Capítulo Vinte e Quatro

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RAFAEL MONTEIRO

Reunidos em volta da mesa, aguardo o momento ideal para entregar a prova. Desde quando chegaram em casa, meus pais me rondam tentando tirar alguma informação de mim. Fico o mais apático possível. Por mais que a nota tenha sido excelente, nunca sei o que esperar do meu pai. 

Mesmo o clima em casa estando bem melhor desde semana passada. A conversa sobre a faculdade, as horas de estudos e o reforço aliviaram a pressão exercida por Daniel. Apesar de sempre sentir a tensão quando sua atenção volta-se para mim. 

Ignoro a conversa o máximo que posso, mas o jantar se encaminha para o fim e não tem para onde escapar. 

— A sua prova foi hoje? — Minha mãe pergunta, mesmo sabendo a resposta. 

Ofereço a confirmação que tanto quer. 

— Sim. — respondo, monossilábico.

— E a nota já saiu? 

— Saiu. 

— E…

Sei que estou prolongando a agonia. A minha e a dos meus pais. É automático, o tópico: escola, sempre vira uma onda de ofensas e não quero ser atingido por ela. Por isso, ao invés de usar as palavras, recorro a uma fonte mais substancial. Tiro a prova do bolso da bermuda. Ela está amassada e fui dobrada várias vezes. 

— Podia ter tido mais zelo. — fala Daniel. 

Decido ignorar a bronca e aguardar a reação deles. Meus pais olham a prova juntos e depois, um de cada vez faz inspeção pelo papel. 

Minha mãe está prestes a falar quando meu pai a corta: 

— A nota é sua mesmo ou colou? 

Respiro fundo para não dar uma má resposta. 

— É minha mesmo. — respondo, com a raiva apertando a garganta. 

— Daniel…

— Certeza absoluta? — Confirmo.

— Realmente, impressionante. — Ao contrário do que esperava, sua voz não demonstra incredulidade, felicidade ou orgulho. Só o mais puro deboche e desconfiança. — Quer mesmo que eu acredite nisso?! — exclama, lançando a prova na mesa. 

O papel plana por alguns segundos antes de encostar no molho do macarrão. O papel antes branco, torna-se vermelho, o dez em azul é manchado, avermelhando-se como as contas.

— Daniel… — Alerta minha mãe. 

— Joana, acha mesmo que vou acreditar nisso? De notas horríveis, ele passa para um dez, a nota máxima? Um sete ou oito, tudo bem, mas dez, impossível. 

Solto um riso incrédulo diante de sua fala. 

— Puta merda… — falo baixo. 

O silêncio toma conta do cômodo. Tenho a atenção dos meus pais em mim. Mas ignoro minha mãe, direcionando a fala para seu marido. 

— O que disse? — Daniel pede para repetir. 

— Eu disse: puta merda. — minha voz sai alta e clara e cansada. 

Estou cansado pra caralho. Nunca está bom. Se vou mal sou inútil, incapaz. E quando vou bem, também sou visto como incapaz. Não consigo entender a lógica que passa na cabeça de Daniel. 

O três não é bom e o dez também não é. Então, que porra é bom para ele? Aparentemente, nada. 

Não importa o quanto eu me esforce, a sua visão pré estabelecida sobre mim continua forte. Todo aquele fingimento sobre as aulas, a felicidade pela minha melhora escorre pelo ralo. 

A física entre nós [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora