Três

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          Sinto os olhos dos adolescentes da minha escola focados em mim. Talvez seja por ter o cabelo encharcado,tal como as minhas roupas, ou talvez será pelo rumor que anda a ser espalhado pela escola inteira no qual dizem que me envolvi com alguém que nem mesmo eu conheço. Não sei quem começou a espalhar este rumor,  nem mesmo quando, apenas sei que assim que cheguei à escola as pessoas começaram a sussurrar. 

           Assim que entro na sala de aula, sento-me no lugar mais afastado do resto da turma. Não presto atenção aquilo que o professor está a dizer. Deito a minha cabeça na mesa e fecho os olhos. Estou cansada. Cansada de viver nesta cidade. Cansada de pensar no meu futuro aqui. Cansada de estar sozinha e com pensamentos negativos espalhados pela minha cabeça. Ainda estou na primeira aula da manhã e já estou cansada de estar aqui, presa nesta sala.

            Pego nas minhas coisas e saio dali. Não quero saber se a aula ainda estava a decorrer. Não quero saber se o professor estivesse a dizer para me sentar. Apenas quero sair deste sítio que me mantém refém há tanto tempo. Neste momento estou apenas preocupada com a minha felicidade, algo que parece quase impossível de encontrar. 

          Sento-me num banco vazio no pátio da escola. O meu cabelo voa conforme o vento bate contra este. Estou sozinha, novamente. Observo as nuvens a juntarem-se cada vez mais. Se começar a chover terei de entrar num dos edifícios para me proteger desta. Embora goste da chuva a percorrer todo o meu corpo, ontem estive demasiado tempo sobre esta e, como consequência, acho que apanhei uma pequena constipação.

          Não vi a minha mãe hoje de manhã. Assim que cheguei à escola, depois de uma longa noite na clareira, não fui ter com ela a avisá-la que estou bem. Sinto-me mal por não a ter avisado. Será que ela está preocupada? Essa é a maior questão que tenho neste momento. Poderia ir ter com ela à sala de professores. onde geralmente se encontra a esta hora da manhã, mas preciso de estar sozinha. 

          O toque de saída faz com que eu acorde do meu pequeno mundo. O pátio começa a ser preenchido com adolescentes que saem lentamente pelas portas principais dos variados edifícios. Levanto-me do banco ao ver um grupo de rapazes a aproximarem-se do mesmo. Afasto-me um pouco da multidão que se formou, indo de encontro às escadas que dão acesso ao refeitório, sentando-me nestas. Observo as pessoas a falarem, a rirem e até mesmo só a ouvir música. Lembro-me de que quando cheguei a esta escola a única tarefa que dei a mim mesma foi infiltrar-me num dos muitos e variados grupos, uma  tentativa de arranjar amigos de qualquer género, algo que me apercebi ter sido um falhanço autêntico apenas dias depois do meu primeiro dia de aulas.

          Os meus olhos param de olhar em volta quando observo aquilo que vem na minha direção. O grupo de raparigas que poderei dizer que são minhas inimigas vêm ao que parece ser à minha procura e os seus olhares não parecem ser de simpatia. Levanto-me rapidamente das escadas e começo a correr. Correr numa tentativa de não ter mais marcas no meu corpo devido aos murros e aos socos. Começo a correr numa tentativa de me libertar delas. Começo a correr numa tentativa de me salvar de ainda mais dor.

          Mas isso falhou.

           Sinto o meu corpo a ser empurrado contra uma parede, fazendo com que os meus olhos fechem. Dor é primeira coisa que penso neste momento. Dor devido os socos que estou a sentir, tanto na minha cara como no meu torso. Dor devido aos pontapés que estou a sentir nas minhas pernas e que fazem com que estas fraquejam e com que eu quase caia no chão. Dor devido à enorme força com que uma mão me está a segurar no braço. Poderia acabar com tudo isto, mas o que sou eu contra seis raparigas? Seis raparigas com força contra uma que tem medo de aranhas e nem sequer sabe nadar. Eu sou como uma formiga contra elas, inocente e incapaz de lutar de volta.

