X - Patologista

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A professora movia os dedos perante a multidão de estudantes acomodados no auditório enquanto explicava cada vírgula do conteúdo, mas minha atenção se mantinha focada em outros detalhes. Com as pupilas fixas nas unhas um tanto quanto desgastadas e mal-feitas, minha mente lembrava a todo momento os acontecimentos de antes. Deslizei a língua entre os lábios e rocei os joelhos um contra o outro a fim de afastar os pensamentos que infelizmente não me deixavam em paz.

Talvez eu estivesse delirando em cogitar que o ato de Junhui, naquela noite, tinha apresentado significado.

Enrosquei os dedos entre minhas madeixas um pouco desidratadas, pressionei, apertei e puxei a fim de esvaziar as paranoias que tanto me infernizavam. A disciplina demonstrada pela professora era de extrema importância para que eu me formasse com êxito. Por que Junhui me atrapalhava até quando não estava por perto? Ele mantinha algum tipo de feitiço sobre mim?

— Tendo uma crise existencial no meio da aula? — Mingyu reclamou com o olhar preso em mim. — Eu sei que a gente estuda Filosofia, mas não precisa levar ao pé da letra assim.

— Não é isso. — respondi num fio de voz. — Não paro de pensar no Jun desde a noite em que a gente saiu pra beber com as meninas.

Mingyu, subitamente, avançou sobre mim como um cachorro treinado e expôs o mais profundo interesse em saber do assunto:

— Deixa eu adivinhar: vocês dois beberam demais e acabaram fazendo sexo. Isso é tão clichê.

— Não.

— Então se beijaram?

— Também não.

Ele se afastou tendo um ponto de interrogação bem grande no rosto, denunciando que desejava que eu lhe contasse os ocorridos que me levaram a tal estado. Respirei fundo antes de abrir a boca e explanar um pequeno resumo da situação:

— O Junhui exagerou na bebida e fez o poke em mim!

Poke? O que é isso?

— É um gesto do Clã Uchiha que se baseia em tocar a testa de alguém com os dedos indicador e médio. Serve para demonstrar amor e carinho. O Itachi fazia no Sasuke, e o Sasuke repassou e começou a fazer na Sakura e na Sarada. O pior de tudo é que, antes de encostar na minha testa, ele revelou que assistia a Naruto, ou seja, foi um sinal!

Mingyu se limitou apenas a me fitar durante minutos inconsequentes e, no momento seguinte, não escondeu as gargalhadas escandalosas — que chegaram a incomodar outros estudantes sentados rente a nós. As risadas perduraram até o ar se ausentar de seus pulmões.

— Ah, Minghao! — ele resfolegou limpando o canto dos olhos. — Agora entendo o motivo pelo qual ninguém quer namorar você. Eu também não ia conseguir aguentar um emocionado.

Indignado, puxei o caderno dele e abri nas últimas folhas.

— Você escreveu o nome dos seus futuros filhos com o Wonwoo aqui e ainda tem a cara de pau de me chamar de emocionado?! — apontei à página cujas linhas eram preenchidas por nomenclaturas populares dadas a recém-nascidos.

O coreano lepidamente tomou a papelaria das minhas mãos e segredou a centímetros de meu rosto:

— Tenho mais chances com o Wonwoo do que você tem com o Wen Junhui.

Nem pude retorquir a provocação de Mingyu, pois um Jeon Wonwoo vestindo preto da cabeça aos pés e com o cabelo tipicamente disposto perante os olhos apareceu com uma caneta entre os dedos. Mingyu prontamente se afastou e se recompôs.

— Você me emprestou ontem e esqueceu. — o único a não estar sentado se pronunciou. Meu amigo, em meio a movimentos tímidos, apanhou a caneta de volta para si com um ínfimo sorriso alargando os lábios. — Obrigado, Mingguk.

Separados por uma foice e um marteloOnde histórias criam vida. Descubra agora