A mãe adentrou o portão de casa puxando o bode por um corda. O menino ficou com os olhos brilhando quando viu o animal e gritou:
– Mamãe! Você trouxe um bichinho para mim! Obrigado.
– Sai pra lá, menino! Isso aqui é para os meu trabalhos! – respondeu de forma mal humorada a velha.
A rabugenta senhora chamava-se Jocasta Lupércia Carvalho e era conhecida na Rua dos Diamantes, em Rocha Miranda, bairro do Rio de Janeiro, como Mãe Lupe de Oxóssi, uma respeitada praticante do candomblé.
Teve muita dificuldade em conseguir este animal. Procurou-o por muito tempo em locais próximos, mas foi somente na Feira de Acari onde conseguiu encomendá-lo e comprá-lo através do comerciante Tadeu Menezes – o Tainha.
Ia usar o bode em um ritual de sacrifício para Oxóssi assim que o bicho estivesse na idade adequada.
O problema foi que Alex, seu filho, um garoto cujo ela mantinha de cabeça raspada para não pegar piolhos – apelidado de "FEBEM", se apaixonou pelo bicho e não o largou mais.
Jocasta fez de tudo para desgrudar o moleque do animal, mas não houve jeito. O menino fez greve de fome, ameaçou se matar e usou de todo tipo de chantagem para com a mãe, a fim de que Suassuna – como chamavam o bode – virasse seu bicho de estimação e não fosse sacrificado nos trabalhos do terreiro.
Contrariada, Mãe Lupe "engoliu" a situação, mas não tirou da cabeça que Suassuna devia ser "entregue" a Oxóssi, caso contrário o orixá podia se voltar contra a família. Planejava, em algum momento futuro, dar um sumiço naquele bicho.
A situação piorou quando se descobriu que o bode falava. Ninguém sabe ao certo como aconteceu, mas o fato é que Suassuna se desenvolvia intelectualmente como os seres humanos.
Ele se tornou uma celebridade em Rocha Miranda. Os moradores do bairro queriam lhe ouvir, estar ao seu lado e participar de suas inteligentes conversas.
Os meninos adoravam ter um animal falante à sua volta e andavam com Suassuna para lá e para cá. Iam na venda, saíam para comprar cachorro quente e até o colocaram no time de futebol das peladas dos sábados no Grêmio Social Esportivo Rocha Miranda, na Avenida dos Italianos.
Neste dia, religiosamente, Jocasta cozinhava para a trupe inteira que compunha a equipe louca pela pelota, denominada Rocha Dura. Eram 20 pessoas: homens e meninos, entre titulares, reservas e equipe técnica, além, é claro, de Suassuna, cujas habilidades em campo encantavam o bairro.
A mãe promovia verdadeiros banquetes feitos em grandes panelas. Tinha o sábado da feijoada, o da dobradinha, o da rabada e por aí vai. O que a deixava enfezada nas comilanças era o fato de ter que cozinhar também para o bode e ouvi-lo se vangloriar de seus feitos nas partidas.
Ela não escondia que o queria morto e no altar do seu orixá protetor. Chegou até a anunciar que em um sábado o cardápio seria buchada, mas o time desconfiado de algum plano secreto contra seu craque e mascote interferiu, forçando-a a preparar outro prato.
Conta-se que em um sábado chuvoso o grupo chegou faminto e Jocasta não tinha feito comida, nem tampouco estava presente na residência. Todos estranharam o ocorrido, mas antes de tomarem qualquer providência, Suassuna assumiu o controle da situação e trouxe para si a responsabilidade pela organização do almoço. Famintos, os meninos e homens acataram a decisão sem questionar.
Com rapidez e habilidade dignas de um "Chef de Cuisine", o bode preparou um sarapatel como nunca antes visto por nenhum dos presentes. Eles lambiam os beiços a cada garfada. Após a comilança, caíram em sono profundo e dormiram sentados na própria mesa onde fizeram a refeição.
Suassuna saiu do quintal, foi até o quarto de Jocasta e abriu o armário. A senhora estava lá dentro, amarrada e amordaçada. O bode lhe falou:
– Agora, sua megera, você pode sair! Vamos até a mesa do quintal!
– Seu bode maldito! O que você aprontou?
– Um jeitinho de você nunca mais tentar me matar, sua macumbeira! – respondeu o animal.
Quando chegaram o falatório era grande, com todo povo devidamente acordado.
Suassuna foi agraciado com os maiores elogios pelo excelente prato apresentado e Mãe Lupe recebida com alegria.
O bode, então, rindo, perguntou à senhora que estava em estado de choque:
– E aí? Gostou dessa?
Ela nada respondeu. Ficou apenas olhando chocada aqueles 20 bodes falantes presentes à mesa aguardando a sobremesa.
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HISTÓRIAS ICÔNICAS DE UM UNIVERSO SURREAL VOLUME 1
Narrativa generaleEste livro é um conjunto de 10 contos surreais/fantásticos. Sinopse: Existem mundos dentro de mundos: universos paralelos e multiversos, que se entrelaçam. "Histórias Icônicas de um Universo Surreal", em seu primeiro volume, contem 10 contos fantás...