RAFAEL MONTEIRO.Certas decisões parecem ser as melhores no momento de empolgação e desejo de agradar os outros. Porém, quando a euforia passa e você percebe que está sentado ao lado da sua professora particular com os pais dela e o irmão num jantar que lembra muito a apresentação de um namorado a família, a decisão não é lá tão boa assim.
Sentia na pele os sentimentos de Elena no dia do jantar em minha casa. Mesmo sua família sendo bem divertida, é inevitável não sentir uma pressão.
— E você, Rafael, quais são seus gostos? — questiona Lucas, pai de Elena e Heitor, ele sorri leve, pronunciando o nervo morto da boca. Ele tinha comentado mais cedo sobre ele. Segundo Mariana, o seu sorriso torto é seu charme.
— Eu gosto de séries policiais e investigativas, e desenho de vez em quando.
— Desenha? — confirmo. — Animais, pessoas?
— Um pouco de tudo, normalmente paisagens e pessoas, agora estou arriscando nos animais, mas não estão bons.
— É prática. Finalmente tenho alguém que gosta de desenhar, porque esses dois — faz um gesto indicando Heitor e Elena — não desenham nada. Nem parece que são meus filhos. Não puxaram nada meu.
— Não é assim também, Lucas. Eles puxaram você sim.
— Onde? Só por serem bons em exatas já é um contraponto na sua fala.
— Eles puxaram seu gosto por mitologia.
Como se para confirmar a fala da mãe, Heitor e Elena mostram as tatuagens do antebraço. Um guerreiro espartano e a Medusa.
— Pelo menos isso. Sabe, Rafael, ter três pessoas que são de exatas em casa não é fácil. Elena com 9 anos vinha falar de teoria do big bang e buracos negros por causa de documentários, Heitor vinha falar sobre as pirâmides do Egito, torre de babel. E eu entendo disso? Não.
Estamos todos rindo da forma que Lucas expõe seu ponto de vista.
— Eles ligavam nos documentários e eu voltava à época da escola. O professor de física ou de matemática entrava na sala para dar aula, a minha cabeça viajava automaticamente. Era instantâneo, começava a aula, a minha cabeça ia longe pensando em música ou cores.
— Eu sei como é. Luis fala: A aula de hoje será sobre… Eu já estou pensando no próximo desenho.
A tensão que estava sentindo foi embora, agora me sentia confortável entre eles. Lucas tinha um magnetismo natural, chamava todos para a sua bolha alegre e extrovertida. Elena também tem o magnetismo do pai, apesar de passar a mensagem passiva-agressiva, é difícil não notar quando chega. Ela atrai a todos com seu charme rude.
— Rafael por causa do arcanjo Rafael? — pergunta Mariana. Não entendo muito bem o porquê da pergunta. Entretanto, respondo da mesma forma.
— Não sei, acho que meus pais só acharam bonito mesmo.
— Você sabia que os nomes deles são inspirados em Tróia?
— Ela vai contar a história de novo. — Elena fala para Heitor, fingindo que ninguém está ouvindo.
— Vai, dessa vez é por sua causa. — A resposta de Heitor faz Elena revirar os olhos.
— Você conhece a história de Tróia? — concordo com a cabeça.
— Eu e Lucas estávamos na Grécia, fazendo um mochilão, a gente ainda não se conhecia nessa época. Éramos dois jovens pelo mundo. Nos esbarramos no Parthenon e logo rolou uma identificação, ficamos conversando enquanto exploramos as ruínas do templo. Durante o passeio conhecemos um senhor, grego, setenta e poucos anos, ele contava as histórias de Homero.
"Chegamos bem na hora que ele inicia a narrativa de Tróia, então, eu e Lucas cansados de olhar as ruínas paramos para ouvir o senhor. Seu inglês era carregado e às vezes não entendíamos muito bem. Ele contou as duas versões, a primeira: Helena era sequestrada por Paris e levada à força para Tróia e a Grécia inteira se unia para salvar a rainha de Esparta. E a segunda: Helena fugia de Menelau para Tróia com o príncipe Paris. E depois vem toda a guerra."
Todos nós ouvíamos com atenção. Elena e Heitor mesmo tendo provocado a mãe antes dela começar a história, observavam Mariana com carinho. Sabem aquela história de cor, mas ouviam como se fosse a primeira vez. E Lucas… Lucas tinha os olhos brilhando e um sorriso leve no rosto enquanto ouvia sua mulher contar.
"O ponto é. Eu e Lucas ficamos horas e horas debatendo as versões. Eu prefiro a segunda. Helena era uma mulher e rainha num tempo difícil, direito de escolhas nulas. Sua beleza era o principal e por isso não viram o que demais ela tinha. Então, ela escolheu por si e teve que lidar com as consequências. O foco aqui não é a guerra em si. Não vou falar sobre Paris porque ele não merece. Ai vem Heitor e Aquiles dois heróis com propósitos diferentes. Se de um lado temos o Príncipe Heitor, do outro temos Aquiles, o grande semideus banhado no rio Estige. Imbatível, imortal a não ser um ponto vulnerável, o calcanhar."
Mariana pausa e toma um gole de vinho.
"Eu prefiro Heitor, ele tinha um filho e uma esposa e mesmo assim foi para o campo de batalha. Lutou contra Aquiles, morreu pela espada do semideus. Pode-se pensar que ele não foi herói. Heitor lutou contra quem sabia que não tinha chances. Lutou pelo seu filho, esposa, irmão e povo. Já Aquiles lutava por fama e honra, ele é um guerreiro e morreu por uma flechada como soldados morrem. Depois de horas de discussão foi nessa análise que chegamos. Lucas e eu começamos a namorar três dias depois de nos esbarramos no Parthenon. Heitor é em homenagem ao príncipe da Ilíada de Homero. E Elena é Elena porque tem a beleza da de Tróia e capacidade de decidir o próprio destino igual aquela que inspirou seu nome."
*
Depois da finalização da história, comemos a sobremesa e eu me preparei para ir embora. Elena iria me levar para casa, sem Heitor dessa vez.
O trajeto foi feito num silêncio confortável. As palavras de Mariana continuavam rondando por meus pensamentos. Nunca tinha pensado pelo o ponto de vista que apresentou. Tróia para mim, é luta e conquista, mas, depois de escutar sobre o símbolo de herói que Heitor representa, entendo a razão de dar a seu filho esse nome.
E Elena, linda como a Tróia e decidida igual aquela que também é a razão de seu nome.
Parados na frente da minha casa espero a vontade de sair vir, contudo, ela não vem. Quero continuar sentado no banco do carro.
— Elena de Tróia? — chamo-a.
— Você não começa.
Virados um para o outro com a cabeça apoiada no encosto do banco.
— Sua mãe está certa, você é como ela.
Forte, decidida e linda.
Suas bochechas coram. Deve ser a primeira vez que vejo suas bochechas adquirirem o tom avermelhado. A luz amarelada do poste ilumina seu rosto. Ela me lembra uma ninfa. Bonita e sedutora.
Nos aproximamos de forma inconsciente. Sua respiração faz cócegas no meu rosto. Sem aguentar nem mais um minuto, a puxo para um beijo.
Suas mãos se embrenham no meu cabelo, e as minhas mãos buscam seus fios, também.
Sua língua e a minha conectam-se. Seus dentes mordem e puxam meus lábios. Desço a mão pelo seu corpo, apertando e segurando. Nosso beijo é quente e íntimo, dançamos uma coreografia conhecida.
Estou perdendo a cabeça.
Cada movimento da sua língua gera um arrepio. Mordo seu lábio inferior. Aperto sua bunda.
Elena me enlouquece. Me tira do eixo.
Nos afastamos para respirar.
Ela passa a unha pela armação do óculos, contorna meu maxilar e passa o dedo indicador pela minha boca.
— Usa óculos mais vezes.
Com um último selinho, ela se afasta. Entendendo a deixa, saio do carro. E da porta de casa, vejo a rainha dominar um pouco mais do território do meu coração.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A física entre nós [CONCLUÍDO]
Roman d'amourRafael está ferrado. Perto de reprovar em física, se vê desesperado. A matéria parece não entrar na sua cabeça, todas aquelas letras, números, raízes e constantes o confundem. Sem saber o que fazer, recorre a Elena. A garota é a sua última esperanç...