Fecho o cacifo com a mínima força possível, de modo a não chamar a atenção das poucas pessoas que passam pelo corredor. Mais um dia de aulas chegou ao fim, trazendo com ele o tão aclamado fim-de-semana, não tão aclamado para algumas pessoas pois este significa horas e horas de estudo. Para minha infelicidade, eu faço parte da pequena quantidade de pessoas que utiliza o fim-de-semana para estudar e não para apenas ficar deitada na cama a fazer absolutamente nada.
Fico parada à saída do edifício a observar a enorme quantidade de chuva que caí e a pensar em como irei chegar a casa sem estar encharcada. Hoje já não poderei ir à clareira e estudar com o som da água da cascata a embater no lago a aumentar a minha concentração no estudo, tal como tinha planeado anteriormente. O melhor é ir para casa e estudar com o calor a sair da lareira de modo a aquecer o meu corpo. Embora eu goste muito de chuva, ficar constipada não está nos meus planos neste momento, sendo esse o único motivo para eu alterar o meu caminho hoje.
Abro a minha mochila e retiro desta o pequeno chapéu de chuva que me lembrei de colocar esta manhã. Começo a andar em direção à saída da escola, tendo como companhia a leve melodia da chuva a embater no chapéu que me protege.
Caminho pelo passeio, desviando-me da beira quando algum carro passa, protegendo o meu corpo da água levantada por estes. O meu passo é apressado, apenas por estar com algum frio. Eu poderei gostar de chuva e de vento, mas quando se fala de frio eu não aguento. Considero-o como um inimigo, desde pequena que o faço. Não sei de onde nasceu este meu ódio, mas sempre que o frio ataca pequenas memórias de quando era criança aparecem e eu não gosto que isso aconteça. As memórias que tenho da minha infância não são as melhores.
Oiço o barulho de um carro e rapidamente me afasto da beira do passeio, esperando o barulho da água situada na estrada a cair sobre o passeio, algo que não aconteceu. Olho para a estrada e identifico aquele carro ali parado como o de Harry. A minha ideia confirma-se quando o vidro é aberto e lá dentro consigo ver o seu cabelo cacheado. Aproximo-me do carro e baixo-me um pouco para ficar à altura da janela e olhar para aquele rapaz que por meros segundos fez com que parasse de respirar apenas pelo seu sorriso.
-Hey. - digo ao mesmo tempo que ele, soltando um pequeno riso de seguida.
-Precisas de boleia?-pergunta e eu simplesmente fecho o chapéu e entro dentro do carro, colocando o chapéu aos meus pés.- Vou considerar isso um sim.- diz e o meu sorriso aumenta.
-O que fazes por estes lados?- pergunto com curiosidade, pois sei que ele não vive nesta parte da cidade.
-Vou ao supermercado. Penso que isso é uma atividade bastante comum entre as pessoas normais.
-Mas tu não és normal.- digo enquanto olho para si concentrado na estrada.
-Nem tu Elisabeth, mas isso é uma conversa para outro dia.- diz e finalmente olho para a frente onde um sinal passa a vermelho, obrigando Harry a parar.
A chuva continua intensa e ao longe consegue-se ver trovões, ouvindo-se o seu barulho segundos depois. A música vinda do rádio está num volume baixo, sendo um pouco abafada pelo barulho da chuva a embater no carro. Isto foi o que sempre quis, ter este tempo para mim considerado perfeito e estar a aproveitar esse tempo na companhia de alguém que gosto. Isto foi o que sempre quis.
-Deixo-te em casa ou queres ser a minha companhia enquanto faço compras?- Harry pergunta e eu volto a olhar para ele, novamente concentrado na estrada devido ao sinal verde.
-Prefiro a segunda opção, sem dúvida.
