Dois

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          Os meus olhos estão focados no enorme teto branco do meu quarto. A chuva bate com alguma força na janela, o que faz com que eu não me sinta totalmente sozinha. Queria ir para a floresta. Queria ficar na chuva e desfrutar de cada momento nesta. No entanto, a minha mãe insistiu para eu vir para casa, assistir a algum filme na televisão ou ler algum livro. Não foi difícil ignorar as atividades que ele propôs, afinal já li e reli todos os livros que tenho no meu quarto e já vi todos os filmes que existem na sala. Já me fartei destes dias de chuva fechada em casa.

           Levantei-me da cama pela primeira vez em horas. Tenho os pés dormentes, o que faz com que eu quase caía. Aproximei-me um pouco da janela do meu quarto e observo o que acontece no céu coberto de nuvens cinzentas. Relâmpagos são possíveis  ver no horizonte, mas impossíveis de ouvir nesta casa. Fixo os meus olhos em duas gotas que estão a escorrer pela janela e tento adivinhar aquela que vai chegar primeiro ao fim desta, tal como fazia em pequena. Sinto os meus lábios a começarem a moverem-se para formar um sorriso totalmente verdadeiro. Adoro estes momentos sozinha e sem ninguém a ver as brincadeira infantis que faço.

           O som de um relâmpago faz com que eu acorde do meu pequeno mundo. A tempestade está a aproximar-se e eu estou entusiasmada. Entusiasmada devido a poder ver a trovoada mais perto e devido a poder ouvir a chuva com mais intensidade a bater contra a minha janela. Entusiasmada por algo que sempre me fascinou desde pequena. Afinal, não é todos os dias que somos capazes de ver pequenos raios a saírem por entre as nuvens e a causar um barulho tão alto que se pode ouvir a quilômetros de distância.

          Olho para o meu relógio de pulso e vejo que já são quase nove horas da noite. Já perdi a hora de jantar e desperdicei a tarde inteira a fazer absolutamente nada. Apoio a minha testa na janela e fecho os meus olhos. O som dos relâmpagos juntamente com o som da chuva a bater na janela fazem uma pequena melodia da qual eu agradeço que exista. Por essa razão é que eu quero ir lá para fora. Quero ir lá para fora não só para ouvir melhor esta tão agradável melodia, mas também porque quero sentir a chuva a cair sobre o meu corpo e o vento a bater contra este. Quero aproveitar esta pequena tempestade para conseguir ter um momento em que estou feliz comigo mesma e com o mundo que me rodeia.

          E é isso que eu vou fazer.

          Afasto-me da janela e dirijo-me ao armário, de onde tiro um casaco um pouco quente para o frio que sei que vou sentir. Após vesti-lo, saio do meu quarto e desço todas as escadas com uma grande velocidade, o que faz com que eu quase caía nelas. Saio pela porta de entrada e fecho-a logo a seguir. Sinto a chuva a bater fortemente no meu corpo, principalmente na minha cabeça, mas eu não me importo. Eu gosto disto. Gosto da chuva a preencher cada parte do meu corpo e do som que ela provoca a embater com o chão. Gosto de quase ninguém estar na rua e apenas um ou dois carros passar por esta. Gosto de sentir o frio a tomar conta do meu corpo. Para outras pessoas isto seria o inferno, mas para mim isto é apenas o inicio de um caminho para o paraíso, pois o meu caminho só termina quando chegar finalmente ao meu refúgio, ao lugar mais calmo do mundo. Eu apenas preciso de chegar lá para este momento se tornar ainda melhor.

          As casas começam a desaparecer, tal como as intensas luzes da rua. A única coisa que agora consigo ver é escuridão. Os meus olhos não estão habituados a isto. Nunca precisei de os usar nestes momentos de escuridão intensa. Usava sempre a lanterna que o meu pai tinha na garagem quando queria aventurar-me no escuro. Mas, agora, essa lanterna ficou perdida no meio da desarrumação do meu quarto. Se quiser atravessar esta imensa floresta para chegar à clareira, os meus olhos são os meus únicos aliados.

          Uso as minhas mãos para apalpar os troncos das árvores em busca das marcas que fiz para saber o caminho para o meu paraíso. Não sei como, nem quanto tempo demorei, mas os meus olhos abriram o máximo que conseguiram quando avistaram a clareira. Consegui chegar sem ajuda de uma fonte de luz, parecia quase impossível. 

          Comecei a correr sobre a relva e deixei que um sorriso apoderasse a minha cara. O meu cabelo quase que está colado, mas mesmo assim conseguiu soltar-se quando comecei a rodopiar. Deixei-me cair no chão e dei uma pequena risada quando sinto as gotas de chuva a atingir a minha cara. Olho para as nuvens cinzentas que parecem que estão fixas naquele mesmo local e a deitar todas as gotas que contem, o sorriso enorme a apoderar-se de quase toda a minha face. É aqui que eu pertenço, entre as árvores e as gotas de chuva de um dia mais que cinzento, entre os risos e o olhar atento das cinzentas nuvens que pareciam não querer desaparecer. 

           Sinto os meus olhos a ficarem cansados, começando a fechar-se lentamente. Queria ficar acordada, aproveitar este momento para me divertir um pouco mais. Quero tentar nadar no lago e sentir a água da cascata a embater contra a minha pele, tal como a da chuva. Quero ouvir e ver os relâmpagos que rasgam os céus como se neles mandassem. Quero ouvir a tão agradável melodia que está no ar. Quero aproveitar cada momento neste lugar como eu nunca fiz.

           Mas acho que cheguei muito tarde, pois os meus olhos fecharam-se levando-me para a escuridão dos meus sonhos. 


Waterfall |h.s|Onde histórias criam vida. Descubra agora