          Os socos param, tal como os pontapés, e com isso eu caiu no chão de joelhos. Lágrimas já começaram a sair pelos meus olhos e a única coisa que consigo ouvir são os risos das raparigas, como se a gozarem comigo. Tento levantar-me, mas caio de novo no chão, provocando mais risos. Mais lágrimas escorrem pela minha cara, mais dor que sinto pelo meu corpo.

          Agradeço ao toque da escola por as ter tirado de ao pé de mim. Sinto-me um farrapo neste momento. Sinto-me tão mal que nem mesmo eu sei explicar o quanto. Eu quero sorrir e quero rir diariamente, mas não o consigo fazer por isto. Por ser o farrapo de alguém. Por ser um saco de boxe para seis raparigas. Por ser intimidada pela escola inteira.

          Após vários minutos sentada no chão, finalmente consigo levantar-me. As minhas pernas estão a tremer e quase que não consigo andar, mas eu tenho de me ir embora. Tenho de fugir desta escola antes que a minha mãe veja o estado em que estou. Não quero que ela se demite do seu emprego de sonho por minha causa. Eu quero que ela seja feliz, como ela deve de estar agora a dar aulas, afinal sempre foi o seu sonho. Eu quero que ela continue a viver feliz e que não se preocupe comigo, pois eu sou como um pequeno obstáculo para a sua felicidade. Eu quero que ela continue com um sorriso na cara sempre que a vejo e quero que ela me conte histórias engraçadas das suas aulas ao jantar. Eu não quero que os nossos jantares sejam focados em mim e apenas em mim. Eu quero que ela me conte o que aconteceu no sua dia, quero que ela me diga tudo de bom que lhe aconteceu.  E se ela me vir neste momento, esses momentos poderão acabar.

          A rua encontra-se calma nesta altura do dia. Poucos carros passam pela estrada e poucas pessoas estão nos passeios pelos quais ando. O vento levanta os meus cabelos e transmite um pouco de frio para o meu corpo. Mas o frio não é aquilo que me está a incomodar neste momento. A dor sim, essa incomoda. A cada passo que dou, a cada movimento que faço, tudo transmite dor. Mas o facto de que querer acabar com ela é a razão de continuar a andar. Eu quero ter uma vida normal, tal como o resto das raparigas de dezassete anos espalhadas pelo mundo. Mas por mais que tente que isso aconteça, nada muda e eu tenho de continuar neste ciclo sem fim ao qual eu chamo de pesadelo.

          As árvores começam a ficar cada vez maiores, e quando dou por mim já me encontro dentro da floresta a seguir as marcas presentes nas árvores. Por vezes tenho de me segurar a estas devido à dor que por vezes sinto nas pernas, atrasando ainda mais a minha chegada à clareira. Os meus pés já se encontram doridos de tanto andar por entre as árvores, causando ainda mais dor àquela que eu já sentia antes de sair da escola. Eu quase que não consigo avançar mais nesta pequena viagem devido à dor. Mas eu estou tão perto. Estou perto do lugar que me poderá tirar deste sofrimento tremendo que estou a ter neste preciso momento. Parece ser impossível, mas sempre resultou desde à dois anos para cá, porque razão não irá resultar agora?

           Os meus pés param assim que avisto a enorme cascata ali presente mesmo à frente dos meus olhos. Um pequeno sorriso tentou ser formado na minha cara, mas logo teve de desaparecer devido à dor que senti na cara. Comecei a aproximar-me da cascata, mas paro assim que reparo numa pessoa ali, sentada na relva. Não consigo andar mais. Os meus pés parecem que estão colados à relva onde estes pousam. As minhas mãos começam a tremer e parece que me esqueci como controlar o meu corpo.

             O meu refúgio foi descoberto. O sitio onde eu costumo relaxar foi descoberto. O sitio onde eu ia apenas para chorar e tirar pensamentos negativos foi descoberto.

            Porque é que tudo o que temo tem de acontecer na realidade?

Waterfall |h.s|Onde histórias criam vida. Descubra agora