O resto do caminho eu apenas o observei. O tempo lá fora é algo que vejo quase todos os dias, ele não. Harry é aquele tipo de pessoa que eu poderia ficar horas a observar e eu não me iria importar. Ao longo do tempo vou encontrando alguns pormenores que me cativam ainda mais a si. Ele tem uma personalidade que ainda não identifiquei, sendo esse o porquê de o achar diferente das outras pessoas, para não falar na simpatia que ele tem para comigo. Pequenos pormenores como a maneira como sorri ou o simples puxar de cabelo que faz quando está nervoso são aspetos que já me apercebi por observá-lo.
Ambos corremos para dentro do supermercado numa tentativa de nenhum de nós se molhar. Harry foi buscar um carrinho, enquanto tento secar o meu cabelo da pouca quantidade de chuva que apanhou. Quando ele se aproxima de mim com o carrinho a primeira coisa que faço é saltar para dentro deste, tal como fazia quando era pequena. Oiço Harry rir e olho para trás apenas para o ver enquanto se ri, fazendo um pequeno sorriso nascer na minha cara.
Percorremos o supermercado de uma ponta a outra, enchendo o carrinho aos poucos a poucos. A uma certa altura tive de sair de dentro deste devido a estar a ocupar demasiado espaço. As compras consistiam basicamente em comida congelada, estando no meio desta algumas batatas fritas e pasta de dentes. Tudo isto devido à falta de habilidade que Harry tem em cozinhar, pelo menos foi assim que se justificou quando lhe perguntei o porquê de tanta comida.
Ajudei-o a colocar as compras no carro, resultando em dois adolescentes completamente encharcados dos pés à cabeça. Corri até à porta do carro e rapidamente me sentei na segurança e no conforto que este me pode dar.
-Se eu apanhar uma constipação nunca mais faço compras. - diz assim que entra no carro.
-Poderias era escolher um dia diferente para fazeres compras.
-Não almoçar não estava nos meus planos e ainda não está. -diz ao mesmo tempo que roda a chave para o carro começar a trabalhar. -Deixo-te em casa?
-Sim, por favor. - digo enquanto esfrego os meus braços numa tentativa de me aquecer.
-Eu ligo o ar condicionado, não te preocupes.- diz a carrega num dos botões ao seu lado.
-Obrigada. - murmuro
O resto do caminho ninguém pronunciou uma palavra, criando um silêncio entre nós abafado pela som da chuva e do limpa para brisas. Desta vez não fiquei a observá-lo, apenas ficar a olhar para os meus ténis e a aquecer-me um pouco mais até chegarmos ao destino final. Não esperava que uma conversa nascesse deste silêncio, e foi exatamente isso que aconteceu. Afinal, ambos estamos com frio e queremos chegar a casa para podermos trocar de roupa para algo mais quente.
-Aqui estamos.- oiço Harry dizer, levando a que levante a cabeça e olhe para a janela do meu lado vendo a minha casa.
-Obrigada pela boleia Harry.-digo após virar a cabeça na sua direção.
-Obrigada por me fazeres companhia enquanto fazia compras.- diz e eu deixo um pequeno riso escapar por entre os meus lábios, relembrando o que aconteceu à minutos atrás.
-Foi um bom momento.- digo e vejo-o a assentir.
Pego a minha mochila que ainda se encontrava aos meus pés e coloco uma alça no meu ombro. Olho uma última vez para Harry e começo a abrir a porta para sair do carro agora quente e onde me sinto segura.
-Espera.- oiço-o dizer e rapidamente viro a minha cabeça na sua direção.- Que tal amanhã vermos um filme juntos? Tu podes escolher, claro.- diz após puxar o seu cabelo para atrás.
-Adoraria.- digo com um sorriso presente na minha cara.
-Então amanhã eu venho-te buscar, pode ser?- pergunta e eu assinto.- Fica à espera então. Até amanhã.- diz com um sorriso que apenas pode aumentar o meu.
-Até amanhã.-digo e saio do carro a correr para chegar à minha casa onde um banho quente e uma manta me esperam.