Johnson e tenho 17 anos.- diz enquanto coloco uma grande parte do meu cabelo sob o meu ombro direito.

-É só isso que tens para dizer?- pergunta com um ar engraçado.

-O que queres saber mais?

-Algo sobre a tua vida. Como é que vieste parar a esta cidade no meio do nada... enfim, esse tipo de coisas.

-A minha vida nunca foi entusiasmante, sabes?- digo enquanto aproximo-me um pouco mais da mesa.- Vivo aqui há dois anos devido ao emprego que a minha mãe encontrou. Nunca achei esta cidade encantadora, por vezes até tenho saudades de onde passei a minha infância. Mas até acabar o secundário não poderei sair deste lugar, e por vezes até considero ficar cá a viver devido aquela clareira no meio da floresta.

-Onde moravas?- pergunta e o meu sorriso desaparece por segundos.

-Manchester, eu não gostava mesmo nada daquele lugar.- digo, suspirando no final da minha frase. -E tu?

-Vivia no norte, quase ao pé da fronteira, numa pequena cidade onde quase todos se conhecem. Eu gostava daquele lugar, sobretudo durante aqueles dias de Verão em que o céu tem poucas nuvens. Eram os dias perfeitos para ver o pôr-do-sol.- diz e um sorriso ainda maior aparece na sua cara.

-Se gostavas tanto desse lugar, porque é que vieste para aqui?- pergunto, curiosa.

-Não me sentia feliz, pelo menos não totalmente. Percebi que talvez se mudasse de cidade e começasse a minha vida do zero poderia encontrar a felicidade que não tinha.

-E já a encontraste?

-Ainda estou a meio da minha busca.- sorrio após as suas palavras e olho para o prato que o empregado acabara de colocar à minha frente.

[...]

                Sento-me sobre a relva não retirando os olhos daquela tão bela cascata. Coloco os livros nas minhas pernas, numa tentativa de não os sujar. Harry senta-se ao meu lado, presumo que esteja a fazer a mesma coisa que eu, observar a beleza deste lugar. Beleza essa que me leva a querer que isto é apenas um sonho criado por mim para me retirar da realidade que odeio. Mas existe um pormenor que elimina esta minha teoria, Harry. Ele não pode ser fruto da minha imaginação, eu não consigo imaginar coisas tão belas como ele. Harry é real, feito de carne e osso e com uma história por de trás. Esse pormenor faz com que perceba que tudo isto é real. A clareira é real, Harry é real, tudo à minha volta é real. Nada faz parte de um sonho. Tudo isto é a realidade onde vivo que a cada dia que passa se torna melhor para mim.

                  Desvio a minha atenção da cascata para Harry. Tal como presumia, ele está a olhar para a paisagem à nossa frente. Eu gosto da sua companhia, desde o dia que o vi aqui sentado que tudo mudou. Já não venho aqui para retirar a dor que sinto, venho aqui para ter a sua companhia. A dor desapareceu, como se vento a tivesse levado com ele. Ainda não nos conhecemos bem, mas ele não é um simples conhecido para mim, acho que já o poderei considerar um amigo. Não percebo muito de amizade, esse tema nunca foi muito explorado por mim, mas para a minha pessoa o simples facto de eu apreciar a sua companhia significa que ele é meu amigo. Não nos conhecemos à muito tempo, talvez à pouco mais que uma semana, mas esse foi o tempo suficiente para que aquela pessoa mudasse a minha vida drasticamente para algo melhor.

-Eu gosto da tua companhia Harry.- digo e a sua cabeça vira até encontrar os meus olhos.

-E eu da tua Elisabeth. -diz com um sorriso.


Waterfall |h.s|Onde histórias criam vida. Descubra agora