A MÁSCARA

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Pedro Paracambi sofria de "Acne Pápulo-Pustulosa". Seu rosto era coberto por cravos e espinhas de aparência vermelha que costumavam inflamar e apresentar pus. Tentou, desde criança, diversos tipos de tratamento, mas nenhum foi eficaz.

Na infância e juventude foi ridicularizado pelos colegas de escola e faculdade, além de desprezado pelas meninas. Elas sentiam um certo nojo daquele "bando de caroços" com secreção.

Para compensar o problema dedicou-se a cuidar do corpo e, ao longo da vida, sempre foi "sarado". Mesmo assim tinha sérias dificuldades de relacionamento e, devido à tanta rejeição feminina, sentia medo das mulheres. Com quase 30 anos nunca havia namorado e se torturava por isso.

No carnaval de 2017 estava em Olinda. Adorava esta época do ano, pois era o momento que podia esconder a vergonha do seu rosto usando uma máscara. Assim, desfrutava com profunda alegria daquela grande festa.

Naquela época as máscaras de políticos e figuras públicas estavam em baixa. Adquiriu por míseros R$ 8,00 uma de Newton Ishii, conhecido nacionalmente como "O Japonês da Federal", e caiu na folia todos os dias.

Na terça-feira, 25 de fevereiro, conheceu Everalda no desfile do "Galo da Madrugada". Ambos de máscara, com pouca roupa e já embevecidos pelo álcool, se desejaram e resolveram ir aos "finalmentes" em um surrado e escondido banheiro químico.

No calor do ato, Everalda pediu a Pedro que tirasse a máscara. Hesitante, ele o fez. A moça ficou assustada e sentiu asco do rosto do parceiro. Solicitou a ele que pusesse novamente o acessório, sendo prontamente atendida.

A relação acabou ali, mas para Pedro uma nova história começava. Teve um insight fantástico: iria em busca de parceiras que curtissem um homem com máscara. Faria do disfarce de Newton Ishii um símbolo de sua virilidade.

Dito e feito. Através das redes sociais de relacionamento encontrou pares e agora tinha diversas "namoradas" espalhadas por todos os cantos.

Seu perfil possuía a seguinte descrição: "Você curte um homem de máscara? Eu nunca tiro a minha! Corpo sarado e cheio de vigor! Vamos viver este fetiche juntos? Máscara de borracha do "Japonês da Federal" pronta pra gente."

Quase uma ano depois era um outro homem: mais confiante, mais falante, mais bem vestido, mais tudo. Tinha terminado a pós-graduação e foi promovido no trabalho.

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Era uma manhã de dezembro, quando acordou já pensando nos planos que tinha para as férias de janeiro. Estava radiante e de bem com a vida! Pulou da cama, foi o banheiro, mas ao se deparar com o espelho seu mundo caiu. Não conseguia acreditar naquele reflexo! Só podia ser um sonho! Como isso aconteceu? Como?

Na noite anterior dormiu com mais um par. A moça foi embora no meio da madrugada. Ele, cansado pela intensidade do sexo, adormeceu com sua máscara no rosto. Ao acordar, ela havia se fundido à sua face. O seu semblante agora era composto por um borracha com as feições de Newton Ishii. Como iria trabalhar deste jeito? Quem achariam que ele era? Que tipo de aberração se tornou? Tudo isso era muito pior que a acne responsável pelo martírio de sua vida.

Se achando desafortunado, caiu em profunda depressão. Deixou os dias passarem e não atendeu mais às ligações do trabalho e às diversas outras de cunho pessoal. Se isolou do mundo, sumiu das redes sociais e bebia diariamente. Quase não se alimentava e nas poucas vezes que ia à rua colocava um casaco, com capuz, para esconder a nova aparência.

O tempo caminhou e da depressão veio a raiva. Procurava um culpado para sua situação e não demorou muito a atribuir sua "maldição" às mulheres. Sim. Era tudo culpa delas. Como não percebeu antes? Primeiro o desprezavam, depois o queriam de uma forma diferente da sua. Tanto fizeram e tanto ele fingiu, que forças sobrenaturais lhe deram este presente de grego: uma nova e esquisita fisionomia. Ficou claro! Precisava puni-las!

Foi assim o início de sua cruzada de psicopatia! Passou a observar, vigiar e estudar o comportamento das pessoas do sexo feminino. Após isso, escolhia uma vítima, a obrigava a fazer sexo com ele e depois a matava, desfigurando seu rosto.

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Os assassinatos cruéis, seguindo um mesmo padrão, chamavam a atenção da mídia e das autoridades que de tudo faziam para capturar este perigoso elemento. Pedro, porém, era meticuloso e jamais deixou qualquer pista ou indício, tornando o caso ainda mais complexo. Recife estava atemorizada e o país chocado com uma violência sem rosto.

Mesmo com tanta frieza e minuciosidade, ele cometeu um descuido em um dos seus ataques: foi filmado por uma câmera de segurança. As imagens rodaram o Brasil e revelaram o que parecia ser um sujeito usando uma máscara do "Japonês da Federal". Uma constatação, ao mesmo tempo, chocante e patética!

Após o incidente ambulantes gaiatos começaram a fazer reproduções da máscara e vende-las com êxito por Boa Viagem. As primeiras levas esgotaram – todas compradas por homens. Aos poucos foram sendo vendidas em todos os bairros da cidade e o fenômeno se estendeu Brasil afora.

O mais assustador foi que uma onda de ataques às mulheres aconteceu por todas as partes e para o terror de todos os algozes eram homens com um "disfarce" idêntico ao de Pedro.

A coisa pegou fogo quando a apresentadora de um jornal televisivo foi morta em pleno ar pelo seu companheiro de bancada, que colocou a máscara antes de cometer o crime. Durante o ato, cantou um trecho de uma marchinha de carnaval: "Ai meu Deus, me dei mal, bateu na minha porta o Japonês da Federal".

À esta altura as mulheres estavam desesperadas. Qualquer um ao lado podia ser um novo "Newton Ishii". Até mesmo seu próprio companheiro ou marido.

A polícia não conseguiu dar conta de tantos crimes e não tinha noção de como agir. Já uma parte população estava em pânico absoluto e exigindo providências antes que uma verdadeira guerra entre os sexos se iniciasse.

Enquanto isso, Pedro seguia com suas mortes e se regozijava pelos recentes acontecimentos. Sua vingança e punição aos culpados saiu melhor que a encomenda.

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Certo dia, em seu turbilhão mental, resolveu que mataria Everalda. Afinal, foi a partir deste "date" o início de tudo. Após seguir seus passos e estudar seus hábitos, perseguiu-a até um deserto banheiro da UFPE. Esperou-a entrar no local e foi ao seu encontro.

A moça estava trancada em uma cabine. Seu plano era arrebentar a porta e, logo em seguida, dar a ela o que merecia, porém a própria Everalda apareceu de supetão, surpreendendo-o. Ela usava uma máscara de borracha de "Joana d'Arc" e tinha um Glock em suas mãos. Descarregou-o na cabeça de Pedro.

A morte do psicopata, cujo rosto ficou irreconhecível após os tiros, teve uma grande e instantânea repercussão. Everalda virou uma espécie de heroína, de exemplo e inspirou diversas mulheres a se defenderem e lutarem por sua sobrevivência.

Elas se armaram e quando atacadas pelos "Newton Ishii", respondiam como "Joanas d'Arc". O processo se inverteu e foram os feminicidas atrozes que passaram a ter medo das reações de suas possíveis vítimas. O mais temido aconteceu: uma verdadeira guerra entre homens e mulheres.

A desconfiança reinava, as baixas eram grandes para ambos os lados e o assunto dominava a mídia. Foram dias de caos, lutas, protestos e muita violência. O radicalismo tomou conta do país e isso se estendeu por muito tempo, sem haver qualquer tipo de trégua ou solução palpável.

Everalda, agora Deputada Federal, tomou a iniciativa de tentar resolver a situação no âmbito político. Sua chamada "Lei da Cara Limpa", proibindo a comercialização de máscaras no Brasil, foi aprovada em unanimidade no Congresso Nacional, mesmo sob os protestos de representantes de blocos, escolas de samba, alguns foliões e outras entidades ligadas ao carnaval.

A partir deste ato e de uma colaboração entre as polícias, forças armadas, órgãos de fiscalização e justiça, a luta começou a diminuir e com o passar do tempo cessou de vez.

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Certas feridas jamais foram cicatrizadas, assim como determinados atos e discursos – difíceis de serem deixados para trás.

Muitas pessoas ficaram tomadas por um sentimento de vergonha, outras apenas queriam esquecer tudo e algumas poucas ainda causaram balbúrdia, mas suas ideias morreram rápido e logo colocaram o rabo entre as pernas.

De qualquer forma as mulheres, mais espertas, e sempre precavidas, deixaram bem guardadas suas máscaras escondidas no fundo de alguma gaveta.

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HISTÓRIAS ICÔNICAS  DE UM UNIVERSO SURREAL VOLUME 1Onde histórias criam vida. Descubra agora